segunda-feira, 11 de outubro de 2004

“CADA UM PRESERVE SEU PEDAÇO”


O extrativista Manoel da Gameleira, 65, mora há 30 anos no assentamento São Gabriel, no município de Capixaba (AC).

Proprietário de 96 hectares, na fronteira com a Bolívia, Gameleira lidera uma família de sete pessoas. Eles cultivam arroz, feijão, milho, mandioca e extraem látex e castanha.

Já desmatou 20% da propriedade, cria 40 cabeças de gado, mas não pretende mais derrubar nenhum palmo de floresta.

Envolvido há mais de 20 anos na organização de seringueiros e agricultores, Gameleira elogia os resultados do programa de compra antecipada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Além de elevar os preços pagos aos produtores, a operação de compra antecipada serviu para reforçar a organização social das famílias, melhorar a qualidade de vida e preservar a floresta.

Leia a entrevista:

Qual o impacto que tem a compra antecipada de castanha na preservação da floresta?
É muito positivo. A compra antecipada está permitindo eu preservar a minha parte, que é apenas de 96 hectares. Tenho um campo pequeno, para 40 cabeças de gado, e não tenho necessidade de fazer derrubada. Tendo quem compre a nossa produção, retirada da floresta, a gente vai preservando.

O que é necessário fazer para que outros pequenos proprietários rurais tenham consciência da importância de preservação da floresta?
Os técnicos do governo estadual e o pessoal da cooperativa estão fazendo o possível para que todos percebam que é importante a preservação da floresta. Estão até cuidando de recuperar algumas áreas degradadas com o plantio de mucuna e puerária. Acho que nós estamos dando exemplo em ecologia. Já conseguimos até produzir 1,2 mil quilos feijão em um hectare. Eu nunca vi isso numa terra que era cheia de sapezal. Conseguimos recuperar o solo plantando feijão.

Qual o argumento mais forte que o senhor tem para defender a preservação da floresta?
É o argumento de que a floresta, a natureza, é a nossa mãe. Quando eu vejo alguém derrubando uma castanheira, por exemplo, eu digo: companheiro, não faça isso. Essa árvore é tua mãe. Digo o mesmo quando vejo os brasileiros, que moram em território boliviano, retalhando uma seringueira: Não faça isso. Essa árvore é tua mãe, mãe dos teus filhos. Quem maltrata uma castanheira ou uma seringueira nunca tem nada na vida.

Isso é mesmo verdade?
Sim, é verdade. Digo isso por experiência. Quem estraga uma árvore dessa não consegue ter nada na vida.

Não é apenas um mito?
Não, não. Isso é verdade mesmo: o cara morre sem nada. Nós temos que zelar pela natureza. O sogro da minha filha era dono de uma área, mas não gostava de preservar. Ele costumava malinar com as seringueiras. Hoje vive perambulando sem nada na vida. O sentido dele era a maldade com as árvores.

Quais os benefícios que o senhor presenciou com a compra antecipada de castanha nas demais famílias beneficiadas pelo programa?
O que fizeram é algo totalmente bom. É uma coisa que nunca aconteceu em nosso Acre. Nunca tivemos apoio de nada. Eu nasci e me criei na agricultura e no corte da seringa. A minha área virou colônia mas ainda torço pela seringa. Não em viver só da seringa, mas tendo lavoura para desfrutar dela e incentivo para retirar o que a floresta produz de graça. Então, a verdade é que está todo mundo muito satisfeito com a compra antecipada. Se todos os seringueiros forem entrevistados, todos vão elogiar a compra antecipada porque de modo geral ela está reforçando a organização dos pequenos. Antes, ninguém queria comprar seringa e a castanha estava com o preço lá embaixo.

A compra antecipada incentiva as pessoas a não se iludirem com a vida supostamente fácil nas cidades e a preservar suas áreas?
É claro. Tenho 96 hectares. Se eu me sentir obrigado a derrubar um ou mais hectares todos os anos, logo a área não vai prestar para nada. Tenho questionado meus filhos e amigos para que não derrubem. Porque quando não tiver mais o que derrubar o que eles vão fazer? Cada um que preserve o seu pedaço. Essa compra antecipada foi uma providência que resultou de muita luta e organização dos trabalhadores. Espero que continue para que a prosperidade seja grande entre as famílias dos pequenos proprietários rurais. Está sendo bom demais.

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