sexta-feira, 20 de maio de 2005

MEIO AMBIENTE

Amazônia: devastação deve ser maior

Cálculos que resultaram no número da área desmatada divulgado anteontem não incluíram dados de Roraima e do Amapá

Cristina Amorim
Herton Escobar

O desmatamento da Amazônia Legal que ocorreu no período 2003-2004 pode ser maior do que os 26.130 quilômetros quadrados divulgados anteontem pelo Ministério do Meio Ambiente, em Brasília. A falta dos números referentes a dois Estados - Roraima e Amapá - e a ausência de detalhamento da ação de madeireiras podem provocar, segundo especialistas ouvidos pelo Estado, uma variação no número absoluto de área devastada, que já atinge 18%.

As informações de Roraima e Amapá serão computadas na próxima etapa do trabalho, que fornecerá o número consolidado do índice. "Não é que não haja desmatamento nos dois Estados", explica o analista Dalton Valeriano, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). "Como precisávamos de uma estimativa robusta, nos concentramos nas mais de cem imagens críticas e deixamos de lado Roraima e Amapá." A metodologia utilizada pelo Inpe para gerar os dados preliminares é baseada em imagens das áreas críticas de desmatamento, que cobriram nesse período 93% da Amazônia Legal, e demonstra apenas os locais onde houve o chamado "corte raso", ou seja, a retirada total de cobertura vegetal.

Contudo, antes do corte raso, é prática na Amazônia a ação de madeireiros que derrubam apenas as árvores com valor econômico, deixando o resto para trás. Esse tipo de desmatamento não provoca uma mudança facilmente visível na cobertura vegetal e não engrossa os dados usados pelo governo. "O Inpe considera desmatamento a retirada total da mata. Há um tipo mais sutil, que rareia a floresta e a deixa suscetível à ação de grileiros, que se seguem aos madeireiros", explica o analista ambiental Judicael Clevelario Junior, da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Dados divulgados pelo instituto na semana passada indicam que quatro Estados do norte amazônico - Amazonas, Pará, Roraima e Amapá - podem formar um "novo arco do desmatamento" movido pelos madeireiros, segundo a análise de impressões passadas por órgãos oficiais de 27 municípios. "Essa nova frente de retirada de árvores não é clara o suficiente para formar uma mancha, dando um aviso (ao Inpe), mas é bom dar ouvidos ao que está acontecendo ali", afirma Clevelario.

Para Carlos Souza Junior, secretário-executivo do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a análise feita pelo IBGE é "interessante" como radiografia da Amazônia. "É outro indicador de áreas vulneráveis, bastante útil para mapear os locais que correm mais risco de alteração." O Imazon tem tentado monitorar não apenas o corte raso, mas outras variáveis que influenciam a derrubada de árvores, como a atuação de madeireiros, grileiros e setor agropecuário. Uma análise do instituto demonstra que mais da metade da Amazônia (53%) apresenta sinais de pressão econômica, de acordo com dados recolhidos até 2002.

PLANOS
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, voltou ontem a reconhecer a gravidade da situação. "(A taxa de desmatamento)É um número inaceitável, para o governo e para todos os cidadãos deste país", disse durante participação na Semana da Mata Atlântica, em Campos do Jordão. Não se tratou, entretanto, de um mea-culpa. Marina, ex-seringueira da Amazônia, relacionou uma série de medidas adotadas pelo governo, apontou a redução no ritmo de crescimento do desmatamento e disse que "é impossível reverter um processo de séculos em apenas dois anos".

Pelo lado positivo, observou a ministra, a taxa de aumento anual - que era de 27% no período 2001-2002, herdada pela pasta no primeiro ano do governo - caiu para 6% no período 2003-2004, apesar do aumento na taxa de crescimento econômico, de 1% para 5%, que pôs ainda mais pressão sobre a floresta. "Claro que a sociedade não vai comemorar desmatamento evitado, mas aconteceu." Ela citou a criação de 7,7 milhões de hectares em unidades de conservação em pontos estratégicos da Amazônia - "verdadeiras muralhas verdes frente a essa devastação", segundo a ministra.

As principais medidas de proteção - contidas no Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia - terão seus efeitos sentidos nos próximos anos, segundo o secretário de Biodiversidade e Florestas do ministério, João Paulo Capobianco. São mudanças estruturais, como o ordenamento territorial da região para combater a grilagem. "São medidas que requerem um tempo de maturação." Os dados divulgados esta semana vão até agosto de 2004, cinco meses após o lançamento do plano. A expectativa do ministério é de que o desmatamento caia em 2005.

O coordenador de ações na Amazônia do Greenpeace, Paulo Adário, contestou a justificativa: "Acontece que 70% do desmatamento registrado entre 2003 e 2004 ocorreu entre maio e julho, quando o grupo interministerial criado para cuidar do problema já estava trabalhando." Anunciado com pompa em março de 2004, o grupo interministerial é liderado pelo chefe da Casa Civil, José Dirceu. "Logo no lançamento, ele afirmou que as primeiras atividades do grupo começariam em abril", recorda Adário. "Mas não foi bem assim."? Colaborou: Lígia Formenti

Fonte: O Estado de S. Paulo

Nenhum comentário: