sexta-feira, 6 de junho de 2008

CRIMES AMBIENTAIS NO COTIDIANO

Oswaldo Sevá



Amigo Altino

Sei como é, já me ocorreu parecido: você mostra o absurdo que resulta dos erros e crimes dos outros, depois você é que é chamado às falas.

Para te apoiar nessa defesa perante o chamado "quarto poder" do Ministério Público, vai anexo uma síntese fotográfica do Rio Acre, que banha a capital acreana:

1. O esgoto que atravessa o Parque da Maternidade: pena que a foto não tenha cheiro!

2. A estação de captação de água que suga muito barro e areia alguns meses por ano. (ambos fotogrados por mim em julho de 2006)

3. O mesmo encontro das águas coloridas que você divulgou, fotografado por um profissional da imprensa local em setembro de 2005.

Quem devia estar sendo interrogado, data vênia, são os que não providenciaram o investimento na coleta e no devido tratamento dos esgotos: os ex-governadores e ex-prefeitos todos, e mais os atuais Binho Marques e Raimundo Angelim.

Saravá.

Oswaldo Sevá é professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp.

JACARÉ NO BANHO DE SOL



Como o Acre gosta de ser referência em tudo, especialmente na área de meio ambiente e a Promotoria Especializada de Defesa do Meio Ambiente não funciona no tranco nem prevarica, vale a pena clicar nas imagens e conferir o banho de sol do jacaré e o lixo que flutua nas aguas cristalinas do Igarapé São Francico. Foto: Marcos Vicentti.

EXTRA! EXTRA!


Do Cartunista Braga.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

ISTO É O ACRE DA LEI

Por causa de uma opinião a partir da foto abaixo, no post "Encontro das águas", de 19 de setembro de 2007, a promotora Meri Cristina do Amaral Gonçalves, da Defesa de Meio Ambiente, mobilizou o Ministério Público do Acre contra este blogueiro. Estou sendo alvo de uma estranha "notícia Crime Ambiental" movida pelo MPE em nome da promotora que sentiu-se ofendida. Recebi a intimação enviada por Afonso Braña Muniz, Juiz Titular do 2º Juizado Especial Criminal da Comarca de Rio Branco, para comparer à audiência marcada para a próxima quarta-feira. De acordo com os autos, o post antigo foi encaminhado à promotora, em abril, por Socorro Camelo, assessora de imprensa do MPE. O que era podre e fétido está pior. Mas leia a seguir a íntegra do post que motiva a sanha:


A água poluída e fétida que desce pelo canal do belo Parque da Maternidade, em Rio Branco, encontra as águas do combalido Rio Acre, a 557 metros em linha reta do Palácio Rio Branco, a sede do governo da floresta.

A água fétida e poluída que sai de casas, hospitais e indústrias, inclusive curtumes, é toda lançada dentro do Rio Acre, o que explica em parte a morte de milhares de peixes nesta semana, em Belo Jardim, a 45 minutos de barco do centro da capital. A imagem acima foi captada pelo fotojornalista Marcos Vicentti, presidente do Sindicato dos Jornalistas do Acre.

É uma imagem negativa para o Acre, a terra de Chico Mendes, Marina Silva e tantos outros santos milagreiros da política. É uma imagem que depõe contra o governo da florestania, cuja meta é tornar o Acre nos próximos três anos o melhor lugar da Amazônia para se viver e futura sede de Copa do Mundo.

Usa-se na região, sem qualquer controle, agrotóxicos como Tordon e Radap (veja aqui) contra pragas em pastagens. Tanino e cal também são usados abusivamente pelos curtumes. É provável que a causa da mortandade de peixes no Rio Acre tenha sido o rompimento de alguma lagoa de contenção de rejeitos químicos dos frigoríficos na BR-364. Com certeza continuarão impunes.

O Ministério Público do Acre se mostra incapaz de exercer o papel constitucional de agir em defesa do meio ambiente e da sociedade. Como, às vezes, funciona no tranco, a Promotoria Especializada de Defesa do Meio Ambiente agora ameaça responsabilizar o governo estadual e a prefeitura de Rio Branco pelos crimes ambientais que têm resultado na lenta agonia do Rio Acre. O MP prevarica todos os dias e também deveria ser responsabilizado criminalmente por não fazer do velho Acre uma causa.

Clique sobre a imagem para visualizá-la ampliada.

Atualização (9 horas de sexta-feira): contra meu blog agem dessa maneira, mas há anos calam contra quem publica fotos, entre outras, de criança degolada e mão decepada, como nesta manhã, em Ecos da Notícia.

TRANSPARÊNCIA FLORESTAL

Imazon lança boletim sobre a Amazônia Legal

O Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) lança na Semana do Meio Ambiente mais uma forma de a sociedade acompanhar o desmatamento da Floresta Amazônica.

O Boletim Transparência Florestal é uma experiência bem sucedida nos estados do Mato Grosso e do Pará, agora estendida para toda a região amazônica (exceto Maranhão).

Periodicamente, será lançado um boletim, que trará novos dados de desmatamento, incluindo a situação em Áreas Protegidas, Terras Indígenas, Assentamentos de Reforma Agrária, além de listas e mapas dos Municípios Críticos de desmatamento.

Clique aqui para baixar gratutitamente a primeira edição do boletim.

PERU AGORA VÊ "ÍNDIOS INVISÍVEIS"

Fiona Watson

Altino, agradeço por ter publicado a minha manifestação no seu blog. Concordo que compartimos das mesmas preocupações.

Devido aos esforços de todos nós, tanto no Brasil quanto no Peru e aqui, no exterior, parece que o governo peruano está começando a reagir à pressão.

Nossos contatos no Peru dizem que o assunto lá é grande e que muitos dos meios de comunicação estão falando da questão dos grupos de índios isolodos e do desmatamento ilegal na região da fronteira Brasil-Peru.

Uma reportagem da Associated Press cita o Chefe do Departamento de Assuntos Indígenas do governo peruano explicando que vão mandar uma commissão para a fronteira para investigar a situação dos isolados. Ele disse também que ele (o governo peruano) não pode negar o desmatamento ilegal na na fronteira do lado peruano.

O assunto também está na Reuters TV. Pode ver, ainda, no site oficial, o Governo do Peru falando de modo geral sobre esta commissão que pretende mandar para a área junto com um mapa de região.

A próxima vez que for ao Acre será muito bom conversar com você, se for possível.

Fiona Watson é coordenadora de campanhas da Survival International.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

"ÍNDIOS INVISÍVEIS" FORAM PESCAR


Do blog Cartunista Braga. Clique na imagem.

FILHA DE CHICO MENDES E MANÁ


Elenira Mendes, a filha do seringueiro Chico Mendes, passou o dia ontem na companhia da banda mexicana Maná, em São Paulo. A banda deu várias entrevistas e o vocalista Fher contou mais uma vez como compôs a música "Cuando los angelles lloram", em homenagem a Chico Mendes, assassinado por um complô de fazendeiros há 20 anos, em Xapuri (AC).

Foi na região montanhosa de Puerto Vallarta, no México, de casas rústicas. Chovia, chovia, chovia. E na igreja próxima o sino do campanário não parava de bater. Ouça a música imaginando Fher e Sergio Vallin, o guitarrista que criou o solo inicial, naquele cenário, completamente emocionados com a história de Chico Mendes e imbuídos de suas bandeiras.

Elenira acredita que a banda tem mesmo preocupação com a Amazônia.

- Sobre a polêmica da internacionalização da Amazônia eles sugeriram um plebiscito para ver o que os brasileiros querem. O Fher disse que a internacionalização pode ser uma idéia, pois a Amazônia poderia ser tratada como um patrimônio do Planeta, mas apenas se os brasileiros assim o quiserem e com regras muito claras que garantissem a soberania nacional sobre o território - relatou a filha de Chico Mendes.

Elenira disse, ainda, que a banda nutre muito respeito por Chico Mendes, colocando seu nome à altura de Gandhi e Guevara. Por causa disso exigiram a presença dela até nas entrevistas exclusivas para que pudesse dar também o seu recado sobre o Acre, Chico Mendes e Amazônia.

- Fher citou Chico Mendes, a Amazônia e Xapuri em todas as entrevistas exclusivas que concedeu com a minha presença - conta a filha do seringueiro.

Elenira disse que Fher, o líder da banda, pediu desculpas por não ter conseguido vir ao Acre por causa da agenda de divulgação dos shows estabelecida pela gravadora e empresários. Declarou seus planos para após a turnê que termina agora: vir para a terra de Chico Mendes.

Terra Magazine

terça-feira, 3 de junho de 2008

NOSSAS SUPOSTAS "COBAIAS HUMANAS"

Captura de mosquitos transmissores é procedimento epidemiológico e entomológico de rotina, diz Saúde

A mídia agora se volta para a suposta existência de "cobaias humanas" no Acre. O governo estadual é destaque nesta terça-feira em vários sites noticiosos por causa da acusação de usar pessoas como cobaias em estudos sobre a malária no Estado. O governo do Acre e a União foram intimados a prestar esclarecimentos à Justiça Federal no Acre dentro de 72 horas.

O
caso começou a ganhar visibilidade a partir de uma reportagem de Dayana Maia, da TV Acre, afiliada à Rede Globo. Segundo a reportagem dela, pelos menos seis agentes de endemias contratados pela Secretaria de Saúde teriam sido obrigados a levar, entre 2003 e 2007, no mínimo 300 picadas por dia para que fosse identificado o tipo de mosquito predominante em Cruzeiro do Sul, no extremo-oeste do país, onde existe uma epidemia de malária.

Marcilio da Silva Ferreira contou à TV Acre que foi contratado em 2003 para trabalhar como auxiliar de entomologia e chegava a permanecer de seis a 12 horas com o corpo exposto às picadas, nos locais de maior foco da doença.

A malária é uma doença infecciosa provocada por protozoário e transmitida pelo mosquito Anopheles. Entre os sintomas da doença estão calafrio, suor, anemia e aumento do tamanho do baço e do fígado. Não existe vacina para combater a doença.

- Foram muitas madrugadas, noites de frio que fiquei com as pernas expostas aos mosquitos. Peguei 12 malárias, fiquei fraco e pedi para ser transferido de setor. Não aguentava mais trabalhar para adoecer. Infelizmente precisava do dinheiro - relatou Ferreira.

A reportagem da TV Acre também mostrou Jamisson Rodrigues, um agente de endemias que declarou ter sido usado como cobaia humana.

- Cada mosquito que picava nossa pele trazia o vírus da malária, não tinha como evitar. Depois da picada tínhamos que recolher o inseto para ser levado ao laboratório para fazer pesquisas - disse.

Por causa da denúncia, a a Abraspec (Associação Brasileira de Apoio e Proteção aos Sujeitos da Pesquisa Clínica) entrou com ação na Justiça contra a União e o governo do Acre por considerar que houve uso de cobaias humanas em estudos sobre a malária no Estado.

Secretário nega

No entanto, antes da ação na Justiça, no dia 20 de maio, o secretário de Saúde Osvaldo de Sousa Leal Junior, negou o uso de cobaias humanas. Ele afirmou numa nota técnica (leia) que "a captura de mosquitos transmissores é um procedimento epidemiológico e entomológico de rotina, mundialmente adotado para o controle de vetores.".

- Os técnicos de entomologia são treinados para obtenção de espécies antropofílicas (insetos) capazes de efetuar transmissão. Define-se como atração humana a técnica de captura do mosquito realizada sem o contato direto com a pele, coletando-o no momento em que pousa, com proteção dada pelo uso de barreiras mecânicas como fardas adequadas e demais equipamentos de proteção individual - explicou Leal.

Na semana passada, o Ministério da Saúde também divulgou outra nota técnica (leia) em que trata dos critérios usados pela instituição quanto à captura de mosquitos Anopheles por atração humana. Assinada pelo coordenador-geral do Programa Nacional de Prevenção e Controle da Malária,José Lázaro de Brito Ladislau, a nota nega "os rumores de que o Brasil, particularmente o Estado do Acre, esteja fazendo pesquisa em seres humanos envolvendo esse procedimento".

A BRABO-TUR

Diante da pretensa grandeza da Survival e da imprensa nacional e internacional, este blog me faz sentir na web feito aqueles índios isolados lançando flechas contra o avião do sertanista



Desde o assassinato do seringueiro Chico Mendes, há 20 anos, uma notícia do Acre não gerava tamanha repercussão na mídia internacional.

Porém, desta vez as fotos e as histórias dos "índios invisíveis" e do sertanista José Carlos dos Reis Meirelles Júnior ecoaram mais distante por causa da internet. E eu estava em cima do lance nas duas histórias.

Em dezembro de 1988 e em maio de 2008, por falta de percepção do que é relevante na Amazônia, a imprensa brasileira preferiu se pautar pela imprensa estrangeira. Agora é tarde, Inês é morta. Furei a fuselagem do "gavião gigante" com uma flechada.

Valeu a pena porque ninguém, desde 1989 do século passado, escreveu mais sobre os índios isolados ou "invisíveis" do Acre que eu, sempre para reforçar a luta de meu amigo José Carlos dos Reis Meirelles Júnior em protegê-los da ambição da sociedade envolvente.

Como todo mundo agora está interessado nos parentes, Meirelles e eu já acertamos hoje cedo os termos de nossa próxima empreitada - a empresa Brabo-Tur. Preparem-se porque vem mais flechadas por aí.

A charge acima, enviada por Meirelles, foi publicada no jornal peruano El Comercio.

CONTATO DA SURVIVAL INTERNATIONAL

A coordenadora de campanhas da Survival International, Fiona Watson, reconhece que "as fotos dos índios isolados na fronteira tinham sido postas em domínio público na Terra Magazine uma semana antes de a Survival chamar atenção para elas". A pedido do blog, Fiona Watson enviou a seguinte mensagem a respeito da polêmica:

"Evandro Ferreira faz várias acusações [leia "Devolva os dólares, Survival" contra a Survival International – todas são sem fundamento e falsas.

Primeiramente, a Survival não ganhou dinheiro algum com as fotos dos índios isolados que tiveram destaque em grande parte da mídia mundial recentemente. As fotos não são nossas para que sejam vendidas. Elas pertencem à Funai, que as disponibilizou para a Survival, e as colocou disponíveis publicamente em seu website no dia 29 de maio, sob a seguinte condição: "As fotos publicadas são para difusão cultural, em conformidade com a Portaria nº 177/PRES/Funai, de 16 de fevereiro de 2006."

A Survival vem acompanhando a questão dos índios isolados na fronteira Acre-Peru há muito tempo. Mantemos contato regular com o sertanista da Funai, José Carlos dos Reis Meirelles, que nos informou sobre a existência das fotos dos índios e suas malocas duas semanas antes de Terra Maganize as publicarem. A Survival obteve as fotos diretamente da Funai.

As fotos dos índios isolados na fronteira tinham sido postas em domínio público na Terra Magazine uma semana antes de a Survival chamar atenção para elas. Embora, as fotos não tenham sido notadas pela mídia internacional até a Survival enviar sua nota de imprensa.

Jornalistas baixaram as fotos tanto do website da Funai quanto do website da Survival. As fotos em nosso site contêm informações de direitos autorais e legendas corretas, conforme fornecidas pela Funai. A Survival não pode ser responsabilizada se a mídia falhou em reconhecer corretamente os direitos autorais.

Acredito que o valor em termos de publicidade obtida para a causa dos povos isolados e para o trabalho da Funai, através da nota de imprensa da Survival, supera muitíssimo qualquer valor que poderia ter sido obtido pelo uso das fotos caso a Funai tivesse decidido cobrar por elas.

A Survival não é uma organização de assistência ou desenvolvimento. O nosso papel é defender os direitos de povos indígenas a nível internacional, e nosso foco está, particularmente, nos povos isolados, que não têm voz ou acesso à mídia e à opnião pública.

Em outubro do ano passado, a Survival lançou o filme de curta duração 'Uncontacted Tribes', peça chave de uma grande campanha pelos direitos de tribos isoladas pelo mundo. Os leitores podem assistir ao filme em inglês e espanhol.

Isso é resultado de anos coletando informação e gravando entrevistas com povos indígenas para que eles mesmos tenham a oportunidade de contar sua história. Não é, de maneira alguma, uma estratégia de marketing, como Ferreira faz parecer para os leitores.

Ferreira afirma que "o orçamento da FUNAI todo ano é contingenciado". Sim. Então, agora, ele e as pessoas no Brasil que estiverem preocupadas com a sobrevivência dos índios isolados devem usar essa publicidade sem precedente no sentido de pressionar o governo federal para a liberação de mais verbas que protejam esses povos vulneráveis.

Ferreira e Altino Machado acusam a Survival de nunca ter feito nada pelos índios do Acre.

Na verdade, a Survival tem dado destaque à situação das tribos isoladas na fronteira Acre-Peru no nosso website regularmente – sete vezes desde fevereiro de 2007 – veja aqui. Nós também publicamos a carta aberta de organizações indígenas do Acre e Peru, em 2 de dezembro de 2007: - veja aqui.

Em março de 2006, nós chamamos a atenção para a grave crise de saúde enfrentada por povos indígenas no Brasil, relatando, inclusive, o caso de 10 crianças Kaxinawa que morreram no Acre em decorrência de diarréia - veja aqui.

Em 1996, nós denunciamos às autoridades brasileiras o assassinato de Raimundo Silvinho Shanenawá e as lesões sofridas por dois outros Shanenawá nas mãos da polícia militar.

Ao longo dos 40 anos do trabalho de campanha da Survival, aprendemos que a mídia e o público são cruciais para o sucesso das campanhas de defesa dos direitos de povos indígenas.

Se Ferreira estivesse genuinamente interessado nos índios isolados, não teria criticado o mensageiro (Survival), mas teria recebido com agrado o fato de a causa ter recebido uma cobertura mundial tão ampla. Como resultado da campanha midiática da Survival, milhares de cartas foram enviadas ao governo peruano na semana passada, e a situação dos povos isolados obteve destaque em todos os principais meios de comunicação no Peru. Além disso, o governo peruano acabou de anunciar que irá enviar uma equipe para a área, a fim de investigar o desmatamento ilegal e a situação dos isolados. Isso é um grande passo adiante.

Meu comentário: Diante da grandeza da Survival International e da imprensa nacional e internacional, este blog me faz sentir na web feito aqueles índios isolados disparando flechas contra o aviao do sertanista. É pouco quando a coordenadora de campanhas da Survival diz ter sido informada pelo sertanista sobre a existência das fotos dos índios e suas malocas duas semanas antes de Terra Magazine as publicarem. Este blogueiro sabia da existência das tais fotografias desde quando a viagem começou a ser planejada há vários meses. O blog e Terra Magazine também obtiveram as fotos diretamente da Funai, através do sertanista. O fato é que a assessoria de imprensa da Funai e a estatal Agência de Notícias do Acre preferiram guardar as fotos e Survival solicitou cópias das mesmas após a publicação neste blog e em Terra Magazine. As fotos foram tiradas entre os dias 28 de abril e 2 de maio. Portanto, o sertanista José Carlos dos Reis Meirelles Júnior nos forneceu as fotos, com o endosso de Itaan Arruda, assessor de comunicação do Governo do Acre, após esperar durante 20 dias que as fontes oficiais as divulgassem. As fotos pertencem à Funai e ao governo do Acre e não deveriam estar circulando com crédito para a agência AP e a Survival International. Desde o assassinato do seringueiro Chico Mendes, há 20 anos, uma notícia do Acre não gerava tamanha repercussão na mídia internacional. As fotos e as histórias dos "índios invisíveis" ecoaram mais veloz e distante por causa da internet. E eu estava em cima do lance nas duas histórias. Em dezembro de 1988 e em maio de 2008, por falta de percepção do que é relevante na Amazônia, a imprensa brasileira preferiu se pautar pela imprensa estrangeira. Agora é tarde, Inês é morta. Furei a fuselagem do "gavião gigante" com uma flechada.

ÍNDIOS "INVISÍVEIS"

Um "furo" mundial e muita controvérsia

Luciano Martins Costa

Saiu na primeira página de todos os grandes jornais brasileiros na sexta-feira (30/5), depois de publicada no site da BBC e no portal UOL, a notícia de que a Funai encontrou no Acre uma aldeia de índios ainda não contatados pelo homem branco e sem registro de relações com outras tribos. Daí para a frente, a notícia e algumas fotografias correram o mundo, a partir das agências Associated Press e Reuters, produzindo um frisson que repercutiu pelo noticiário televisivo brasileiro e internacional. Junto com a mensagem, porém, corre um debate sobre ética no jornalismo e propriedade intelectual.

Não há, porém, muito o que especular sobre o caso. O que há é um bom tema para a análise de direitos relacionados à informação. Quem deu o "furo", apresentando ao mundo a descoberta da equipe chefiada pelo sertanista José Carlos dos Reis Meirelles Júnior, foi o jornalista Altino Machado em seu blog pessoal.

Altino postou a notícia em seu blog e mandou uma versão mais completa para sua coluna na revista eletrônica Terra Magazine. Meirelles cedeu dois discos com cerca de 1.200 fotografias e concedeu uma entrevista, na casa do jornalista, gravada no dia 22 de maio. O texto original foi escrito na presença do sertanista. No dia seguinte, sexta-feira (23), pela manhã, o texto foi publicado no blog e o Terra Magazine, além do relato mais completo, distribuiu uma versão em espanhol para toda a área de cobertura do portal na América Latina, Estados Unidos e Espanha.

Critérios de cessão de direitos

O problema é que nenhum dos órgãos de imprensa que reproduziram a notícia, na semana passada, citou a fonte. Além disso, estabeleceu-se uma controvérsia paralela sobre a propriedade das fotografias. O repórter fotográfico Gleilson Miranda, escolhido para acompanhar a expedição, resolveu vender cópias das fotografias por 250 reais cada, alegando que os direitos são seus. Miranda é funcionário da estatal Agência de Notícias do Acre, fez as fotos com uma câmera da Secretaria de Comunicação do governo do Acre, a bordo de um avião do governo do Acre cedido ao sertanista Meirelles em missão oficial da Funai.

Para colocar as coisas em seus lugares, o chefe da Assessoria de Comunicação do governo do Acre, Itaan Arruda, distribuiu nota que diz o seguinte:

"Gostaria de informar que as imagens captadas por qualquer repórter-fotográfico ou repórter cinematográfico da assessoria de imprensa do governo do Acre pertencem ao povo do Acre. São imagens públicas. São patrimônios públicos. Em respeito ao povo do Acre (…) não nos é permitido lucro ou complementação de renda utilizando um patrimônio que não é privativo de ninguém exclusivamente. No entanto, vale ressaltar que o uso dessas imagens deve obedecer critérios de cessão que se iniciam com o contato óbvio e elementar com a assessoria de imprensa do governo ou de qualquer órgão que trabalhe em parceria conosco."

Algumas observações

O sertanista José Carlos Meirelles, que é coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Rio Envira, também distribuiu comunicado declarando que "as fotos utilizadas no Blog do Altino e depois utilizadas no Terra Magazine foram por mim fornecidas ao sr. Altino Machado. Essas fotos são de propriedade da Fundação Nacional do Índio, enquanto os índios fotografados forem isolados, e não podem ser usadas para fins comerciais e muito menos comercializadas".

A controvérsia sobre os direitos ligados à fotografia será resolvida entre o governo do Acre, seu funcionário e a Funai. Algumas cópias correram pela imprensa internacional, creditadas à Associated Press (AP), que as havia reproduzido com a licença precária e desautorizada do fotógrafo Gleilson Miranda.

Se vale para o caso a legislação que se aplica à aquisição de outros produtos de origem ilegítima, cabe à AP explicar como pôde assumir como de sua propriedade direitos cuja autenticidade não se confirmam na origem. O fato é comum e deriva de certa "desatenção" de muitos editores quanto aos créditos corretos, uma vez que a imagem, caindo na rede, pode percorrer caminhos aleatórios que dificultam a definição de sua origem. A AP comprou os direitos de Gleilson sem checar se ele detinha esses direitos. Os editores recebem a foto via AP e transferem o crédito, e assim por diante.

Mas há algumas observações adicionais a serem feitas sobre essa história. A primeira é que o "furo" só foi percebido pela grande imprensa, e reproduzido por seus sites, uma semana depois de publicado no blog de Altino Machado. A segunda é que a imprensa brasileira "não viu" a versão original da notícia: a primeira versão do portal UOL dizia que "a divulgação das fotos foi feita pela Survival International", entidade que luta pela proteção de tribos isoladas. O site da BBC, uma das primeiras entre as mídias atrasadas na divulgação, replicou que "as fotos foram divulgadas pela Survival International, que apóia a política da Funai para povos isolados (…)" etc. Para completar o círculo, o jornal Página 20, de Rio Branco, Acre, onde vive o autor do "furo", publicou que "a notícia veio à tona por meio da agência BBC e foi veiculada com destaque em quase todos os jornais online (…)".

Longe das lentes e dos olhos

A história chegou também aos leitores de Le Monde, The Guardian, The New York Times, El País e muitos outros gigantes da mídia internacional. Posteriormente, sexta-feira (30/5), estava nas primeiras páginas da Folha de S.Paulo, do Estado de S.Paulo, do Globo e de outros jornais Brasil afora. A Folha foi o único diário que fez justiça, observando que "a Funai tirou mais de mil fotos. Meirelles decidiu repassar o material fotográfico ao jornalista Altino Machado, que publicou três fotos no site Terra Magazine. A idéia era sensibilizar o governo do Acre, que prometeu instalar um posto de vigilância na área, que virou alvo do garimpo ilegal".

Apenas um reparo: segundo Altino Machado, quem ameaça a tribo isolada não é o garimpo, mas as madeireiras ilegais que entram na Amazônia pela fronteira com o Peru – fato que ele noticiou na mesma época.

Além da constatação de que a imprensa, em geral, não confirma a origem de muita coisa que publica, entra no debate outra questão, levantada pelo sertanista Meirelles. A imagem dos índios pressupõe um direito que eles podem vir a exercer, se e quando decidirem aceitar o contato com os brancos. Por conta disso, o sertanista corria, nos últimos dias, a providenciar os registros para assegurar que, no futuro, esse direito não continue a ser vilipendiado.

No Acre, os índios que evitam o contato com brancos ou com tribos aculturadas são chamados de "invisíveis". O episódio da aldeia localizada na região do igarapé Xinane mostra que, diante de tanta falta de respeito, fazem bem em continuar longe das lentes e dos olhares do homem branco.

Luciano Martins Costa é da equipe do Observatório da Imprensa, onde pode ser lido, ainda, de minha autoria, a "Receita de 'recortagem'". Tem mais na seção "Entre aspas".

VIDA BOA NÃO QUER PRESS (A)

José Carlos dos Reis Meirelles Júnior


"Quando o cabra num tem disposição
Pra trabaiá no serviço do alugado
Pega uma viola bota ao lado
Compra logo o rumanci do pavão
A aventura do diabo em Riaçhão
E o rumanci de Pedro Malazarte
Sai a gritar por toda parte
Por tostão em meio de feira
É camarada, assim dessa maneira
Que vem relaxando a minha arte"

Os versos acima são de Otacílio Batista e Diniz Vitorino, dois grandes cantadores nordestinos, em um desafio. Lembrei-me deles como uma crítica a mim mesmo. Porque?

Porque saí do meu serviço do alugado, lá pelas cabeceiras dos rios, onde conheço os remansos do rio, as passagens das costas de praia, os bicos de terra pra não subir e descer ladeira, onde moram os jaús e matrinchãs, e os parentes isolados, e peguei uma empreita que parece não vou dar conta.

Uma atividade de rotina, um sobrevôo na área dos parentes, e algumas fotos deles ganharam o mundo. E de repente eles passaram a existir. No serviço público, se não sair no Diário Oficial não aconteceu. No resto do mundo se não sair na mídia não aconteceu.

A idéia era chamar a atenção sobre os perigos que ameaçam estes povos, que o Estado só reconhece se pressionado pela opinião pública. Nada mais que isso.


Mas o que?

Depois que as fotos e vídeos começaram a rodar o mundo outra batalha começa a ser travada entre os meios de comunicação, blogs, agências internacionais. Quem deu a notícia primeiro, quem é o detentor das imagens, quem é isso, quem é aquilo.

Aí entra um monte de especialista no assunto, que nunca andou lá pelas bandas do alto Envira, mas com certeza sabe muito mais dos parentes do que “ nóis.” Afinal “nóis num tem deproma”.

Meu telefone celular, aquisição também nova em minha vida, esquentou a bateria e não esfriou mais. Todo mundo quer fotografar os parentes. Vamos criar a Brabo-Tur! Do jeito que vai, quando o avião passar lá na maloca, vai ter um cartaz no terreiro escrito: Voltem amanhã. Fomos caçar!

Espero não me arrepender de ter exposto os parentes ao mundo e nada mais que isso. E me convencer de vez que vida boa não quer press (a).

José Carlos dos Reis Meirelles Júnior é coordenador da Frente de Proteção Entoambiental do Rio Envira, na fronteira do Brasil com o Peru

segunda-feira, 2 de junho de 2008

"O SEU A SEU DONO"

O blog português Tupiniquim, dedicado aos povos indígenas, certa vez foi eleito o melhor do mundo. Há anos consta na lista de recomendados deste modesto blog.

Tupiniquim
é editado por dois jornalistas portugueses. Um deles, Luís Galrão, deixou aqui o seguinte comentário:

"Caro Altino,

Tem razão na crítica que deixou no Tupiniquim. Lamentamos a falha, mas muitas vezes limitamo-nos a reproduzir as notícias que vamos encontrando. Já publicámos um esclarecimento e estaremos atentos ao assunto.

Abraço".

Eis o esclarecimento do Tupiniquim:

"O jornalista Altino Machado alertou o Tupiniquim para a origem da notícia e das fotos da tribo de índios isolados que têm enchido os títulos dos jornais. O Tupiniquim limitou-se a reproduzir algumas notícias, sem se aperceber que as agências haviam-se apropriado indevidamente da história, facto que lamentamos".

ÍNDIOS VISÍVEIS, INVISÍVEIS E O FURO

Jose Murilo Junior
Do Global Voices

É curioso notar que no meio de um debate sobre o foco apropriado diante de imagens fortes de um evento violento,
Altino Machado, blogueiro famoso do estado Acre, na região da Amazônia, apresentou ao mundo as primeiras imagens do que pode vir a ser a última tribo isolada da floresta amazônica — os tais ‘Índios Invisíveis’.

Extraordinário de fato. O assunto foi divulgado como última notícia no GVO em 23 de maio, traduzido para o Português e Chinês, e caiu no conhecimento mundial através da blogosfera. Demorou uma semana para que a imprensa tradicional acordasse para a “notícia velha” mas as imagens ainda eram impressionantes e os blogues não demoraram em lembrar que a mídia corria atrás da notícia sem respeitar as regras elementares de dar crédito.

O blogue de Altino é certamente uma fonte especial de informações sobre a Amazônia, e não é por acaso que seu artigo apareceu no Terra Magazine, um projeto editorial online inovador que também reivindica o furo pelas imagens dos ‘Índios Invisíveis'. Mas enquanto o ambiente da imprensa online ainda luta para chegar a um modelo de negócios equilibrado, tendo que lidar com tantas novas varíaveis netlescas, podemos estar testemunhando o surgimento de novos tempos, onde ‘furos' como conhecemos no formato antigo não são o que importa de fato. Um papo discursivo e pleno entre muitas vozes em um debate aberto com as fontes da autoritária imprensa convencional podem vir a ser o tipo de “furo” colaborativo que temos aqui procurado.

O primeiro passo para se chegar a esse novo ambiente de imprensa aberta talvez seja o reconhecimento do valor de todas essas vozes, o que pode começar com o simples e fácil respeito à etIqueta de atribuição por parte da imprensa convencional… e blogueiros.

Além do destaque na página principal do Global Voices, o artigo do editor José Murilo Junior está com versões em russo, francês e inglês. Leia a íntegra aqui, traduzido para o português por Paula Góes. Confira, ainda, "Dobradinha brasileira".

GLOBAL VOICES

Brazil: Visible and Invisible Indians and Scoops

Jose Murilo Junior

How interesting that that in the midst of this debate over the proper focus when presented with such strong images of a violent event, Altino Machado, a famous blogger from Acre state in the Amazon region, presented to the world the first images of what could be one of the last isolated tribal groups in the Brazilian Amazon rainforest — the so called, ‘Invisible Indians’.
(...)
Altino's blog is really a special source of information on the Amazon, and it is not by chance that his posts are now being featured in Terra Magazine, an innovative online editorial project that also claims a scoop for the pictures of the ‘Invisible Indians'. But while the online media environment still struggles to reach balanced business models, having to deal with so many new webnative variables, we may be witnessing the emergence of a time where 'scoops' of the old exclusive kind may not be what really matters. The discursive and flowing conversation of many voices in an open debate with mainstream authoritative media sources may be the kind of collaborative “scoop” we all are seeking right now.


The first steps toward building this new open media environment may be the recognition of the value of all those voices, which could start with simple and easy respect for attribution netiquete by the mainstream media… and bloggers.

Além do destaque na página principal do Global Voices, o artigo do editor José Murilo Junior está com versões em russo e francês. Logo mais será publicada a versão em português. Leia a íntegra aqui, em inglês.

domingo, 1 de junho de 2008

A CANA E O CANO


Declaração do presidente Lula hoje, em Roma:

- Não queremos plantar cana na Amazônia porque sabemos que a terra lá não é produtiva para cana. Então não adianta fazer investimento lá.

Perguntar não ofende: então por que os governadores "ambientalistas" do PT no Acre insistem em investir dinheiro público no empreendimento privado da usina Álcool Verde? Por que os políticos desse pedaço da Amazônia tentam consolidar o empreendimento sem respeito às leis ambientais? A cana da primeira safra da usina está perdida por causa disso, conforme mostra a foto que tirei na semana passada. Lula, que molda o discurso à cada platéia, mentiu mais uma vez. Clique aqui e leia mais sobre a cana-de-açúcar no Acre.

O POETA QUE O ACRE ESQUECEU

Isaac Melo


O literato inglês Samuel Johnson dizia que a glória máxima de um povo provém de seus escritores. Não precisamos ir longe para constatar isso, basta lembrar-se de Machado de Assis, Castro Alves, Drummond, Guimarães Rosa, Euclides da Cunha, Clarice Lispector, e inúmeros outros não menos importantes.

Na literatura amazônico-acreana despontam também grandes nomes, tais como Craveiro Costa, Miguel Ferrante, José Potyguara, Djalma Batista, Jorge Kalume, Leandro Tocantins, etc., e finalmente J. G. de Araújo Jorge, que se não figura como o mais importante, é sem dúvida a maior expressão poética da literatura acreana desde os seus primórdios.


Mas toda a glória que este poeta de multidões de leitores conquistou durante muito tempo no Brasil, é quase que oculta ao povo de sua terra. Até sair do Acre, nunca havia ouvido pronunciar sequer na escola ou nos meios de comunicação o nome de J. G. de Araújo Jorge. Foi apenas quando cheguei ao Paraná que tive o meu primeiro contato com a sua poesia. Ali, li e comprei pela primeira vez um livro do Príncipe dos Poetas acreanos.

José Guilherme de Araújo Jorge é um ilustre filho de Tarauacá, nascido no dia 20 de maio de 1914. Filho de Salvador Augusto de Araújo Jorge e Zilda Tinoco de Araújo Jorge, descendentes de tradicionais famílias do estado de Alagoas, composta por homens de grandes destaques, formado por médicos, escritores, políticos e grandes oradores.

JG viveu em Tarauacá até os 7 anos de idade. Seu pai, Salvador Augusto de Araújo Jorge, foi Juiz Municipal na Comarca de Tarauacá, em 1912. Transferindo-se para Rio Branco, em 1923 foi chefe de polícia. Em Rio Branco JG fez o curso primário no Grupo Escolar 7 de setembro. O curso secundário e superior JG cursou no Rio de Janeiro nos Colégios Anglo-Americano, Pedro II, e finalmente, na então Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil.

Isaac Melo cursa filosofia na PUC do Paraná. Leia mais aqui.

MARACIMONI E CARLOS LOPES


Ela é a jornalista Maracimoni de Oliveira, amapaense, radicada no Acre há quatro anos, onde se destacou como editora do Página 20 e ativista de movimentos sociais. E ele é o escritor e subsecretário-geral da ONU, Carlos Lopes, um guineense que já escreveu e organizou mais de 20 livros e lecionou em universidades do Brasil, Suécia, Portugal, México e Suiça.

Carlos era coordenador da ONU no Brasil quando teve a sorte de conhecer Maracimoni, no Amapá, antes de assumir o cargo de principal assessor do ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan. Foi quando Maracimoni o procurou para uma entrevista.

- Por se sentir insegura, presumo, ao entrevistar um representante da ONU, ela me pediu que a acompanhasse. Fui, bati a foto, tomei um copo de cerveja e saí, após assegurar-me que ela estava em boas mãos - lembra o jornalista acreano Elson Martins, ex-diretor do jornal Folha do Amapá.

Maracimoni veio para Rio Branco e Carlos ganhou o mundo, mas desde aquele primeiro encontro o que não faltou para o casal foi amor para longas viagens internacionais em cidades como Paris, Bruxelas, Lisboa e outras da África.

Ao convencer Maracimoni a mudar do Amapá, Martins tinha razão quando avisou aos amigos do Acre que "ela é uma típica caboclinha amazônica corajosa, inteligente, sonhadora".

- Agora ela merece ser feliz mundo afora - disse o decano da imprensa acreana em nome dos amigos dela nesta madrugada de 9 graus em Rio Branco.

E Carlos? Bem, um resumo perfeito do perfil dele está na revista Desafios, do Ipea:

- Quem tem a oportunidade de conhecer Carlos Lopes percebe, imediatamente, seu modo tranqüilo de falar, pontuado por gestos afáveis e olhar confiante, que quase nunca conseguem ser retratados nas fotografias. A voz pausada, porém, conduz um discurso seguro, de quem não se esquiva de assunto nenhum, não tem medo de admitir falhas e acredita que os problemas, quando surgem, representam sempre a possibilidade de construir um mundo melhor.

De acordo com a promessa de Carlos, acredito que o nosso mundo amazônico não deixará de ser melhor após a partida dele com Mara.

- Mara vai comigo, mas tenham a certeza de que nada vai desligá-la dos amigos e dos compromissos com a terra dela - prometeu.

Como se vê, o Acre é muito bom para experiências ricas de pessoas de boa índole. A atração não é só por picaretas. Ainda bem.

Felicidades!



Leia mais sobre Carlos Lopes no website do Instituto Ethos.

RUIZINHO, A CARPIDEIRA-MOR

Leila Jalul

Ruizinho tinha um olfato aguçado, tão aguçado, que metia medo. Farejava velórios como ninguém. Muitas vezes acreditei, como ele dizia, que as almas dos futuros defuntos lhe davam o aviso com antecedência mínima de duas horas.

Segundo ele , mal acordava, uma sensação ruim, uns arrepios nas costelas, tomavam de conta dele. Era bater e ver: morreria alguém logo mais. Nunca paguei pra ver, claro!

Em vida teve uma paixão especial pelo Barão de Mesquita e sua esposa Olívia. Também nutriu um sentimento de quase veneração pelo pai do Acre e sua esposa, respectivamente. Era Deus no céu e o Coronel Guiomard Santos e dona Lídia Hammes na terra.

Baixo, um tanto gordinho, tinha uma cara muito engraçada e, no olhar, um muito de muito cinismo. Normalmente falava sério, mas, o sério só era sério, de verdade, quando levantava a sobrancelha do olho direito, quase a encostando na base dos cabelos da testa. Quando não, era sem-vergonhice mesmo!

Teve amigos de todas as tintas e pintas. Era capaz de ser confidente de maridos e mulheres que pulavam cercas, sem dar um único fora. Com eles formava uns triângulos fiéis de infidelidades. Tanto sabia das coisas de um como das do outro, e, de cátedra, dava excelentes conselhos aos "amigos". Quando contava uns segredos, dizia logo: conto o milagre mas não digo o nome dos santos, tá certo? Tá certo, dizia eu. Quero saber é da fofoca, meu filho! Desembucha logo, vai! No fim do papo, depois de insistir pouco, não resistia e contava o nome dos santos.

Um belo dia morre um marido, pulador de cerca e dele recebo uma ligação, já de madrugada.
- Comadre, sabe quem morreu?
- Sei não, diz logo! Isso são horas de alguém morrer?
- Porra, comadre, a jararaca quer que eu redija uma nota. Me ajuda. Passo na tua casa e levo para as rádios e jornais. Ajuda?
- Vem logo, cara!
- Dá um tempo. Estou procurando uma roupa para vestir no homem. Tá uma bagunça doida e a mulher não quer nem saber de nada. Tá é morta de feliz!
- E quem vai assinar a nota? E pagar rádios e jornais? E bancar os funerais?
- Sei lá, comadre. Isso se vê depois. Bota aí em nome da família daquele que em vida se chamou...
- Não dá, cara. O homem não tem família aqui. A família é a mulher.
- Põe em nome dela. Vou dar um jeito. Não esqueça de usar a palavra "consternada". É muito bonita.
- Tá bem.

Enfim, redigi a nota e entreguei. Fui dormir. Ele, incansável, mesmo com cara de sono, foi tomar as últimas providências.

De noite, passado o enterro, me liga o Rui.
- Comadre...
- Diz Rui, como foi o enterro?
- Comadre, a mulher não queria chorar, nem para posar de vítima. Nem de raiva. Nem de nada. Cheguei perto dela, quando entrou uma autoridade e pedi, ao pé do ouvido, que ela pelo menos passasse o lenço no rosto e fungasse. Sabe o que ela disse?
-Não.
- Vai te fuder!
-Sim, e aí?
- Aí, sobrou pra mim.
- Sim, Rui, tu chorou por ele ou por ela? Cantou as Incelenças?
- Incé o que, Comadre?, chorei pelo dever cristão. Aquela criatura ali, imóvel, sem pai, sem mãe, sem filhos...

Acho que chorei por mim, sabe?
- Tá bom, depois a gente se fala, nem que seja para, por dever cristão, eu te dar uma bela duma esculhambação.
- Comadre... a senhora não tem coração...
- Vai, Rui, vai descansar e enxugar essas lágrimas de crocodilo cristão. Vê se o morto de hoje morre mais cedo e me liga. Quero saber de tudo, tá bem?
- Tá.

A grande especialidade de Ruizinho era ser consolador de viúvas. Uma delas, bem abalada, não parava de sentir-se mal durante o sepultamento. Mas ele estava lá, amparando e repetindo as famosas frases: era chegada a hora, conforme-se com a vontade de Deus e outras que ele mesmo inventava na hora.

Morre um senhor, de boa índole, trabalhador e honesto. A viúva entra em choque.
Sobre esta senhora, Ruizinho me ligou, bastante "consternado".
- Comadre, Dona Eliene (fictício) deu um trabalhão. Acho que deu uma cinco piloras na beirada do túmulo aberto. Também, além do padre, mais três discursos... Ô povim!
- Pôxa... , mas conseguiram trazê-la para casa?
- Claro!
- Cinco chiliques e agüentou?
- É... Ela entrou no carro e desmaiou de novo. Eu sentei de um lado, Jonas do outro, e seguramos ela para não cair. A senhora lembra daquele filme que o cara (El Cid) atravessava a cidade mortinho e o pessoal pensava que ele tava vivo? Como é o nome dele?
- É Ben- Hur, Ruizinho!
- Isso mesmo, comadre. Ela chegou mortinha, mas triunfante! Igualzinha ao Ben- Hur. Demos uns chás de maracujá e ela foi melhorando, melhorando....
- Que bom!
- Agora nós vamos ver é como os meninos vão se comportar na hora da herança. Sei não, isso vai feder.
- Calma, Rui, isso é outro assunto!
Tempos atrás morreu meu compadre Rui. Quando fiquei sabendo, sorri muito. Dele, só lembranças amigas, engraçadas e uma constatação: já não há mais carpideiras criativas, que nem meu compadre Rui.
Requiescat in pace!

Leila Jalul é procuradora aposentada da Unversidade Federal do Acre