sábado, 10 de junho de 2006

CLAUDE LÉVI-STRAUSS



O RETRATO DE UM SÁBIO

Filme de Maria Maia retrata Claude Lévi-Strauss como o mestre que reconciliou os brasileiros com o próprio país

Paulo Moreira Leite

Exibido no início da semana na abertura do Festival Internacional de Cinema Ambiental, o Fica, na cidade de Goiás Velho, a 144 quilômetros de Goiânia, o documentário Lévi-Strauss: Saudades do Brasil é uma produção impecável. Com uma hora e 57 minutos de duração, retrata com sensibilidade e conhecimento de causa as idéias e a trajetória de um dos mestres de nosso tempo.

Filmado em Paris, onde vive, lúcido às vésperas de completar 98 anos, Claude Lévi-Strauss dedicou a existência ao esforço bem-sucedido para alargar as fronteiras da civilização. Sua principal contribuição ao mundo das idéias contemporâneas foi o combate ao eurocentrismo, visão que apresenta a cultura de matriz européia no centro do progresso humano - postura mais notável quando se recorda que se formou na Europa dos anos 30, quando a noção de superioridade racial se encontrava no auge. Lévi-Strauss viveu no Brasil entre 1935 e 1940, quando foi professor na Universidade de São Paulo. Ao revelar ao mundo a riqueza de nossa cultura indígena, produziu uma obra indispensável para se entender o Brasil e os brasileiros. O grande Sérgio Buarque de Hollanda dizia na mesma época que o brasileiro era um estranho na própria terra. Lévi-Strauss reconciliou a cultura brasileira com as origens do povo e a história do País.

Debruçada sobre esse intelectual sensível e profundo, a documentarista Maria Maia fugiu da armadilha de produzir um filme sobre conceitos abstratos, para retratar Lévi-Strauss entre angústias e impasses de uma época - ouvido durante 40 minutos em Paris, num depoimento que funciona como fio condutor de toda a obra.

A câmera registra Lévi-Strauss com enormes sombrancelhas de neve, quase sem cabelos, óculos de fundo de garrafa, mãos gigantescas, às vezes trêmulas, exibindo uma conversa lúcida, alimentada por uma erudição profunda e sem afetação. O tom em relação ao Brasil é de afeto, quase sempre reconhecido, mas nunca paternalista.




VIAGEM AOS ABISMOS DA HISTÓRIA
Documentário refaz expedições de Lévi-Strauss a aldeias indígenas


Paulo Moreira Leite

O documentário Lévi-Strauss: Saudades do Brasil, exibido no Festival de Cinema Ambiental, em Goiás Velho, pode ser definido como um esforço para recuperar a memória de um mundo perdido. O filme sempre pergunta o como e o porquê das coisas. Ao mostrar a História num momento de mudança e abismo, Saudades do Brasil contrapõe imagens em preto-e-branco filmadas pelo próprio Lévi-Strauss e diversos cineastas que retrataram nações indígenas com cenas que a diretora Maria Maia registrou em 2005, ao retornar aos mesmos locais que o mestre havia pesquisado.

Surgem na tela sobreviventes de nações indígenas que perderam restos da grandeza original ainda visíveis na primeira metade do século passado para se transformarem num aglomerado humano desenraizado, que necessita recuperar os rastros do passado para encontrar uma identidade viável no presente. Num momento inesquecível, o filme combina passado e presente em duas seqüências de emoção e dor.

Na primeira, mostra índios nus com cocares, penas, cicatrizes, em rituais de dança e caça. Eles correm, se abraçam, dão risada. Ora se divertem, ora sofrem, num universo de indivíduos integrados a seu mundo e seus valores. No presente, filhos e netos dessas mesmas pessoas são revisitadas em imagens coloridas. Usam chapelão de caubói, vestem camiseta de jogar basquete, têm a mesma pele murcha e ressecada. Sua vida social é um conjunto de fragmentos e a memória tornou-se uma massa de destroços. Precisam ver fotografias do próprio Lévi-Strauss e ler trechos de seus relatos para tentar reconstituir, diante das câmeras, com gestos inseguros e olhar vago, aquele mundo de onde vieram.

Citando uma das idéias mais repetidas pelo próprio Lévi-Strauss, Saudades do Brasil fala de povos que passam do estágio primitivo para a decadência sem conhecer o apogeu e lembra que o mestre definia a elite paulista como uma "flor indolente", "mais exótica do que ela própria se imagina".

Maria Maia fez um documentário com quase duas horas de duração e tem assunto para tanto. O filme não tem pressa. Gosta dos personagens que apresenta e faz questão de explicar direito os assuntos que focaliza. Em vez de tomadas instantâneas e cortes bruscos, demora-se em seqüências detalhadas, como uma manhã em que retrata um grupo de moças e mulheres indígenas enfeitando o rosto com uma combinação sofisticada de desenhos à mão, ou quando descreve a complexa organização social dos bororos, sociedade aristocrática dividida em clãs, especializados em tarefas que se complementam.

Embrenhado no mato, Lévi-Strauss tinha certeza de que lidava com homens e mulheres de carne-e-osso, aos quais não se deveria negar a chance de transmitir experiências originais e únicas. Há momentos de sua obra que sugerem um olhar quase utópico, próximo do mito do "bom selvagem" de Jean Jaques Rousseau, autor que sempre teve como um mestre. Seu horizonte para entender e interpretar seres humanos tão diferentes e tão iguais era tão generosamente largo que a mulher dele chegou a questionar o valor científico das sociedades apresentadas em suas pesquisas, preferindo defini-las numa carta a um amigo brasileiro, Mário de Andrade, como "invenções poéticas".

Homem de ciência, Lévi-Strauss assumiu o comportamento de um sábio que valoriza a cultura dos livros sem esquecer o valor da observação pessoal. Sempre teve opiniões claras sobre economia, política e vida social, mas também sobre música e pintura. Desprezava Pablo Picasso - talvez porque tinha uma noção de quanto suas obras deviam às culturas chamadas de primitivas - e era capaz de comover-se genuinamente com a arte indígena numa época em que era mais comum considerá-la como manifestação de uma sociedade inferior.

Estudiosa de Antropologia na universidade, Maria Maia fez o documentário sobre Lévi-Strauss por encomenda da TV Senado, onde é funcionária concursada. Com uma produção de bom tamanho, em 2004 o Centro Cultural São Paulo organizou uma mostra com seus documentários sobre Machado de Assis, Gláuber Rocha, Souzândrade e Cândido Portinari.

Na pesquisa para Saudades do Brasil, ela enfrentou terra, matos e atoleiros para chegar a aldeias distantes - e mais preservadas - e reuniu depoimentos de especialistas que ajudam a colocar Lévi-Strauss em seu contexto. Por falta de tempo e de recursos, visitou duas das três aldeias estudadas pelo mestre - o povoamento dos nhambiquaras ficou de fora. Caetano Veloso canta algumas músicas no filme mas faz comentários fora do lugar, deslize perdoável pelo conjunto de um trabalho à altura de um grande mestre.

TITÃS ENCERRAM O FICA
Aberto na terça-feira, o 8.º Festival Internacional de Cinema Ambiental (Fica) termina amanhã, com um show de rock estrelado pelos Titãs. Mas já na manhã de hoje o júri anuncia os vencedores de sete prêmios. O maior deles, Troféu Cora Coralina, dá direito a um cheque de R$ 50.000. No total, o Fica distribui R$ 240.000 em prêmios. Parece pouco mas não é. Nenhum outro festival temático oferece o mesmo volume de recursos na América Latina.

Numa primeira fase, foram inscritos 347 filmes de 150 países - havia candidatos de Zâmbia, Croácia e Quênia, entre outros. Apenas 27 obras de 12 países conseguiram chegar à seleção final. Além de Lévi-Strauss: Saudades do Brasil, o festival apresentou outros concorrentes fortes. Um deles é Conflit Tiger,do russo Sasha Snow, envolvendo um vilarejo de caçadores às voltas com ataques de tigres das redondezas. Outro é A Última Bomba Atômica, do americano Robert Richter, que já recebeu um Oscar da categoria com uma obra anterior. Desta vez, Richter mostrou o perfil de sobreviventes da bomba de Nagasaki.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Um comentário:

Anônimo disse...

Não consegui assistir a esse filme, mas preciso saber onde posso encontrá-lo. Alguém poderia me informar onde encontrar o documentário Saudades do Brasil, sobre Claude Lévy-Strauss??
Meu telefone 11 - 3872-7572 em São Paulo, meu e-mail: rosana@transpsicanalise.com.br.