segunda-feira, 10 de agosto de 2009

MARINA SILVA AOS ALIADOS

"Vocês não precisam me acompanhar. Permaneçam no PT"


Durante as 32 horas que permaneceu em Rio Branco (AC) para ouvir familiares, amigos e aliados políticos a respeito do convite para trocar o PT pelo PV, o comportamento da senadora Marina Silva (PT-AC), ex-ministra do Meio Ambiente, deixou em todos os interlocutores a certeza de que será mesmo candidata a presidente da República.

Foram horas marcadas por ansiedade, choro e ranger de dentes. Em várias ocasiões, a senadora e seus aliados não conseguiram controlar a emoção. Choraram ao relembrar de fatos que foram permeados por apelos para que permaneça no PT.

Evangélica da Assembléia de Deus, ela tem jejuado e pediu a várias pessoas para que dobrem os joelhos em oração para que Deus a ilumine e mostre o melhor caminho.

Durante as conversas, Marina Silva várias vezes se referiu ao PT como "o nosso partido", mas um apelo evidenciou ainda mais a disposição dela de se desfiliar da legenda para estabelecer uma nova fase na sua trajetória política.

- Vocês não precisam me acompanhar. Permaneçam no PT e mantenham a coesão da [coligação] Frente Popular do Acre para que possam ser ampliadas as conquistas até aqui alcançadas nos três mandatos consecutivos de nosso partido. Esse é um projeto político que tem dado certo no Estado - afirmou.

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domingo, 9 de agosto de 2009

O ESSENCIAL É INVISÍVEL

O segundo turno será entre Marina e alguém, diz André Forastieri:

"Serra e Dilma concorrem na mesma faixa, com o mesmo programa, o mesmo papo e os mesmos apoiadores. Ou 90% iguais em cada uma dessas coisas. O que faz diferença. Mas pouca.

Dilma é Hillary Clinton, a ungida pela cúpula do partido. Mas os apoiadores do partido, a base eleitoral do partido, e os independentes - a maioria - acabaram escolhendo Obama.

Não interessa se Marina concorrerá pelo PV - uma agremiação tão heterogênea quanto o PMDB - ou pelo Partido das Candidaturas Surpreendentes. O que importa é ela. E algum tempo de TV.

Mas não precisa muita TV não.

Porque a candidatura de Marina garante participação de novos players. Gente que sabe mexer com internet, com redes sociais, com marketing viral. Que não vai ser voluntária para turbinar a campanha de Dilma ou Serra. Mas tem grandes chances de se apaixonar por uma candidatura com perfumes de utopia.

Sem seus geninhos da internet Obama não tinha captado tanto recurso, não tinha eletrizado, não tinha incomodado. E internet, hoje, inclui celular, mídia com penetração comparável à TV junto à população brasileira. Se Marina se conectar com gente que sabe usar as armas digitais do século 21, a coisa pode pegar fogo. Se tratar a tecnologia como inimigo ou como aliado secundário, perderá uma chance única.

Com as qualidades e defeitos que você queira ver neles, é inquestionável que Serra e Dilma são veteranos das lutas políticas do século 20. Marina pode não saber jogar o jogo do business as usual. Mas ninguém dirá que não é uma guerreira global do século 21.

Marina tem o clássico apelo “um brasileiro igualzinho a você” de Lula. Ficou seis anos ao lado de Lula. E portanto é tão herdeira natural quanto Dilma. Aliás, pelo histórico no partido, muito mais.

Marina saiu por princípios e brigando com Dilma. Pode falar de boca cheia “eu não me aliei com o Collor e o Sarney”. Aliás, sobre Dilma e Marina: pesquisa rápida em São Paulo com quatro representantes “do povo” esta semana (empregada, faxineira, vigia de rua, enfermeira) deu empate entre as duas. Nenhum dos quatro jamais tinham ouvido falar nem de uma, nem de outra.

O que me disseram essa semana sobre Marina: ela é muito brava. Ela é muito inocente. Ela não teria o apoio da grande indústria, da agroindústria, da classe média. Ela não tem apoio da cúpula do PT. Ela, eleita, teria dificuldade para garantir uma maioria no Congresso.

Para a maioria dos brasileiros, desconfio que nada disso são deméritos. Pelo contrário: são qualidades.

A possibilidade da candidatura de Marina instantaneamente preencheu uma lacuna.

Se por acaso ela decidir não concorrer, alguém terá que ocupar este espaço. Não vejo ninguém à altura. Mas eu também não tinha visto Marina antes dela aparecer.

O essencial é invisível."

MARINA: BOA NOVIDADE NA SUCESSÃO

Kennedy Alencar

A possibilidade de a senadora Marina Silva se candidatar à Presidência da República pelo PV é a única novidade do debate sucessório que desperta esperança de alguma inovação na política brasileira. Tem sido desalentador constatar a pobreza de ideias de nossos principais presidenciáveis.

Guardadas as devidas proporções, Marina pode dar ao Brasil um choque positivo semelhante ao de Barack Obama na política americana. Sua eventual candidatura obrigaria os partidos "favoritos" a vencer a eleição presidencial de 2010 a modernizar discursos. E não convém descartar a força de um fato novo em tempos de descrédito da classe política.

Potenciais candidatos à Presidência, José Serra (PSDB), Dilma Rousseff (PT), Ciro Gomes (PSB), Aécio Neves (PSDB), Heloísa Helena (PSOL) ignoram a agenda ambiental. É triste constatar isso. No atual padrão da política brasileira, eles estão entre os melhores quadros.

Serra e Dilma são "desenvolvimentistas", seja lá o que isso signifique. Parece que são preocupados com o crescimento da economia, com obras de infraestrutura, com geração de emprego. Ótimo. Ainda bem. Só faltava serem contra.

Não se ouviu nos últimos tempos uma ideia inovadora do governador de Minas. O jovem Aécio é um retrato do político tradicional. O PSDB liga Lula a Sarney na crise do Senado, mas o tucano mineiro trabalha nos bastidores a favor do presidente do Senado.

Em Belo Horizonte, Aécio decidiu criar um grande centro administrativo. É uma tentativa anacrônica de invocar JK contratando um projeto de Oscar Niemeyer para concentrar num só lugar o governo de Minas e suas secretarias. No mundo inteiro, busca-se revalorizar o centro das grandes cidades. O poder público tem papel fundamental nisso, mas Aécio preferiu fazer sua obra faraônica no caminho do ainda distante aeroporto de Confins. Os gastos reais estouraram a previsão.

Ciro Gomes, ex-ministro e deputado federal, dedicou as últimas semanas a alimentar uma candidatura artificial ao governo de São Paulo. Também jovem político, está caindo numa armadilha de velhas raposas.

Heloisa Helena apareceu na TV, no programa do PSOL. Mais do mesmo: só haveria pilantras em Brasília. Discurso moralista. E uma visão econômica de dar medo.

Numa terra arrasada assim, será um erro ignorar a força de eventual candidatura de Marina Silva. Por ora, tucanos tratam a possibilidade com incrível amadorismo. O raciocínio é que Marina prejudicaria mais Dilma do que Serra. Aécio chegou a dizer que, no segundo turno, Marina estaria ao lado do PSDB.

Os tucanos subestimam a inteligência de Marina, que deu um nó em Lula ao deixar o governo. Ela pediu demissão e obrigou o governo a frear um ataque ao meio ambiente em nome de obras de infraestrutura.

Os petistas estão atônitos com o convite do PV a Marina. Recorrem a apelos sentimentais. Acham que uma conversa com Lula poderá resolver. Parece que Marina já está com a decisão tomada. Tende a deixar o PT pelo PV.

A princípio, claro que Dilma perderia mais com a eventual candidatura de Marina. Mas o PSDB cometerá um erro se tratar essa possibilidade como linha auxiliar para derrotar o governo nas eleições de outubro do ano que vem. É óbvio que o PV, um partido pequeno, teria enorme dificuldade para arrumar recursos financeiros e tempo de TV para vender sua candidata.

Ou seja, há obstáculos para que uma eventual candidatura de Marina consiga ficar de pé a ponto de ter chance real de ganhar.

No entanto, uma postulação presidencial que trate o desenvolvimento econômico como parceiro e não como empecilho pode gerar uma onda verde realista. A capacidade de mobilização via internet contrabalançaria a falta de dinheiro e de tempo no horário eleitoral gratuito. A bandeira ambiental tem apelo suficiente para seduzir jovens que só ouvem falar da crise do Senado.

Aos olhos de hoje, seria muito difícil Marina vencer. Mas, no mínimo, sua candidatura faria um estrago danado na envelhecida política brasileira e um bem ao debate público. Na hipótese de surpresa, pode virar uma terceira via no duelo fratricida entre PT e PSDB.

Kennedy Alencar é colunista da Folha Online

A HIPÓTESE MARINA

Alfredo Sirkis

É compreensível que a possibilidade de uma candidatura da senadora e ex-ministra do meio ambiente Marina Silva cause, por um lado, entusiasmo e excitação e, por outro, preocupação.

Milhões de brasileiros sensíveis à causa ecologista, à sustentabilidade ambiental e social de nosso modelo econômico, aos destinos do planeta ameaçado pelo aquecimento global, à devastação de nossos ecossistemas e à qualidade de vida nas nossas cidades vivem na expectativa de dispor de uma voz própria, eloquente, na campanha presidencial -até agora arena exclusiva dos defensores do desenvolvimentismo clássico dos anos 60.

Por outro lado, entende-se que haja políticos inquietos, cada qual fazendo seu cálculos: afinal, uma eventual candidatura da Marina Silva me ajuda ou me atrapalha? Quanto ajuda? Quanto atrapalha? Bombardear? Não bombardear?

É curioso que as reações políticas e a maioria das análises jornalísticas gravitem em volta desses cálculos pragmáticos enquanto escamoteiam o essencial: Marina representa ideias e aspirações hoje compartilhadas por milhões de brasileiros.
Não será legítimo e até importante para a democracia brasileira que elas estejam representadas em uma eleição de dois turnos?

Numa dimensão minimalista, teríamos uma campanha altamente instrutiva e educativa, não apenas naquele discurso clássico, defensivista, do ambientalismo (deter a destruição da Amazônia e de sua biodiversidade, a contribuição das suas queimadas em emissões de CO2 etc.) mas também na didática daquilo que as vertentes hegemônicas do desenvolvimentismo clássico não conseguem perceber: o futuro econômico e social do Brasil, hoje, depende de mergulharmos de cabeça numa economia verde!

Nenhum outro país está tão bem posicionado quanto o Brasil para atrair investimentos para um ecodesenvolvimento, muito embora insistamos em monoculturas, na devastação da biodiversidade para estender mais e mais a fronteira pecuária, em subsidiar veículos poluentes e emissores de carbono, em novas termoelétricas a carvão e novas rodovias no coração da floresta.

No entanto, Marina tem um potencial além do eloquente discurso de primeiro turno para depois arrancar compromissos programáticos.

Ela pode contribuir para a superação dessa abissal fenda da política brasileira: a compulsória aliança das duas vertentes da social-democracia com as oligarquias políticas na busca da governabilidade.

PT e PSDB disputam, como lucidamente notou em certa ocasião o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, "quem vai liderar o atraso".

No instável sistema político-institucional produto do nosso "voto jabuticaba", proporcional personalizado, ambos dependem do clientelismo e do fisiologismo profissional para governar. Melhor fariam em se aliar em algum momento, mas, como a disputa central se dá entre eles, isso dificilmente acontecerá, e a rivalidade entre eles é feroz.

Nós, verdes, nos relacionamos com ambos e reconhecemos o papel que respectivamente tiveram nos inegáveis avanços econômicos e sociais vividos pelo Brasil desde 1994.

Marina é bem talhada para promover uma nova governabilidade com ambas as vertentes que, enfim, supere essa polarização bizarra, isole o atraso e abra caminho para uma reforma do nosso sistema eleitoral, secando sua dependência do clientelismo, do fisiologismo e do assistencialismo, fontes maiores da corrupção, do excesso de cargos comissionados, do mau uso da máquina pública e da compra de votos, direta ou via centros assistenciais.

O direito de ter um sonho de país e lutar para tirá-lo do papel é inalienável. Os verdes não abrem mão dele, mas também reconhecem que isso transcende suas limitadas fileiras.

Nesse momento, é impossível saber, de fato, se Marina será ou não candidata. É uma decisão difícil, de fé íntima, que há que aguardar.

O caminho político, no entanto, é claro: não é anti-PT. Nossa fraternidade, muito particularmente com o PT do Acre, remonta a Chico Mendes.
Também não é antitucanos.

Certamente não é anti-Lula, embora não possamos abrir mão de criticar sua atitude frequentemente atrasada e deseducativa na questão ambiental. Pode, eventualmente, vir a ser pós-Lula...

Alfredo Sirkis é vereador pelo PV no Rio de Janeiro, presidente do Partido Verde do Rio e vice-presidente nacional de seu partido. É autor, entre outras obras, de "Os Carbonários". Fonte: Folha de S. Paulo.

sábado, 8 de agosto de 2009

MARINA SILVA E CHICO BUARQUE


Do jornalista Antonio Alves, amigo com quem a senadora Marina Silva costuma se aconselhar sobre temas de política e meio ambiente:

- O Subcomitê Zero, versão atualizada e zapatista da extinta Comissão de Baixo Nível, resolveu convidar o cantor-compositor-escritor-conquistador Chico Buarque de Holanda para ser candidato a vice-presidente da chapa de Marina Silva.

Conheça o jingle para este momento da campanha no blog Tempo Algum.

MARINA VEREADORA

A redação do site Vermelho, do PCdoB, conclui que a senadora Marina Silva pode trilhar mesmo caminho que Heloisa Helena:

"Caso Marina aceite a oferta do PV, pode acabar trilhando o mesmo caminho que sua ex-colega de Senado, Heloisa Helena, e acabar se elegendo vereadora por Rio Branco em 2014. Heloisa Helena, quando ainda era senadora, deixou o PT para fundar o PSOL e candidatou-se em 2006 à Presidência da República, obtendo 6,85% dos votos. Em 2008, para não ficar sem mandato, candidatou-se e foi eleita para a Câmara Municipal de Maceió, o que acabou apagando seu protagonismo na cena política nacional."

Leia mais no Vermelho.

Em tempo: a pedido de Marina Silva, a direção regional do PT evitou fazer recepção festiva na sexta-feira (7), durante o desembarque da senadora em Rio Branco.

CAMISETA VERDE


Diego Gurgel, fotógrafo de A Gazeta, enviou a imagem e me fez entender o motivo de olhares atravessados de uns dois petistas na tarde desta sexta-feira, durante o desembarque da senadora Marina Silva no aeroporto de Rio Branco. Tudo por causa da surrada camiseta verde que vesti inadvertidamente.

Em tempo: Marina Silva traz disputa inteligente à presidência fora do PT e do PSDB, diz Lucia Hipólito. Ouça aqui.

MARINA QUANDO ACENDE

De Melchiades Filho, da Folha de S. Paulo:

"Nem os retoques do pré-sal nem a ruína de Sarney. O que mais preocupa os estrategistas do Planalto é a possibilidade de Marina Silva se lançar à Presidência pelo Partido Verde e, com isso, inviabilizar o caráter plebiscitário que Lula queria dar à sucessão.

O plano do presidente ia bem. Para garantir o PMDB na aliança eleitoral, ele conteve o PT nos Estados e ratificou o apoio a José Sarney. Para limpar a cédula nacional, autorizou o transplante de Ciro Gomes para São Paulo e, com a ajuda de Renan Calheiros, limpou o terreno em Alagoas para que Heloísa Helena (PSOL) prefira o certo (o retorno ao Senado) ao duvidoso (outra candidatura estridente à Presidência).

Com a entrada de Marina, porém, não haverá a polarização Lula x anti-Lula. Não só porque a ex-ministra será uma terceira via, capaz de atrair o voto desgarrado, mas também porque ela tem perfil anfíbio. É mais petista do que a candidata do PT.

Atuou 30 anos no partido, 20 a mais do que Dilma. Tem uma trajetória de superação como a de Lula -filha de nordestinos, ex-empregada doméstica, analfabeta até a adolescência (cursou o Mobral e hoje possui diploma universitário), militante sindical e de movimentos sociais, casada e mãe de família.

Ao mesmo tempo, Marina não será uma solução de continuidade. Não esteve envolvida nos escândalos do governo Lula (mensalão, aloprados, dossiê contra FHC) e colecionou divergências com Dilma -não quis ceder a empreiteiros e ruralistas nem operou para criar ou privilegiar grandes corporações.

Sua candidatura pode murchar como a do pedetista Cristovam Buarque, em 2006. Ou decolar como a de Fernando Collor, do igualmente nanico PRN, em 1994. Mas não é apenas isso que parece mover Marina, e sim a oportunidade valiosa de incluir questões ambientais na pauta nacional de debates durante um ano e arrancar compromissos de candidatos avessos ao desenvolvimento sustentável."

NO MEIO DO CAMINHO


Nos primeiros dias de agosto, o ex-governador Jorge Viana decretou que era cedo para se falar em candidaturas majoritárias no Acre. Bem, não se faz outra coisa no Estado nos últimos dias, após a certeza da saída da senadora Marina Silva do PT.

Como dirigentes de partidos ameaçavam deixar a coligação Frente Popular do Acre, Viana afirmou:

- A possibilidade sempre existe, mas na Frente Popular quem não subordina a ambição ao projeto maior tende naturalmente a deixar a coligação. Isso já aconteceu antes. Penso que, em casos assim, a saída é uma questão de tempo.

COMPLEXO DE LEAR

Quando a senadora Marina Silva escreveu o artigo Complexo de Lear para a Folha de S. Paulo, muita gente achou que estivesse relacionado aos escândalos envolvendo José Sarney.

- No artigo, Lula é o rei Lear, Dilma é Regana e Marina a Cordélia - explica um amigo e conselheiro da senadora.

A seguir, o artigo:


"Durante curso de especialização na Universidade de Brasília, estudei a obra "Rei Lear", de Shakespeare. Talvez a tragédia possa nos ajudar a entender um pouco a política brasileira.

Ao sentir-se velho, Lear decide abdicar da sua condição de rei, do enfadonho encargo de governar. Chama as filhas -Goneril, Regana e Cordélia- para dividir seus bens e poder, anunciando que seria mais agraciada aquela que lhe fizesse a maior declaração de amor. E impõe outra condição: enquanto vivesse, o rei deveria ter assegurado respeito, prestígio, cuidado e, quem sabe, até mesmo o amor de suas filhas e súditos. Quer deixar de ser rei sem perder a majestade.

Cordélia, a mais jovem, com quem o rei mais se identificava, e que muito o amava, não soube dizer o que sentia. As outras não sentiam amor pelo pai, mas eram hábeis na verve.

O que torna sua jornada trágica e dolorosa é que Lear se recusa a retornar ao que um dia foi, um simples homem, rei de si mesmo. Não quer morrer, tornar-se passado. Quer ser sucessivo como é a vida, reviver a fase do prazer de poder. Quer ter séquito e até mesmo um bobo para ninar seu desamparo.

Mas ninguém pode impunemente regredir sem ser atormentado pelo fantasma da repetição. No seu obsessivo desejo de ser amado, Lear agarra-se às palavras de Goneril e Regana. E rejeita amargamente a rebeldia de Cordélia, que só sabia sentir e não se sujeita a ter que fazer uma declaração de amor ao pai, obrigando-o a perceber esse amor no único lugar onde deveria estar: no resultado afetivo de suas relações pessoais.

Não por acaso desmorona o mundo de Lear. O que antes era tão bem definido, passa a ser ambivalente. Certeza e dúvida, coragem e medo, segurança e desamparo. A loucura de não mais saber quem é.

O alto preço por ter almejado e transformado em "ato" o desejo de retornar ao lugar onde um dia esteve e querer assumir a forma do que um dia foi. Ele só existe no mundo daqueles que o aceitam e o amam tal como é. E mesmo estes, incluindo Cordélia, não têm mais como aceitar seu governo senil. Até porque foi ele próprio quem decidiu abdicar de ser quem era para tornar-se quem não mais podia ser.

Tornou-se merecedor da reprimenda feita por meio das palavras do bobo: "Tu não deverias ter ficado velho antes de ter ficado sábio".

Genial Shakespeare, trágico rei, frágil humanidade de sempre, que não quer passar. Que infringe a ordem dos acontecimentos, sem o árduo trabalho de elaborá-los. Que desiste de ressignificar-se, e quer tão somente repetir o prazer da sensação vivida nas ilusões de majestade."

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

MARINA SILVA

No Acre para a decisão mais difícil da vida dela



A senadora Marina Silva (PT-AC) já está em Rio Branco, onde passará o final de semana ouvindo familiares, amigos e companheiros para que possa tomar a decisão que considera a mais difícil da vida dela: abandonar 30 anos de militância petista, se filiar ao PV, participar da “refundação programática do partido” e se tornar candidata a presidente da República.

Cercada pelos jornalistas ao desembarcar do avião, Marina Silva pediu licença e se afastou para cumpimentar "seu" Pedro, o pai dela, para quem telefonou na noite de quinta-feira pedindo que fosse recebê-la no aeroporto e que reunisse toda a família para ajudá-la a decidir sobre o convite do PV.

- Nós vamos conversar, toda a família. O que ela decidir está decidido - afirmou o pai da senadora.

Leia mais no Blog da Amazônia.

DO CLÃ DA SILVA

Maria Cristina Fernandes

No final de abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi a Cruzeiro do Sul (AC) para inaugurar as obras do novo aeroporto e dar início às da ponte sobre o rio Juruá. Ao lado dos irmãos Jorge e Tião Viana e do governador Binho Marques (PT), fez um discurso em que citou oito vezes o nome do seringueiro Chico Mendes.

Ausente da cerimônia, a senadora Marina Silva (PT-AC) não foi citada pelo presidente, mas seus olheiros registraram no discurso uma referência indireta à ex-ministra do Meio Ambiente.

"A gente está fazendo um túnel no Rio Grande do Sul (...) Esse túnel tem mil e poucos metros, e encontraram ao seu lado uma perereca. Todo mundo aqui sabe o que é uma perereca. Pois bem, e aí resolveram fazer um estudo para saber se aquela perereca estava em extinção. Aí teve que contratar gente para procurar a perereca, e procure perereca, e procure perereca... Sabem quantos meses demorou para descobrir que a perereca não estava em extinção? Sete meses, a obra parada. Eu espero que aqui no Acre não apareça nenhuma perereca na ponte do rio Juruá", disse o presidente.

Cruzeiro do Sul sempre foi um eleitorado difícil para Marina. Adversário político da senadora, o ex-governador Orleir Cameli, que tem na cidade seu berço político, chegou a abrir a pista do aeroporto para que a população impedisse o avião de Marina, em campanha, pousar. Levou anos para que a senadora petista conseguisse reverter a imagem cultivada por Cameli de que ela era uma inimiga do progresso.

Não é difícil imaginar por que os aliados de Marina, ao ouvirem o presidente entoar a saga da perereca naquela cidade, o tenham considerado deselegante com a senadora.

O entorno da senadora que ameaça ser a maior novidade da sucessão é um pote até aqui de mágoas do presidente da República e de seu partido. Em nenhuma declaração desde que deixou o governo e amealhou novas derrotas na pauta ambiental do Congresso, Marina explicita essa mágoa. Mas se não é este o motor de sua candidatura, tampouco é a proximidade com os ideais do Planalto que a move.

A especulação de que se trata de uma candidatura auxiliar da oposição não encontra sustentação da história política da senadora. Está ligada ao fato de o partido que a convida, apesar de ser um recalcitrante integrante da base do governo no Congresso, estar no jogo da oposição no mapa regional.

A única prefeita de capital do PV é Micarla de Souza, eleita em Natal com o apoio do senador Agripino Maia (DEM-RN). No Rio, o nome mais nacional do partido, o deputado Fernando Gabeira, quase virou prefeito com o apoio de DEM e PSDB. No Maranhão, o partido é feudo do deputado Sarney Filho. E, em São Paulo, o PV é aliado de primeira hora do governador José Serra (PSDB), que lhe entregou a Secretaria de Meio Ambiente da prefeitura, onde o ex-petista Eduardo Jorge permanece até hoje.

Corre que uma candidatura Marina tira mais votos da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, do que de Serra. Numa campanha que ameaçava ser polarizada entre dois perfis tecnocratas, Marina ocupa o lugar da utopia. Aquele que um dia foi de Lula.

Um sinal evidente disso é que nunca se ouviram tantos elogios de petistas à Marina quanto nas últimas 72 horas desde que o convite do PV foi formalizado. Se os petistas não forem capazes de evitar que a Marina saia do partido, urge cuidar que sua candidatura não seja hostil ao Planalto. A ordem é reconhecer a legitimidade de sua liderança e o peso de sua candidatura - "É uma excelente candidata. Como José Dirceu já definiu, ela é um Jedi. Por trás de uma aparente fragilidade, ergue-se uma fortaleza", dizia ontem poderoso petista.

Enquanto Dilma ("mãe do PAC") precisa se esforçar para aproximar sua imagem da de Lula ("pai dos pobres"), Marina é a imagem do presidente no espelho. Um dos 11 filhos de um casal de nordestinos emigrados para o Acre, analfabeta até os 14 anos, empregada doméstica para poder estudar e sobrevivente a sucessivas malárias, Maria Osmarina da Silva Vaz de Lima é a cara de Lula. "Ela é do clã Da Silva", resume o jornalista acreano Altino Machado.

A presença de Marina no cenário sucessório é, no mínimo, uma garantia de que a disputa vá para o segundo turno. Aos petistas, restará impedir que em torno dela se forme uma aliança partidária que garanta mais do que os segundos de televisão a que um minguado PV teria direito no horário eleitoral gratuito.Em entrevista a Altino Machado, a senadora minimizou a restrição: "Já fui candidata com um tempo de um minuto, que tinha que ser dividido com o Chico Mendes (...) Tínhamos que nos apresentar ao vivo na TV. Isso não tem nada pragmático. Prefiro continuar acreditando que o sonho remove montanhas. Foi isso que fizemos em 30 anos. Removemos algumas montanhas, mas não removemos outras porque não nos expusemos com a radicalidade necessária (...) Tem que ser um movimento da sociedade, dos empresários, dos políticos, dos acadêmicos, dos jornalistas, homens e mulheres, principalmente da juventude, que não se deixa aprisionar pelos projetos imediatistas, que não fica fazendo cálculos do presente, mas que coloca a contabilidade do futuro para ser resolvida agora".

Representante de um Estado que tem 0,3% do eleitorado, eventual candidata de um partido dono de 2,5% das cadeiras da Câmara, e portadora de um discurso acolhido com previsíveis dificuldades entre os grandes doadores de campanha, Marina precisa apostar na viabilidade de uma militância apartidária, movida a internet e embalada pelo cansaço com a política tradicional.

Se ficar nos 10% a 14% que as pesquisas lhe atribuem já assegurará um lugar na política nacional. Foi esse patamar que projetou o deputado Ciro Gomes (PSB-CE), que só não o ultrapassou pela verve desabalada que em nada se assemelha à de Marina.

No pior dos cenários, tornaria-se o mais cobiçado apoio dos finalistas do segundo turno. Nessa condição, garantiria para o desenvolvimento sustentável uma posição mais privilegiada do que o tema desfrutou nos anos Lula. No melhor dos cenários, Marina engole um dos favoritos. Dilma? Não é impossível, ainda que, numa economia a galope como vem a de 2010, pareça improvável que os governistas fiquem de fora de um segundo turno.

Maria Cristina Fernandes é editora de política do Valor

O QUE SERÁ

Deu no Painel, da Folha:

O que será... De Marina Silva, falando ao Blog da Amazônia sobre a possibilidade de disputar a Presidência pelo PV: "Não estou fazendo cálculos. Se eu ficasse calculando tempo em programa eleitoral, jamais teria sido candidata. Você sabe que já fui candidata com um tempo de um minuto, que tinha que ser dividido com o Chico Mendes".

...será. De Fábio Vaz de Lima, marido da senadora, no mesmo blog: "Sou contra a saída dela do PT e já expus minhas razões. Mas a maneira como tem se conduzido até aqui me dá a certeza de que a Marina já tomou uma decisão. É possível até que ofereçam a ela a presidência do PV. Sendo assim, vou acompanhá-la. Sou capaz disso em quaisquer circunstâncias".

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

MARINA SILVA

Candidatura a presidência da República como estratégia pela economia verde



A senadora Marina Silva (PT-AC) desembarca nesta sexta-feita em Rio Branco, onde nasceu, tendo de cor uma lista de amigos e companheiros que serão ouvidos para tomar a decisão que considera a mais difícil da vida dela: abandonar 30 anos de militância petista, se filiar ao PV, participar da “refundação programática do partido” e se tornar candidata a presidente da República.

Após entrevistá-la, o Blog da Amazônia consultou Fábio Vaz de Lima, marido da senadora e um dos secretários mais influentes na gestão do governador do Acre Binho Marques (PT), para saber dele se Marina Silva está mesmo disposta ao desafio ou apenas vai surfar na onda de um convite que já mobiliza os verdes do mundo inteiro.

- Sou contra a saída dela do PT e já expus todas as minhas razões. Mas a maneira como tem se conduzido até aqui me dá a certeza de que a Marina já tomou uma decisão. É possível até que ofereçam para ela a presidência do PV. Sendo assim, vou acompanhá-la, pois sou capaz disso em quaisquer circunstâncias - afirmou Fábio Vaz de Lima.

Antes da entrevista, Marina Silva fez questão de ponderar que tem procurado “ser o máximo econômica possível” por conta do momento de uma decisão vital em sua trajetória, mas não economizou palavras para defender a necessidade de compromissos com a utopia na política:

- Eu me mobilizo pelo avivamento da utopia para a economia do século XXI. É esse trânsito que precisa ser feito e que não existe em lugar nenhum, precisa ser criado para algo diferente.

- Não estou fazendo cálculos. Se eu ficasse fazendo cálculo de tempo em programa eleitoral, jamais teria sido candidata. Você sabe que já fui candidata com um tempo de um minuto, que tinha que ser dividido com o Chico Mendes. Trinta segundos para ele e trinta segundos para mim. Tínhamos que nos apresentar ao vivo. Isso não tem nada pragmático. Prefiro continuar acreditando que o sonho remove montanhas. Foi isso que fizemos em 30 anos. Removemos algumas montanhas, mas não removemos outras porque não nos expusemos com a radicalidade necessária.

- Não vou me iludir achando que alguém que lida com temas considerados secundários ou de minorias, possa colocar em risco uma candidatura que tem todo o peso e respaldo que tem a candidatura da ministra Dilma. Eu estaria sendo pretensiosa se eu embarcasse nessa avaliação.

- Todas as pessoas que estão sabendo disso e que me conhecem, sabem que não se trata de um processo fácil. Mas a história se faz por homens e mulheres que se dispõem a transformá-la. Essa transformação não prescinde a contribuição do sujeito. Neste momento estou vivendo uma dupla situação: a do sujeito que precisa se colocar e, ao mesmo tempo, do agente que sabe que as mudanças não acontecem única e exclusivamente pela ação dos indivíduos.

A seguir, a entrevista de 23 minutos, por telefone, após uma palestra de Marina Silva num evento da CUT em São Paulo. Leia no Blog da Amazônia.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

NOVAS FOTOS DE ÍNDIOS ISOLADOS


Índios isolados, provavelmente falantes de línguas da família Pano, que vivem em terras indígenas no Paralelo de 10°S e suas imediações, voltaram a ser fotografados, entre os dias 9 e 11 de julho, durante sobrevôo de avião organizado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e o governo do Acre. Participaram da expedição o sertanista José Carlos dos Reis Meirelles Jr., coordenador da Frente de Proteção Etno-Ambiental do Rio Envira e assessor Especial dos Povos Indígenas do governo do Acre, Francisco Pinhanta, além do fotógrafo Gleilson Miranda, da Secretaria de Comunicação.

Os índios isolados ocupam três conjuntos de malocas, situados nas cabeceiras do rio Humaitá, no alto Riozinho e no alto igarapé Xinane. Dois desses povos têm presença permanente constatada em território brasileiro há décadas, enquanto o terceiro se assentou há menos de dois anos no alto Xinane, oriundos do lado peruano da fronteira. Um quarto povo, os Mashco-Piro, passa temporadas, geralmente durante o verão, em território brasileiro, nos rios Envira, Iaco e Chandless (os últimos dois afluentes do rio Purus).

Mais fotos e informações no Blog da Amazônia.

ALIANÇAS PERIGOSAS


Ao rever fotos que fiz no sábado (1), durante o último casamento coletivo promovido pelo Projeto Cidadão, do Tribunal de Justiça do Acre, constato que o vice-governador César Messias, os desembargadores Arquilau Melo e Aldair Longuini e o juiz Marcelo Badaró dividiram a primeira fila com Gualberto de Almeida Queiroz - na foto, o segundo da direita para a esquerda.

Gualberto Queiroz foi condenado pela Justiça do Acre a nove anos e quatro meses de prisão por roubo qualificado, com violência e ameaça exercida com emprego de arma. Cumpriu parte da pena e está recorrendo em liberdade.

Dono de uma joalheria, compareceu ao evento como doador de 20 pares de alianças. Foi apresentado aos organizadores do casamento coletivo por José Carlos da Silva, ex-diretor do Tribunal de Justiça, que aparece de boné na primeira fila. Durante a solenidade, o sentenciado falou ao microfone sobre o sorteio das alianças entre os casais.

Para entender a gravidade do caso no qual o doador de alianças se envolveu, clique aqui e leia entrevista de dois promotores de justiça ao jornal Página 20.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

IPÊ QUE VIROU POSTE, QUE VIROU IPÊ

Ele volta a florir em Porto Velho


Este ipê amarelo foi derrubado e serrado na floresta para servir como poste da rede de energia elétrica em Porto Velho (RO). E seu tronco acabou sendo fincado como poste na confluência da Av. Jatuarana com Rua Cravo da Índia, no bairro Cohab Floresta.

Anos após ter virado poste, o ipê começou a florir, o que fez com que a Secretaria de Meio Ambiente solicitasse, para preservá-lo, que a rede elétrica fosse transferida para um poste de concreto que foi instalado ao lado dele.

- O ipê não é mais poste, mas ainda dá para ver no tronco dele a ferragem por onde passava a fiação. No prédio próximo surgiu até uma Ipê Distribuidora - relata a estudante de história e poeta Priscila Costa, do blog Meu Sétimo Andar, autora das fotos.

Clique nas imagens para visualizá-las ampliadas.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

CASAMENTO COLETIVO DA EXPOACRE



“Nunca é tarde para ser feliz”. As palavras traduzem o sentimento de um homem cuja esperança o tempo não apagou.

Aos 83 anos, José Vieira de Andrade oficializou a união de 32 anos com Inês Carlos da Silva, 61, na 9ª edição do Casamento Coletivo da Expoacre 2009.

- Tenho 36 filhos e mais de 100 netos, mas sentia falta de alguma coisa, sempre sonhei em casar - disse Andrade.

Leia mais no site do Tribunal de Justiça do Acre.

CÓDIGO FLORESTAL

2 mil ONGs respondem à bancada ruralista: não é preciso mais desmatamento no País


As redes de organizações da sociedade civil, que representam mais de 2 mil ONGs com atuação na defesa do meio ambiente e na promoção sustentável nos diversos biomas do país, defendem o atual Código Florestal, rebatem críticas de setores ruralistas e do agronegócio e sugerem a modernização da legislação florestal brasileira.

O documento foi enviado ao presidente Lula e aos ministros Dilma Roussef (Casa Civil), Carlos Minc (Meio Ambiente) e Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário). Trata-se de uma resposta à bancada ruralista no Congresso Nacional, que tem defendido a criação de leis que retirem garantias e proteções ambientais, como a Reserva Legal e as Áreas de Preservação Permanente.

Leia mais no Blog da Amazônia.

sábado, 1 de agosto de 2009

REDUÇÃO DE RISCOS

Foster Brown


Este artigo trata de uma idéia simples: se uma sociedade consegue reduzir o número e/ou o impacto de desastres, sobram mais recursos para desenvolvimento. Esta idéia não é nova, existem vários artigos sobre o tema, desde os oriundos de instituições das Nações Unidas até monografias na UFAC. No Acre. o custo de desastres ambientais – enchentes e incêndios -- tem sido alto. Estudos recentes utilizando as Avaliações de Danos (AVADANS) estimaram custos de mais de 400 milhões de reais no Acre associados com as enchentes de 1988, 1997, 2006 e 2009, além dos da seca e dos incêndios de 2005.

Dado os custos e o potencial de mudanças climáticas gerar desastres num futuro próximo, um programa de redução de riscos de desastres sairia aparentemente barato. Como reduzir os riscos, porém, é bem mais difícil do que a idéia indica.

Uma dificuldade é lidar com o conceito de probabilidades. Frequentemente exigimos certeza antes de agir, uma certeza que muitas vezes é impossível alcançar. Imagine se alguém em 2004 estimasse que as chances de uma seca e incêndios associados em 2005 seriam altas e provocariam dezenas a centenas de milhões de reais de prejuízo.

A primeira pergunta teria sido: “você tem certeza de que vai acontecer este desastre?” A resposta só poderia ser: “Não temos certeza, somente uma alta chance ou probabilidade.“

Neste caso hipotético, seria pouco provável que a sociedade iria investir alguns milhões de reais em um programa de redução de riscos, mesmo se ele tivesse reduzido dezenas de milhões de reais de perdas no ano seguinte.

Outra dificuldade envolve a diferença entre risco, onde existe uma noção da probabilidade de ocorrência, e a incerteza, onde não sabemos nem a probabilidade. Antes de 2005, os incêndios florestais de grande escala representavam uma incerteza e nem se pensava nas chances de uma ocorrência. Agora, são riscos com certa probabilidade de ocorrência, o suficiente para mobilizar vários segmentos do governo para desenvolver programas de controle.

Um outro exemplo de risco e incerteza envolve o sistema de abastecimento de água da cidade de Rio Branco. O SAERB (Serviço de Água e Esgoto de Rio Branco) tem a responsabilidade de abastecer mais de 100.000 pessoas com água potável. Grande parte desta água é retirada diretamente do Rio Acre pela torre de captação, próximo a terceira ponte, e é tratada pela Estação de Tratamento de Água (ETA) II.

Existem alguns riscos que podem afetar o bombeamento de água no local: seca prolongada que reduziria significativamente a quantidade de água; enchentes que poderiam afetar o sistema elétrico, essencial para bombeamento; acidentes com cloro; e falta prolongada de energia elétrica. É possível desenvolver planos para reduzir o risco e para preparar ações, caso um destes desastres venha a acontecer.

Com o conhecimento da frequência das secas recentes e o prognóstico do crescimento das demandas, os governos municipal e estadual já estão se preparando o uso de água subterrânea para complementar a água bombeada do Rio Acre. Este esforço mostra que a antecipação do problema pode reduzir o risco de um desastre.

No caso de cloro usado no tratamento da água, há toneladas deste gás altamente tóxico na ETA II com riscos conhecidos. Programas de treinamento de como reduzir acidentes com cloro, uso de equipamentos especializados e montagem de um plano de contingência de evacuação de bairros vizinhos reduziriam o risco de perdas de vida e de parada no abastecimento de água.

Mais problemáticos são os desastres que não são antecipados, isto é, incertos e com riscos desconhecidos. Na ETA II é pouco provável que alguém tenha pensado que uma voçoroca (escavação profunda originada pela erosão superficial e subterrânea) pudesse ameaçar o tanque de sedimentação, através do qual passa toda a água da ETA II. Como se pode ver na foto, a voçoroca já apresenta dimensões preocupantes e está a cerca de vinte metros do tanque. Ações emergenciais do SAERB estão sendo feitas para impedir o avanço da voçoroca.

As defesas civis municipal e estadual são órgãos com a responsabilidade de fiscalização dos planos de prevenção e de preparação para desastres. A crescente complexidade de desastres ambientais vem exigindo a colaboração de outras instituições e da sociedade civil.

Um dos mecanismos para aumentar a colaboração foi a recém-funcionando Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais que vai ter câmaras técnicas sobre produtos químicos perigosos, enchentes e secas/incêndios.

Mesmo assim, a redução de risco de desastres exige a participação de todos segmentos da sociedade, não somente orgãos do governo. A incorporação de conceitos de defesa civil e gestão de riscos no sistema de educação básica poderia facilitar esta participação.

As defesas civis com a ajuda desta comissão estão trabalhando em planos para reduzir os riscos de desastres. E a poupança potencial não é pouca: a perda devido a desastres ambientais tem sido de mais de 200 milhões de reais por década no Acre e promete ser maior no futuro, não só em dinheiro mas também em vidas, se não forem tomadas as devidas providências.

Foster Brown é pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, docente do mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais da Universidade Federal do Acre (Ufac) e Cientista do Experimento de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazonia (LBA) e do Parque Zoobotânico da Ufac.