sábado, 12 de fevereiro de 2005

DOROTHY MAE STANG


Mas como dói: João Alfredo, Dorothy Stang e Marina Silva


Alguns ministros de Lula costumam falar tanta besteira quanto os secretários de Bush.

Toda vez que um crime abala o país, como esse do assassinato da missionária norte-americana Dorothy Mae Stang, no Pará, o secretário de Direitos Humanos, ministro Nilmário Miranda, declara perplexidade após ter tomado conhecimento da morte anunciada.

A Folha Online relata que o ministro conheceu a missionária na última quinta-feira, dia 3. Na ocasião, Dorothy Stang denunciou a invasão da casa do trabalhador Luiz Moraes de Brito por pistoleiros.

Olhem o que declarou Nilmário Miranda:

-Encaminhamos o caso à polícia, mas nunca pensamos que a ousadia desses bandidos chegasse ao ponto de assassinar uma irmã, pessoa símbolo da luta no local.

Oh! Haja paciência! Além de pensar, o ministro deveria agir com mais firmeza para não agravar a imagem do país em questões de direitos humanos.

Bem, é mais sensato ler o editorial que o jornalista Roberto Smeraldi, da organização Amigos da Terra, acaba de me enviar:

A fácil investigação sobre a morte da irmã Dorothy

Após 38 anos de Amazônia - com a morte anunciada quase diariamente - irmã Dorothy acabava não acreditando mais na possibilidade de ser calada para sempre. "Se não me mandaram embora antes, imagine agora, com 74 anos", escrevia em janeiro passado para sua congregação.

Nos últimos 15 meses, inclusive, seu nome se tornara aos poucos uma lenda, o que normalmente representa um seguro de vida em locais como o distrito de Anapu, na região de Altamira, ao longo da Transamazônica. Cidadã honorária do Pará por iniciativa da Assembléia Legislativa, ganhadora do prêmio da OAB-PA, chegou a ser recebida no Congresso Nacional e por dois ministros de Estado, o secretário Nilmário Miranda e a ministra Marina Silva. Em suma, uma figura com a qual que tem juízo deveria, a rigor, evitar de mexer.

Ao mesmo tempo, porém, aumentava o valor das terras objeto de cobiça dos que a assassinaram. Desde 2000, a energia do linhão de Tucurui havia empurrado para Anapu, uma vila de 700 pessoas, muitos madeireiros ilegais, após o esgotamento do recurso no leste do Estado. A vila atingiu os 10mil habitantes em final de 2003. O suficiente para inviabilizar os dois projetos de desenvolvimento sustentável das glebas Belo Monte e Pacajá, criados, no papel, em 1999. O PDS é uma modalidade de assentamento idealizada pelo INCRA no governo FHC e até hoje nunca devidamente concretizada. A confirmação da construção de Belo Monte, nos últimos meses, ajudou a aquecer o mercado da grilagem. A omissão gravíssima do INCRA, há mais de cinco anos, alimentou as expectativas de invasores e especuladores.

Nesse quadro, cabe observar que pela Justiça do Pará, até o dia de sua morte, irmã Dorothy não era uma pessoa marcada para morrer, e sim réu em uma investigação de assassinato, como suspeita de cumplicidade na morte de um segurança de fazenda. Acusações semelhantes - lembra oportunamente o jornalista Lúcio Flávio Pinto - àquelas que atingiram em 1976 o então bispo de Conceição do Araguaia, dom Estevão Avelar, junto com o padre Florentino Maboni. O paradoxo não preocupava a batalhadora senhora de fala mansa, convicções firmes e inesgotável energia. Mas é um importante indicador do fato que, no Pará, a Justiça não é solução, e sim parte do problema.

Agora, o trabalho dos investigadores da morte de irmã Dorothy Stang não é difícil. Os que a assassinaram haviam anunciado isso há muito tempo: é suficiente a polícia conversar com meia dúzia de pessoas, incluindo figuras conhecidas, como o agiota Regivaldo Galvão (o "Taradão"), o grileiro Tinair, os empresários Délio Fernandes e Dany Gutzeit, o fazendeiro paulista Paulo Medeiros Carvalho. Também poderia se dar um pulo até a Fazenda Rio Anapu, de Yoaquim Petrola. Os mandantes dos assassinos de Dorothy, inclusive, têm cadastro na Sudam. O Ministério Público Federal tem incluído seus nomes em dezenas de representações à Secretaria de Defesa Social. Inúmeras instituições da sociedade civil - incluindo a Comissão Pastoral da Terra, a Diocese de Altamira, o GTA, Amigos da Terra, Greenpeace, a OAB, etc. - têm alertado publicamente sobre a probabilidade que acontecesse o que aconteceu. Patentes e inegáveis, nesse sentido, as omissões do governo do Estado e do governo federal.

Resta apenas a triste expectativa de que a morte de Dorothy ajude a abrir os olhos sobre o que significa a agressão socioambiental ao coração da Amazônia, evitando que autoridades públicas nos poupem declarações que definem como progresso a selvagem corrida especulativa fomentada pela irresponsabilidade governamental em regiões como Terra do Meio ou BR-163. Expectativa triste não apenas para os muitos que a conheceram e não desejam se conformar com esse cenário. Mas para todos porque, como alertava Bertold Brecht, "feliz é o povo que não precisa de heróis".

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