quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006
VELHO RIO ACRE

PONTE DO MERCADO
CHEIA DO RIO ACRE
BATELÃO
PUTANIC
CARNAVAL
terça-feira, 14 de fevereiro de 2006
CONTRA O FOGO NO ACRE

Entre julho e novembro de 2005, os satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registraram quase 7 mil focos de calor no leste do Acre, um aumento de 200% em relação ao ano anterior. Isso resultou em cerca de 250 mil hectares de florestas chamuscados e outros 350 mil hectares de áreas abertas com vestígios de cinzas.
Pesquisadores da Universidade Federal do Acre que monitoram o índice pluviométrico em Rio Branco e outras regiões do estado, têm alertado que o regime de chuvas no Acre em janeiro de 2006 continuou longe das médias anuais que vêm sendo registradas desde o início dos anos 90. De 1990 até 2004, a média de chuvas no mês de janeiro para o Acre ficou em torno dos 300mm. No ano passado, ficou em 140mm. Este ano estacionou nos 200mm de média.
O uso do fogo como prática agrícola é comum no páis, principalmente na Amazônia. O processo de desflorestamento é quase sempre acompanhado das práticas de queima. A queimada associada à derrubada e seu uso para manejo de pastos é resultante de fatores sócio-econômicos.
No ano passado, a atividade de queima ocorreu de maneira descontrolada e causou enormes prejuízos econômicos e ambientais, quando o Acre enfrentou uma situação atípica nas condições climáticas, com um longo período de estiagem.
A seca e a baixa umidade do ar causaram incêndios em florestas e pastos, obrigando o governo estadual a decretar situação de emergência. Os municípios de Acrelândia e Plácido de Castro, por exemplo, perderam quase toda a produção agrícola e pecuária devido a queima sem controle. O aúmulo de fumaça causou danos que afetaram a saúde, o transporte, e a educação.
O seminário "As queimadas no Acre: avaliação, combate alternativas e propostas futuras" se propõe a contribuir para que a população seja informada sobre os danos econômicos e ambientais causados pelo fogo e, baseada em dados científicos, possa estabelecer estratégias para combatê-lo de modo eficiente neste ano.
Os freis Heitor Turrini e Paulino Baldassarri, que há vários anos trabalham em defesa das florestas do Acre, não compareceram ao seminário, mas enviaram de São Paulo uma carta ao pesquisador Foster Brown, na qual sugerem medidas para combater a devastação. Clique aqui para ler uma entrevista antiga que fiz com Baldassari para o blog. Segue a carta.
AVE MARIA!

São Paulo, 12 de fevereiro de 2006.
Caríssimo Sr. Foster Brown
Sabemos da reunião tão importante para salvar a nossa floresta que é o pulmão da Terra. O nosso pensamento se estivéssemos presentes seria:
1. Evitar a derrubada, seja dos pequenos seja dos grandes e em parte do governo;
2. Ter meios, na hora certa, de evitar as derrubadas e as grandes queimadas, como por exemplo, o uso de helicópteros, equipes organizadas nos âmbitos federal (Ibama), estadual (Imac) e municipal;
3. Havendo as derrubadas e queimadas irregulares, não apenas aplicar multas que não servem para nada, mas tirar a posse da terra. A experiência passada que temos, muitas multas aplicadas serviram como moeda de troca para ajuda na eleição de um político;
4. O oxigênio é a base da nossa vida o qual nos é dado com abundância pela floresta amazônica. Portanto os países que mais emitem gás carbônico com suas fábricas e automóveis compensem tal agressão com investimentos em países e em organizações que preservam o meio-ambiente, de modo que a mata seja preservada. Ou seja, que a floresta dê lucro sem ser derrubada;
5. Com recursos estatais e dos países poluidores, se aumente o preço da borracha, para evitar o êxodo dos seringueiros para cidade, dar-lhe uma vida digna, conservar a mata e evitar o avanço da pecuária, sabendo que o seringueiros e os índios são os verdadeiros guardiões da floresta. Ao mesmo tempo faz-se necessário haver uma fiscalização na atividade da extração da borracha, pois com a melhora do preço pode acontecer que o seringueiro, tomado pela ilusão e a ganância do lucro fácil, acabe anelando a planta para aumentar a produção do látex ocasionando, conseqüentemente a morte da seringueira.
6. Ter em vista que a terra amazônica não tem vocação para a pecuária, pois se esgota facilmente;
7. O solo das terras degredadas e empobrecidas seja corrigido com técnicas apropriadas à região (uso de calcáreo, adubos orgânicos, adubos vegetais etc.) através de recursos do governo nacional, estrangeiro ou de entes não governamentais;
8. Conservar um preço bom e estável para a castanha, pois esta também favorece a permanência dos seringueiros na mata;
9. Pensar que a mata tem muitos segredos de remédios, dos quais, a maior parte não conhecemos e que valem muito mais que a mata derrubada; por exemplo, vale muito mais a proteína vegetal da castanheira, generosamente oferecida por centenas e centenas de anos, que a proteína animal produzida pelo gado exploração implica na destruição da mata;
10. Ampliar o investimento a projetos que viabilizem o uso de produtos da floresta (copaíba, açaí etc);
11. Ampliar o investimento em pesquisas sobre a biodiversidade;
12. A mata, além do oxigênio, fonte de vida, nos dá abundância da água, sem a qual, nossa existência é impossível. O grande tapete verde de 3 milhões de km quadrados, conserva as chuvas abundantes. As copas das árvores faz com que estas chuvas caiam de modo lento por sobre a terra restabelecendo as reservas hídricas que alimentam os inúmeros igarapés, lagos e rios. Isto faz da Amazônia uma das mais ricas reservas de água potável do planeta;
13. Estamos muito preocupados que se repita a grande seca de 2005 que tornou a mata, não um esperança, mas um barril de pólvora a incendiar tudo e destruir as fontes de riquezas do planeta Terra;
14. Formar conselhos do meio-ambiente nas esferas municipal, estadual e federal composto por membros da sociedade civil, do ministério público, de entidades não governamentais, dos poderes legislativo, judiciário e executivo, com a finalidade de ajudar na preservação do meio ambiente, na fiscalização de desmatamentos e queimadas e na proposta de soluções concretas e eficazes nos âmbitos local, estadual e federal.
Terminando, desejamos ardentemente que esta reunião abra pistas novas e encha o coração de esperança de que a floresta viverá e de que haverá vida nova neste planeta.
Atenciosamente
Frei Heitor Turrini & Frei Paulino Baldassarri (foto)
PAJÉ MULHER

A índia Raimunda Putani Yawanawa, do Acre, está entre as cinco mulheres premiadas pelo Senado na quinta edição do Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz. Após a proeza de Putani, a palavra pajé deixa de ser substantivo exclusivo do gênero masculino.
Putani apareceu na mídia a primeira vez neste modesto blog, em novembro do ano passado, quando Laura Soriano contou (leia aqui) que duas mulheres se mostraram mais corajosas que os homens da tribo ao prestar juramento ao Rare, uma planta sagrada do povo yawanawá, usada apenas na iniciação ao xamanismo.
As índias acreanas Kátia Hushahu e Raimunda Putani foram indicadas ao prêmio pelo senador Tião Viana. Putani foi a escolhida. Ao todo, 54 mulheres brasileiras concorreram ao Bertha Lutz.
Após apreciar os currículos das indicadas ao prêmio, foram selecionadas por um conselho do Senado as seguintes personalidades: Elizabeth Altina Teixeira (Paraíba), Geraldina Pereira de Oliveira (Pará), Jupyra Barbosa Ghedini (Distrito Federal), pajé yawanawa Raimunda Putani (Acre) e Rosmary Corrêa (São Paulo).
Crédito da foto acima: Joaquim Tashka Yawanawa.
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006
PROJETO KAMPÔ
O Projeto Kampô começou hoje em Rio Branco, com a participação do herpetólogo Bruno Filizola, da antropóloga Edilene Lima, do secretário dos Povos Indígenas Francisco Pianta, representantes das etnias katukina, yawanawá e kaxinawá, além de organizações não governamentais do Acre.
O kampô é um pequeno sapo verde da floresta amazônica. Possui cerca de 200 moléculas na secreção cutânea, sendo que uma já virou a substância chamada deltorfina, medicamento internacional de ponta para evitar a isquemia cerebral. Outra, a dermorfina, é um analgésico 40 vezes mais poderoso que a morfina.
A secreção do sapo verde é considerda pelos índios excelente para dar saúde, alegria e sorte na vida. Os índios e seringueiros que a utilizam como vacina, dizem que ela tira panema, isto é, serve para trazer sorte na caça, pesca e até no amor.
Os principais objetivos do Projeto Kampô, promovido pelo Ministério do Meio Ambiente, são:
1 - Executar projeto de bioprospecção para identificar na secreção do sapo moléculas ou princípios ativos para o desenvolvimento de fármacos e cosméticos.
2 - Pesquisar efeitos clínicos da vacina para detectar os potenciais efeitos benéficos e maléficos para a saúde humana.
3 - Estudo da biologia e da ecologia do sapo, dando subsídios para análise da sustentabilidade do uso econômico e do plano de manejo da espécie.
4 - Estudo antropológico sobre o conhecimento indígena relacionado ao uso do Kampô.
O Projeto Kampô é coordenado pelo herpetólogo Bruno Filizola. Ainda neste ano começa a pesquisa clínica sobre a vacina do sapo kampô na aldeia dos índios katukina. O projeto aguarda a autorização dos comitês de ética, da Funai, do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen) e de outras instituições oficiais.
Estão sendo discutidas estratégias para os entendimentos entre os povos, entre os povos e as empresas e a questão do comércio indiscriminado da secreção do sapo.
Será formada uma comissão para negociação com empresas e aberto debate sobre as intenções dos povos indígenas, além de registro no Iphan e Inpi.
Assista a seguir as entrevistas com o herpetólogo Bruno Filizola, coordenador do Projeto Kampô, e com o líder indígena Joaquim Tashka Yawanawá. No site do jornal Página 20 existe uma reportagem especial sobre o kampô, assinada pelo jornalista Romerito Aquino.
O kampô é um pequeno sapo verde da floresta amazônica. Possui cerca de 200 moléculas na secreção cutânea, sendo que uma já virou a substância chamada deltorfina, medicamento internacional de ponta para evitar a isquemia cerebral. Outra, a dermorfina, é um analgésico 40 vezes mais poderoso que a morfina.
A secreção do sapo verde é considerda pelos índios excelente para dar saúde, alegria e sorte na vida. Os índios e seringueiros que a utilizam como vacina, dizem que ela tira panema, isto é, serve para trazer sorte na caça, pesca e até no amor.
Os principais objetivos do Projeto Kampô, promovido pelo Ministério do Meio Ambiente, são:
1 - Executar projeto de bioprospecção para identificar na secreção do sapo moléculas ou princípios ativos para o desenvolvimento de fármacos e cosméticos.
2 - Pesquisar efeitos clínicos da vacina para detectar os potenciais efeitos benéficos e maléficos para a saúde humana.
3 - Estudo da biologia e da ecologia do sapo, dando subsídios para análise da sustentabilidade do uso econômico e do plano de manejo da espécie.
4 - Estudo antropológico sobre o conhecimento indígena relacionado ao uso do Kampô.
O Projeto Kampô é coordenado pelo herpetólogo Bruno Filizola. Ainda neste ano começa a pesquisa clínica sobre a vacina do sapo kampô na aldeia dos índios katukina. O projeto aguarda a autorização dos comitês de ética, da Funai, do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen) e de outras instituições oficiais.
Estão sendo discutidas estratégias para os entendimentos entre os povos, entre os povos e as empresas e a questão do comércio indiscriminado da secreção do sapo.
Será formada uma comissão para negociação com empresas e aberto debate sobre as intenções dos povos indígenas, além de registro no Iphan e Inpi.
Assista a seguir as entrevistas com o herpetólogo Bruno Filizola, coordenador do Projeto Kampô, e com o líder indígena Joaquim Tashka Yawanawá. No site do jornal Página 20 existe uma reportagem especial sobre o kampô, assinada pelo jornalista Romerito Aquino.
domingo, 12 de fevereiro de 2006
JUAREZ DEPOIS

Muita saudade de tudo e de todos. Segue, como combinamos, o texto "Juarez depois". Desculpe a demora, mas não deixei de usar a "prerrogativa da puta honesta do escritor": não me apresse...
Não sei se o artigo está dentro da sua expectativa, talvez numa análise de caráter jornalístico ou mais político. De alguma forma, isso também está gravado no que redigi.
O fato é que estou irremediavelmente apaixonado por tudo que me aconteceu aí. Tantas pessoas, tantos nomes, tantos lugares inesquecíveis. Quero voltar, desta vez, com um planejamento melhor, ficar mais tempo, inclusive com os huni kui (moral, ética e humanamente, não dou conta mais de falar "índio" sem morrer de vergonha de mim e dos meus irmãos brancos...).
Dê um abraço na Kátia, nos seus filhos, no Samuel, na dona Mariquinha, em cada um e em todos com quem convivi aí: dona Peregrina, Sr. Manoel e D.Maria, Terri Aquino, a turma do Varadouro.net, enfim, não vou listar porque o rol vai longe...
E fica o meu abraço para você também. Tenha certeza de que está nas melhores das minhas vibrações. Desejo muita luz e sucesso nas suas empreitadas, principalmente nesse difícil ofício de viver em voz alta, como diz o Rubem Braga.
Até mais ver, meu amigo.
Juarez Nogueira
Divinópolis (MG)
Nota: Juarez Nogueira é escritor, autor do "Manual de Sobrevivência na Redação" e de "O Menino Alquimista". Tornou-se leitor e colaborador deste modesto blog ao planejar uma viagem ao Acre no final do ano passado. Pediu-me ajuda para os dias de vivência que teria na floresta. Em troca, pedi-lhe que registrasse aqui suas expectativas antes e depois da viagem. Leia a seguir o texto sobre o "Juarez depois" da viagem ao Acre.
a.C.RE, UM PARAISO PERDIDO
Por Juarez Nogueira
Quando viajei para o Acre, em dezembro de 2005, muita gente – daí e de cá – estranhou: Mas você foi/veio fazer turismo no Aaacre (tentei reproduzir a entonação...)? Hum, hum... E, claro, não fui movido pelo turismo convencionado por força das férias de fim de ano. Não é descanso – que bem sei não tenho – o que procurava, procuro. Quem não quer sossego, pode ir para o Acre.
Para muita gente, percebi, tanto aí quanto cá, o Acre parece à margem da história, da vida nacional (aqui em Minas, ao contar da minha viagem, tive até que mostrar o mapa do Brasil para algumas pessoas...), como que condenado a uma “extraterritorialidade” confinada em si mesma (aí no Acre, ao contar da minha terra, tive até que mostrar o mapa do Brasil para algumas pessoas...). Engano. O Acre está dentro, sertão que é, em toda parte, é dentro da gente.
O Euclides da Cunha soube muito bem disso. Em 1904, nomeado pelo Barão do Rio Branco como chefe da Comissão do Alto Purus, embarcou rumo à Amazônia. Para muito além e antes do cargo que então ocupava, foi em busca de um paraíso que tanto desejava. Conta-se que frustou-se. Encontrou-o já corrompido, viu ali o homem como um intruso, num jogo de forças paleozóicas, como se pairasse sobre os altos da floresta um artista sobrenatural que pintava uma paisagem num dia e borrava tudo no outro.
Euclides registrou suas impressões em alguns artigos reunidos no livro “Um Paraíso Perdido”, leitura que recomendo, obra inacabada de um escritor do qual se esperava uma soberba literária da lavra de “Os Sertões”. Pois é dele que tomo emprestado essa definição, se assim posso dizer, para tentar traduzir um sentimento que estreita meu coração encharcado das memórias acre-doces que ora carrego. É isso: um paraíso perdido. Com toda a ambigüidade, com todo o paradoxo irremediável que o termo carrega. Perdido porque há o que se encontrar; perdido porque há o iminente risco da exploração e da devastação, ameaça que voa rasante – e pousa (!) – sobre essa região de florestas.
Sim. A floresta. A natureza solene que vi do alto e de perto, mas não vi intocada. E é isso o que me co-move. É que concreto, asfalto, luz elétrica, atrações turísticas e assemelhados, cá os há um tanto. Não é isso o que me levou a embarcar num ônibus e atravessar quatros estados brasileiros em busca de um paraíso perdido.
Todo mundo procura um paraíso, mente quem diz não, um shangrilá particular. Eu bem sabia/sei o que procurava. Um dia aí, o Toinho Alves me perguntou: E aí, o que achou? Respondi: Achei não, encontrei. Achar me parece tomado de acaso, desgarrado de propósitos que põem na estrada o estradeiro. Encontrei me devolve a concretude de uma busca, como alguém que tenha sede e cava a terra até que a mão finalmente dá na água escura e pode-se, afinal, saciar a sede.
Mas o Acre, Rio Branco, Xapuri, Cruzeiro do Sul, as aldeias katukinas, os igarapés, a floresta, os povos da floresta – que nome lindo para ninar memórias e saudades –, nada disso matou minha sede. Ao contrário, deu mais. E muita. Mais fundamente me devolveram as minhas rasuras humanas, certezas que já tinha, tudo uma experiência esfingética, socrática, só sei que nada sei. Há, sim, no Acre, algo não de “extraterritorial”, mas de “extraterrestre” e não é coisa de ovnis. É um encantamento, uma luz verde e amarela – EU VI – que entrelaça esse povo da floresta com uma natureza grandiosa, a humana inclusive, retrato fiel desse Brasil gigante curvado pela própria grandeza, que deixa a gente, parece, sempre à mercê um estado de forças que acolhem e expulsam com mesma intensidade e calor, o tempo todo a sensação de ser banido de um paraíso que só se deixa vislumbrar aos poucos, devagar. O Acre me deu essa confirmação. Por isso eu não o recomendo a ninguém. Há o risco de se amar demais, querer mais, o difícil amor das mais fundas raízes, de uma imensidão úmida, que submerge a gente, faz atolar que nem aconteceu comigo no barro das margens do Rio Juruá, onde fui batizado pelo sentimento de que, uma vez no Acre, no Acre sempre. Fui em busca de respostas, para mim, por razões que aqui não dizem respeito. Encontrei mais perguntas, sigilo, compromisso, verdades confidenciadas em sopro de vento que não faz curva, pela gravidade obviada no dito de que “em terra de sapo, de cócoras com ele”, jungido de segredos e sagrados por todos os cantos. Agora, no íntimo, só vou grafar assim:
a.C.RE
Quem ler, faça disso o que quiser, dádiva ou danação. É a minha vingança. Risível e inócua como, sei, é minha pequenez. E tenho certeza que tanto me foi dado em tão pouco tempo justamente para que eu não me arredasse dessa curta convicção. O Acre tem a ensinar. E a aprender também. Quando digo o Acre, digo as gentes com tudo que nele há. Pode ser uma lição de florestania para o Brasil. Pode ser a “descoberta” de que o estado em si não precisa acompanhar o desenvolvimento urbanóide-obssessivo que faz o “progresso” das bandas de cá, porque também, como diz a canção, miséria é miséria em qualquer canto, seja em Nova Iorque ou em Tarauacá. Pode ser a assunção do ideal de que o isolamento na floresta é, talvez, que a faz paraíso, mergulhado nos silêncios seculares que gestam as mais preciosas pedras, tesouro para quem se coloca em prontidão para buscar. Eu encontrei, e justamente por isso, estou perdido.
É que eu tive de vir embora. Fiquei sem lugar. Voltei para minha terra. Ainda não consegui me “assentar”, juro, a sensação de não pertencer a lugar nenhum, de que algo ficou para trás, carregando meu corpo adâmico com a alma mergulhada numa saudade edênica, abissal. Tudo culpa do a.C.RE. Trouxe uma muda de jambu, está viçoso e esparramado como é a alegria. Quando o avião levantou vôo na noite de Rio Branco, a planta segura aos meus pés sob a poltrona, eu recapitulei: o que eu vim fazer aqui? A resposta brotou sem esforço: uma planta sabe de raízes. Estou aqui, ilhado de concreto, siderurgia e aço, cidade-oficina cantam os hinos da minha aldeia, um clima seco, duro, mineral, como se tudo fosse feito de pedra. E no Acre, meu Deus, tudo parece feito de árvore.
“Quando nós vamos pelos sertões em fora, num reconhecimento penoso, verificamos encantados que só podemos caminhar na terra como os sonhadores e os iluminados.”
(Euclides da Cunha)
(Euclides da Cunha)
Quando viajei para o Acre, em dezembro de 2005, muita gente – daí e de cá – estranhou: Mas você foi/veio fazer turismo no Aaacre (tentei reproduzir a entonação...)? Hum, hum... E, claro, não fui movido pelo turismo convencionado por força das férias de fim de ano. Não é descanso – que bem sei não tenho – o que procurava, procuro. Quem não quer sossego, pode ir para o Acre.
Para muita gente, percebi, tanto aí quanto cá, o Acre parece à margem da história, da vida nacional (aqui em Minas, ao contar da minha viagem, tive até que mostrar o mapa do Brasil para algumas pessoas...), como que condenado a uma “extraterritorialidade” confinada em si mesma (aí no Acre, ao contar da minha terra, tive até que mostrar o mapa do Brasil para algumas pessoas...). Engano. O Acre está dentro, sertão que é, em toda parte, é dentro da gente.
O Euclides da Cunha soube muito bem disso. Em 1904, nomeado pelo Barão do Rio Branco como chefe da Comissão do Alto Purus, embarcou rumo à Amazônia. Para muito além e antes do cargo que então ocupava, foi em busca de um paraíso que tanto desejava. Conta-se que frustou-se. Encontrou-o já corrompido, viu ali o homem como um intruso, num jogo de forças paleozóicas, como se pairasse sobre os altos da floresta um artista sobrenatural que pintava uma paisagem num dia e borrava tudo no outro.
Euclides registrou suas impressões em alguns artigos reunidos no livro “Um Paraíso Perdido”, leitura que recomendo, obra inacabada de um escritor do qual se esperava uma soberba literária da lavra de “Os Sertões”. Pois é dele que tomo emprestado essa definição, se assim posso dizer, para tentar traduzir um sentimento que estreita meu coração encharcado das memórias acre-doces que ora carrego. É isso: um paraíso perdido. Com toda a ambigüidade, com todo o paradoxo irremediável que o termo carrega. Perdido porque há o que se encontrar; perdido porque há o iminente risco da exploração e da devastação, ameaça que voa rasante – e pousa (!) – sobre essa região de florestas.
Sim. A floresta. A natureza solene que vi do alto e de perto, mas não vi intocada. E é isso o que me co-move. É que concreto, asfalto, luz elétrica, atrações turísticas e assemelhados, cá os há um tanto. Não é isso o que me levou a embarcar num ônibus e atravessar quatros estados brasileiros em busca de um paraíso perdido.
Todo mundo procura um paraíso, mente quem diz não, um shangrilá particular. Eu bem sabia/sei o que procurava. Um dia aí, o Toinho Alves me perguntou: E aí, o que achou? Respondi: Achei não, encontrei. Achar me parece tomado de acaso, desgarrado de propósitos que põem na estrada o estradeiro. Encontrei me devolve a concretude de uma busca, como alguém que tenha sede e cava a terra até que a mão finalmente dá na água escura e pode-se, afinal, saciar a sede.
Mas o Acre, Rio Branco, Xapuri, Cruzeiro do Sul, as aldeias katukinas, os igarapés, a floresta, os povos da floresta – que nome lindo para ninar memórias e saudades –, nada disso matou minha sede. Ao contrário, deu mais. E muita. Mais fundamente me devolveram as minhas rasuras humanas, certezas que já tinha, tudo uma experiência esfingética, socrática, só sei que nada sei. Há, sim, no Acre, algo não de “extraterritorial”, mas de “extraterrestre” e não é coisa de ovnis. É um encantamento, uma luz verde e amarela – EU VI – que entrelaça esse povo da floresta com uma natureza grandiosa, a humana inclusive, retrato fiel desse Brasil gigante curvado pela própria grandeza, que deixa a gente, parece, sempre à mercê um estado de forças que acolhem e expulsam com mesma intensidade e calor, o tempo todo a sensação de ser banido de um paraíso que só se deixa vislumbrar aos poucos, devagar. O Acre me deu essa confirmação. Por isso eu não o recomendo a ninguém. Há o risco de se amar demais, querer mais, o difícil amor das mais fundas raízes, de uma imensidão úmida, que submerge a gente, faz atolar que nem aconteceu comigo no barro das margens do Rio Juruá, onde fui batizado pelo sentimento de que, uma vez no Acre, no Acre sempre. Fui em busca de respostas, para mim, por razões que aqui não dizem respeito. Encontrei mais perguntas, sigilo, compromisso, verdades confidenciadas em sopro de vento que não faz curva, pela gravidade obviada no dito de que “em terra de sapo, de cócoras com ele”, jungido de segredos e sagrados por todos os cantos. Agora, no íntimo, só vou grafar assim:
a.C.RE
Quem ler, faça disso o que quiser, dádiva ou danação. É a minha vingança. Risível e inócua como, sei, é minha pequenez. E tenho certeza que tanto me foi dado em tão pouco tempo justamente para que eu não me arredasse dessa curta convicção. O Acre tem a ensinar. E a aprender também. Quando digo o Acre, digo as gentes com tudo que nele há. Pode ser uma lição de florestania para o Brasil. Pode ser a “descoberta” de que o estado em si não precisa acompanhar o desenvolvimento urbanóide-obssessivo que faz o “progresso” das bandas de cá, porque também, como diz a canção, miséria é miséria em qualquer canto, seja em Nova Iorque ou em Tarauacá. Pode ser a assunção do ideal de que o isolamento na floresta é, talvez, que a faz paraíso, mergulhado nos silêncios seculares que gestam as mais preciosas pedras, tesouro para quem se coloca em prontidão para buscar. Eu encontrei, e justamente por isso, estou perdido.
É que eu tive de vir embora. Fiquei sem lugar. Voltei para minha terra. Ainda não consegui me “assentar”, juro, a sensação de não pertencer a lugar nenhum, de que algo ficou para trás, carregando meu corpo adâmico com a alma mergulhada numa saudade edênica, abissal. Tudo culpa do a.C.RE. Trouxe uma muda de jambu, está viçoso e esparramado como é a alegria. Quando o avião levantou vôo na noite de Rio Branco, a planta segura aos meus pés sob a poltrona, eu recapitulei: o que eu vim fazer aqui? A resposta brotou sem esforço: uma planta sabe de raízes. Estou aqui, ilhado de concreto, siderurgia e aço, cidade-oficina cantam os hinos da minha aldeia, um clima seco, duro, mineral, como se tudo fosse feito de pedra. E no Acre, meu Deus, tudo parece feito de árvore.
sábado, 11 de fevereiro de 2006
CORAGEM DE ONÇA

Um dia, o Edilmar Barbosa, mais conhecido como Zé do Acre, chamou o filho Rodrigo, então com 14 anos de idade, para um conversa e o expôs ao seguinte dilema:
- Filho, você tem duas opções na vida: vai estudar ou vai ser peão de fazenda. O que prefere?
O garoto decidiu estudar em Natal (RN) e só voltou a Cruzeiro do Sul, no extremo-oeste brasileiro, com o diploma de farmacêutico. Mas Rodrigo decidiu retornar logo para Natal porque já estava cursando simultaneamente a faculdade de análises clínicas.
Na última vez que visitou sua cidade, Rodrigo ficou impressionado com a comunidade do Rio Croa, que criou o Centro de Medicina da Floresta.
- Além de passar algumas dicas como farmacêutico, aprendi com homens simples, como o Edelson, a quem pedi que estudasse bastante e incentivasse os amigos dele a fazer o mesmo. Pretendo custear uma faculdade para ele brevemente. Essa será minha modesta constribuição: dar oportunidade para que aumente a eficácia do projeto da comunidade. É muito interessante o conhecimento prático e cultural que o povo da floresta possui - afirma.
Meu amigo e conterrâneo Rodrigo Medeiros, que agora está com 23 anos, continua corajoso: na última passagem por Cruzeiro do Sul, tomou banho nas águas do Igarapé Preto com uma majestosa onça pintada.
Dê um clique sobre a foto acima.
SEQUESTRO VIRTUAL
Por Mary Allegreti
Caros amigos
Ontem, dia 10 de fevereiro de 2006, eu e meu irmão Fernando fomos vítimas de um sequestro por telefone e uma extorção financeira que nos deixou indignados! Queremos partilhar com vocês a experiência de horror para evitar que outros inocentes caiam nas mãos dessa quadrilha.
Eu recebi um telefonema de uma pessoa que afirmou ter sequestrado meu irmão, dando detalhes dele e de eventos relacionados à nossa família - como o fato de que nossa mãe faz hoje 88 anos - dizendo que tudo sairia bem se eu cumprisse suas ordens; caso eu envolvesse alguém, ele mataria o meu irmão.
Com o celular ligado o tempo todo, saí correndo até o banco, depositei o valor solicitado e fiquei insistindo para receber notícias confirmando que meu irmão havia sido libertado. O sequestrador começou então a pedir cartões telefônicos enquanto fazia mais ameaças. Assim que sacou o dinheiro, desligou e desapareceu.
Acionamos a polícia e ficamos tentando encontrar meu irmão sem sucesso por mais de duas horas. Já estávamos desesperados quando ele ligou, assustado, dizendo que EU havia sido sequestrada, que ele pagara o resgate mas não sabia onde eu estava. Meu filho, ao atender o telefone, exclamou "Graças a Deus", sem que meu irmão tivesse tempo de entender o que estava acontecendo porque a bateria do celular dele havia acabado.
O que acontecera no mundo real: no mesmo momento eu que o bandido entrou em contato comigo também ligou para o meu irmão, em outro lugar da cidade, e começou a falar conosco nos mesmos termos, como numa brincadeira macabra, dizendo para um que o outro havia sido sequestrado. Meu irmão ficou quatro horas sob ameaças e comprou 2 mil reais em cartões, cujos códigos iam abastecendo o crime, imaginando que com isso estava garantindo a minha vida.
Segurança total
Em menos de uma hora, esses caras extorquiram 10 mil reais por telefone (mais as contas telefônicas de horas de ligações a cobrar que ainda vão chegar) em uma modalidade de sequestro virtual e simultâneo que eu, que ando mais fora do que no Brasil, nem sequer sabia que podia existir - sem sair do lugar, sem correr o risco de enfrentar reação, de dar errado, de planejar logística, contratar comparsas, de receber uma bala.... Nada. Segurança total.
O mais irônico é que nem o risco de ser preso por um ato como esse existe porque, segundo informações da Divisão de Sequestro da Secretaria de Segurança Pública do Paraná, essas pessoas estão fazendo esse tipo de assalto de dentro de uma prisão do Rio de Janeiro!!! E nós os abastecemos de cartões telefônicos e dinheiro para eles continuarem a aplicar o mesmo golpe sujo de coação emocional em pessoas que sequer desconfiam que esse tipo de engenhosidade perversa possa estar acontecendo nesse nosso selvagem país.
Informação é segurança. Saber que esse tipo de golpe existe pode ser a maneira mais segura de evitá-lo. Divulgue essa nota. Obrigada.
Nota: Leia o blog da antropóloga Mary Allegretti.
Caros amigos
Ontem, dia 10 de fevereiro de 2006, eu e meu irmão Fernando fomos vítimas de um sequestro por telefone e uma extorção financeira que nos deixou indignados! Queremos partilhar com vocês a experiência de horror para evitar que outros inocentes caiam nas mãos dessa quadrilha.
Eu recebi um telefonema de uma pessoa que afirmou ter sequestrado meu irmão, dando detalhes dele e de eventos relacionados à nossa família - como o fato de que nossa mãe faz hoje 88 anos - dizendo que tudo sairia bem se eu cumprisse suas ordens; caso eu envolvesse alguém, ele mataria o meu irmão.
Com o celular ligado o tempo todo, saí correndo até o banco, depositei o valor solicitado e fiquei insistindo para receber notícias confirmando que meu irmão havia sido libertado. O sequestrador começou então a pedir cartões telefônicos enquanto fazia mais ameaças. Assim que sacou o dinheiro, desligou e desapareceu.
Acionamos a polícia e ficamos tentando encontrar meu irmão sem sucesso por mais de duas horas. Já estávamos desesperados quando ele ligou, assustado, dizendo que EU havia sido sequestrada, que ele pagara o resgate mas não sabia onde eu estava. Meu filho, ao atender o telefone, exclamou "Graças a Deus", sem que meu irmão tivesse tempo de entender o que estava acontecendo porque a bateria do celular dele havia acabado.
O que acontecera no mundo real: no mesmo momento eu que o bandido entrou em contato comigo também ligou para o meu irmão, em outro lugar da cidade, e começou a falar conosco nos mesmos termos, como numa brincadeira macabra, dizendo para um que o outro havia sido sequestrado. Meu irmão ficou quatro horas sob ameaças e comprou 2 mil reais em cartões, cujos códigos iam abastecendo o crime, imaginando que com isso estava garantindo a minha vida.
Segurança total
Em menos de uma hora, esses caras extorquiram 10 mil reais por telefone (mais as contas telefônicas de horas de ligações a cobrar que ainda vão chegar) em uma modalidade de sequestro virtual e simultâneo que eu, que ando mais fora do que no Brasil, nem sequer sabia que podia existir - sem sair do lugar, sem correr o risco de enfrentar reação, de dar errado, de planejar logística, contratar comparsas, de receber uma bala.... Nada. Segurança total.
O mais irônico é que nem o risco de ser preso por um ato como esse existe porque, segundo informações da Divisão de Sequestro da Secretaria de Segurança Pública do Paraná, essas pessoas estão fazendo esse tipo de assalto de dentro de uma prisão do Rio de Janeiro!!! E nós os abastecemos de cartões telefônicos e dinheiro para eles continuarem a aplicar o mesmo golpe sujo de coação emocional em pessoas que sequer desconfiam que esse tipo de engenhosidade perversa possa estar acontecendo nesse nosso selvagem país.
Informação é segurança. Saber que esse tipo de golpe existe pode ser a maneira mais segura de evitá-lo. Divulgue essa nota. Obrigada.
Nota: Leia o blog da antropóloga Mary Allegretti.
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006
MINHA ALDEIA

(Sérgio Souto e Amaral Maia)
Terra da graça, sol da Amazônia
Seio da vida, hosana
Mística flor cristalina
Índia menina.
Pele de mel transparente
Raça de muita fé e paixão
Minha Aldeia.
Rasgando a noite o luar prateia
As águas turvas do rio
Mágica luz dançarina
Planta latina.
Prima do verde selvagem
Irmã de todas as estrelas
Filha de paiquerê todo ser
Minha aldeia.
Ponta da Pátria que Tupã clareia
Ave nativa verdade
Da fruta doce que invade
Os teus quintais.
Serena mata brilhante
Berço de pura semente
Sangue no coração, muito amor
Minha aldeia.
Ipurinã chamou Aquiri
E viu o céu beijar Juruá
Chama da liberdade
Nunca vai se acabar
Em Xapuri cantou Jaçanã
Iara ouviu em Tarauacá
Santa mãe natureza
Nunca vai se acabar.
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