"Este livro não é um objeto", projeto de poemas-postais do escritor e jornalista acreano Cesar Garcia Lima, será lançado amanhã (13/09) em São Paulo, na Casa das Rosas - Av. Paulista, 37, Paraíso. Os poemas-postais chegam à cidade após serem lançados no Rio de Janeiro, em Rio Brancoe na OFF FLIP, em Paraty.
A obra reúne vinte poemas ilustrados com imagens diversificadas, de fotos do álbum de família a colagens com motivos cinematográficos. O projeto é mais uma possibilidade artística de reflexão sobre a poesia e sua interação com a pintura, a fotografia, o desenho e o cinema.
A materialidade do livro, que causa inquietação aos autores desde a invenção da tipografia, motivando as vanguardas, é questionada mais uma vez nessa publicação independente. Cada poema-postal pode ser destacado e enviado separadamente ou, ainda, mantido em conjunto.
Os poemas-postais já estão disponíveis no site do escritor, do qual podem ser enviados gratuitamente por e-mail. Ao acessar o site, é possível também fazer o pedido da edição impressa, que custa R$ 30,00.
Cesar Garcia Lima nasceu em 1964, em Rio Branco. É jornalista pela Faculdade Cásper Líbero, de São Paulo, e Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Atualmente, é professor universitário do curso de Pós-Graduação em Jornalismo Cultural da UERJ e de Cinema da Universidade Estácio de Sá.
Participou de várias antologias poéticas junto ao Cálamo, grupo de pesquisa e criação literária, em São Paulo, e publicou Águas desnecessárias (1997, Nankin Editorial). Promove oficinas literárias, mora no Rio de Janeiro desde 1995 e trabalha também como roteirista de TV. É autor de "Águas desnecessárias" (Nankin Editorial, 1997).
A TERCEIRA MARGEM DA ALMA DE ADÉLIA
Cesar Garcia Lima
Adélia Prado chegou a Parati atenta à condição humana, para ela, “sempre miserável”, recitando os poemas que fizeram dela referência de uma poesia mística e, ao mesmo tempo, carregada de carnalidade. Desde a primeira vez que a vi em público, no MASP, em São Paulo, nos anos 80, é como se uma parente do interior se pusesse inesperadamente em cena, com uma bandeira do Divino nas mãos, com versos livres assumidamente religiosos, mas que não escamoteavam o desejo. Isso trouxe, de alguma maneira, certo alívio para um país cerceado por uma moralidade hipócrita e excessiva reverência para a voz de cada um diante da fé.
Agora, Adélia se coloca desamparada diante da passagem do tempo que branqueou seus cabelos, clamando por Deus. Paradoxalmente, ela remete mais do que nunca ao que é material. À parte seu discurso sobre a falta de sentido do mundo, suas reflexões filosóficas e a busca do simbólico “carregado de afeto”, ainda são as observações mais simples que mostram a voz desconcertante da mineira de Divinópolis que chamaram minha atenção.
É assim que, em Parati, Adélia aponta a "falta de pertença" da família indígena que vende artesanato nas ruas do centro histórico, um contraste com os ventos de politização que caracterizam esta quarta edição da FLIP, cheia de referências à Palestina, invasão do Líbano e dúvidas sobre o futuro de Cuba. A própria Adélia aponta que é impossível rir ao se falar que a invasão do Iraque tem como objetivo implantar a democracia. Mas a poeta busca seu refúgio maior na transcendência, dizendo que o “mistério é constitutivo da nossa natureza”. Com sua escrita caudalosa, Adélia está em busca do que chama de “terceira margem da alma”, referência a Guimarães Rosa, algo como “o mistério do símbolo que tranqüiliza, mas que é melhor não entender”.
Com desconcerto, Adélia diverte a platéia ao dizer que "às vezes é possível cismar com um dedo da própria mão e não se dar conta de que está tendo uma experiência poética ou mística.". É nesse ar doméstico e ao mesmo tempo original que ela resiste, preocupada com a finitude e um pouco mais temerosa do que de costume ao dizer que “o artista verdadeiro tem que nascer velho, para não se confundir com sua própria criação”. Desconfio que, por acreditar na vida eterna, a poeta ainda possa mudar de idéia sobre esse assunto.
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