terça-feira, 21 de fevereiro de 2006

NÁUFRAGO

Calango tenta escapar da enchente do Rio Acre no Calçadão da Gameleira.

OREMOS AO SENHOR

O prefeito, o vice-prefeito, o diretor da empresa pública de distribuição de água de Rio Branco e pastores evangélicos enquanto imploravam chuva a Deus, no dia 14 de agosto. Deus os atendeu 56 dias depois. É preciso saber pedir. Quem me diz que eles não têm responsabilidade pela enchente? Agora, quando pedirem pra parar de chover, sejam habilidosos. Peçam pra Deus baixar só uns cinco metros, para evitar nova seca. A foto é do site Notícias da Hora.

RIO ACRE EM AGOSTO

O Rio Acre no dia 20 de agosto de 2005.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006

TERRA DA FARINHA

Voltei hoje da feira de Cruzeiro do Sul. Trouxe feijão mudubim, feijão peruano, meio paneiro de farinha de macaxeira e outro tanto de farinha de tapioca, biscoito de goma e um moi de tabaco negro do Juruá.

A cidade continua isolada do mundo. Uma maçã custa R$ 1,00. O quilo de tomate R$ 7,00, a batata portuguesa idem. Um quilo de comida num self-service da vida, R$ 22,00.

O acesso à internet é discado ou via rádio com muita precariedade ao preço de R$ 4,00 a hora. A população se divide entre os desempregados e os funcionários públicos ou, ainda, entre a maioria pobre e a minoria rica.

Cruzeiro do Sul não se explica. Não há quem possa entender como aquela legião de pobres, desempregados e funcionários públicos tenha tanto dinheiro para movimentar a ostentação de seus barões, donos de mansões bregas, barcos, postos de gasolina, fazendas, máquinas pesadas, aviões, carros de luxo etc.

O país precisa conhecer a proeza dos homens rudes de Cruzeiro do Sul, que figuram entre os mais ricos da região. Instituições como a Fundação Getúlio Vargas e o Sebrae deveriam estudá-los e dar conhecimento ao país da facilidade com que os empresários daquela pacata cidade a transformaram numa verdadeira escola de empreendedorismo.

Um dos homens mais ricos do Acre atualmente, há pouco mais de 10 anos era empregado como atendente de balcão. Agora é dono de postos de gasolina, lojas e dos melhores imóveis e gera empregos. Na cidade existe sempre alguém sonhando em ser laranja de alguém.

Na terça-feira da semana passada, a fiscalização da Receita Federal no aeroporto de Rio Branco deteve a bagagem de várias pessoas que iam participar de um seminário sobre biodiversidade em Cruzeiro do Sul. A companhia aérea Rico não esperou o término da fiscalização.

O avião decolou com o grupo de passageiros, mas sem a bagagem, que só foi entregue no final da tarde de sexta-feira. Fizeram isso como se a cocaína saísse de Rio Branco para Cruzeiro do Sul e não de Cruzeiro do Sul para o resto do país.

Até um marceneiro e um artista plástico outro dia quase se enrolaram. Um enviou uma mesa recheada de cocaína e o outro a recebeu em Manaus. Noutro caso, uma companhia aérea demitiu no ano passado um carregador de cargas que de repente comprou à vista um caminhão novinho em folha.

Estava ainda em Cruzeiro do Sul quando recebi a seguinte mensagem do paleontólogo Alceu Ranzi, que participava da Expedição à Foz do Breu:

"Caro Altino:

Chegamos hoje de volta à Thaumaturgo. Ontem estivemos em Foz do Breu e Tipisca (Peru). Em Tipisca, o prefeito é um índio da etnia jamináua.

Estou levando, para sua apreciação, um "moi" de tabaco de S.João do Breu e ainda, para pitar, dois cachimbos do feitio dos ashaninka do Rio Amonia. Os cachimbos são feitos de cocão e as piteiras são de osso de macaco prego. Espero que possamos inaugurar os cachimbos e soltar umas boas baforadas, pois o "moi" de tabaco deve dar umas seis libras. Um abraço."

Vou chamar o Toinho Alves para apreciarmos com o Alceu Ranzi o tabaco negro de S. João do Breu e os cachimbos com piteira de osso de macaco. E vou aproveitar para contar o que não convém contar agora aqui.

CRUZEIRO DOS URUBUS

URUBU PEGA, MATA E COME

Valber Lima

Altino, por que é que não aparece um repórter dono da verdade pra escrever uma linha sobre a situação da cidade de Cruzeiro do Sul?

Todo mundo bate no Lula, todo mundo fala mal do Governo da Floresta, todo mundo quer ser herói falando dos erros da esquerda no poder, mas ninguém fala da Zila.


Por quê? Onde estão os repórteres da TV Gazeta, do Jornal A Tribuna, do O Rio Branco, onde estão? Estão todos com medo do Carcará? Pois é! Enquanto isso, os urubus estão tomando conta da cidade. Não há regularidade na coleta de lixo. A prefeita vive viajando, ninguém da imprensa fala nada.


Esta foto foi tirada ontem, atrás da Catedral Nossa Senhora da Glória, ao lado do Mercado do Agricultor, em frente ao antigo Cais do Porto.

Já que você está em Cruzeiro do Sul, por que não observa com os próprios olhos? Todos os dias é a mesma cena, principalmente no final da tarde. Os urubus e os cachorros soltos nas ruas entre os passantes.


A foto foi tirada num local onde deveria haver um centro de atração de turistas e um local de trabalho dos produtores. Bem, espero, Altino, que pelo menos você não esteja com medo do Carcará e leve a público o problema que os cruzeirenses precisam ver resolvido logo.

Afinal, ela, a Zila Bezerra, se elegeu prometendo acabar com os urubus, mas, ao contrário, o número triplicou no centro da cidade. Qual é?

Nota: Caro, realmente Cruzeiro do Sul está suja, com as ruas esburacadas e a população descontente com a prefeita Zila Bezerra. Na quinta-feira, com destino a Cruzeiro, encontrei-a dentro do Boeing. Hoje, ao retornar para Rio Branco, soube que a mesma já havia viajado novamente. "Ela vem pra Cruzeiro apenas tomar banho, mas viaja logo para se maquiar em outras cidades", disse um morador. Desse jeito, vale a pena o pessoal do jornal Voz do Norte fazer uma foto dela desembarcando de avião e tascar a seguinte manchete: "Zila visita Cruzeiro". Não entendo nada de política. Encontrei gente que votou em Zila, está dececpionada com a administração dela, mas disposta a continuar votando contra qualquer candidato da Frente Popular. O povo é o povo. Cruzeirense não é mesmo flor que se cheire. Acreano ele não é.

CARTA DE PRINCÍPIOS

Carta de Princípios das Comunidades Locais e Povos Indígenas do Acre (Brasil), Madre de Dios (Peru) e Pando (Bolívia)

Nós povos indígenas, comunidades locais, extrativistas e ribeirinhos reunidos em Cruzeiro do Sul, Estado do Acre, no seminário "Cienência e Saber na Amazônia: valor do conhecimento", entre os dias 15 e 19 de fevereiro de 2006, tratando do tema pesquisa com acesso a biodiversidade, saberes ancestrais e conhecimentos tradicionais, foram acordados os princípios que:

1 – Toda forma de pesquisa tenha compromisso com a conservação da biodiversidade e uso sustentável dos recursos naturais;

2 – Todos saberes ancestrais e conhecimentos tradicionais pertencentes aos povos indígenas, extrativistas e ribeirinhos devam ser respeitados e reconhecidos como ciência;

3 – Todos saberes ancestrais e aos conhecimentos tradicionais povos indígenas, extrativistas e ribeirinhos não são de domínio público e são atemporais;

Os pesquisadores e instituições de pesquisa pública ou privada, que pretendem realizar pesquisa científica e bioprospecção a partir do acesso aos saberes e conhecimentos tradicionais associados à diversidade biológica dos povos indígenas e comunidades locais deverão pautar-se pelos seguintes procedimentos:

1 – Solicitar autorização prévia aos povos indígenas, comunidades locais, extrativistas e ribeirinhos a serem pesquisadas;

2 – Respeitar as normas existentes definidas por povos indígenas, comunidades locais, extrativistas e ribeirinhos;

3 – Qualquer tido de projeto de pesquisa necessita ter bem esclarecido seus objetivos, metas, critérios, normas e metodologia;

4 – Tudo que for acordado com povos indígenas e as comunidades locais deve ser formalizado por um termo de anuência prévia e/ou contrato;

5 – A pesquisa somente será autorizada se for considerada de interesse do povo indígena e das comunidades locais, extrativistas e ribeirinhos;

6 – Os povos indígenas e as comunidades locais, extrativistas e ribeirinhas tomarão como referência para aprovação da pesquisa, o retorno que esta poderá trazer de interesse relevante e inovador para a comunidade;

7 – Toda pesquisa deverá ser apresentada de forma a haver um nivelamento de linguagens, a fim de facilitar a acessibilidade de compreensão;

8 – Os povos indígenas, comunidades locais, extrativistas e ribeirinhos deverão acompanhar todos os passos da pesquisa;

9 – O pesquisador e/ou instituição deverão assinar um termo de sigilo com os povos indígenas, comunidades locais, extrativistas e ribeirinhos;

10 – O pesquisador e/ou instituição que se desviar do foco da pesquisa terá cancelada sua autorização de pesquisa, bem como sofrer sanções penais e administrativas;

11 – O pesquisador e/ou instituição deverá apresentar aos povos indígenas, comunidades locais, extrativistas e ribeirinhos um histórico de sua atuação em pesquisa.

Recomendações:

Toda pesquisa tem por obrigação garantir retorno aos povos indígenas, comunidades locais, extrativistas e ribeirinhos envolvidas:

1 – O retorno da pesquisa poderá ser feito monetariamente, entre outros, através de capacitação e/ou formação técnica do povo e comunidades, ou de repasse de informações e/ou tecnologias e financiamento de projetos, a partir de acordo prévio com a comunidade requerida;

2 – No caso da pesquisa revelar a possibilidade de desenvolvimento de produtos comerciais, deverá ser exigida a capacitação e/ou formação técnica da população e que a cadeia produtiva seja desenvolvida na floresta com a referida comunidade. Nesta situação um novo contrato deverá ser firmado.

3 – O cumprimento dos princípios acima não exime o pesquisador de cumprir a legislação vigente.

domingo, 19 de fevereiro de 2006

TÁ NA HORA DO EMPATE

A platéia fez máximo silêncio quando a advogada paraense Eliane Moreira começou a falar a respeito da valorização e defesa dos direitos dos povos tradicionais sobre os seus conhecimento, durante o seminário "Ciência e Saber na Amazônia", em Cruzeiro do Sul (AC). Ela chamou a atenção de lideranças indígenas, ribeirinhos, seringueiros e extrativistas não apenas pela beleza e simpatia, mas sobretudo por defendê-los a partir de uma lógica apaixonada e competente. Ao término da palestra, foi bastante aplaudida e cumprimentada.

Eliane Moreira é professora do curso de direito ambiental do Centro Universsitário do Pará (Cesupa), mestre em direitos difusos e coletivos pela PUC de São Paulo e doutoranda em desenvolvimento sustentável do trópico úmido pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará.

Ela coordena o Núcleo de Propriedade Intelectual do Cesupa, que é o responsável pela gestão institucional da propriedade intelectual. Por seu intermédio são construídas as pontes entre as instituições que geram conhecimentos e tecnologias e o setor produtivo, transformando os resultados das pesquisas em produtos e serviços que propiciem a melhoria da qualidade de vida da população.

- O Acre é o grande ponto de referência de todas as pessoas que trabalham com os direitos socioambientais. Vejo que, do Acre, com certeza, deve emergir uma movimentação que garanta a discussão sobre os direitos dos povos tradicionais, mas que caminhe no sentido das garantias desses povos. Esses povos precisam olhar para o passado de Chico Mendes e fazer o "empate" agora, para impedir que os direitos deles sejam derrubados - aconselha a paraense.

Assista (abaixo) o bate-papo com Eliana Moreira.

ELIANE MOREIRA

CÃO E URUBUS VADIOS

Um cão brinca com os urubus em frente à redação do jornal A Voz do Norte, no centro de Cruzeiro do Sul (AC).

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

BIOPIRATARIA DO KAMBÔ

Em dezembro do ano passado, escrevi aqui a nota "Kambô e charlatanismo", advertindo que, embora uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) do Ministério da Saúde tenha proibido a propaganda da "vacina" do sapo kambô (Phyllomedusa bicolor), o que não falta é gente desrespeitando-a e ganhando muito dinheiro com o comércio e a aplicação da substância, além da exploração da boa fé de índios acreanos em grandes cidades.

Revelei que Sônia Menezes, que se declara "terapeuta indígena", havia se aliado ao psiquiatra Paulo Urban para promoverem numa clínica em São Paulo a "Semana de Medicina Indígena" com aplicações de kambô. O caso foi denunciado pelo movimento indígena ao Ministério da Justiça e a Polícia Federal então passou a investigar a biopiratia.

Sônia Menezes vendia um "palito" com 200 doses de kambô por R$ 18 mil. Quando se viu perseguida pela PF, desapareceu e abandonou em São Paulo e Belo Horizonte o grupo de cinco índios katukina que havia levado para auxiliá-la no comércio de kambô nas grandes cidades.

Três deles já conseguiram retornar para Cruzeiro do Sul no dia 10 de janeiro, mas um homem, o pajé Francisco de Assis e uma mulher, conhecida como Lucimilda, permanecem abandonados em Curitiba. Não falam português e não têm dinheiro para custear a viagem de volta ao Acre.

Anteontem, os dois conseguiram telefonar para o parente Fernando Katukina, que é uma liderança na aldeia Campinas. O pajé chorou e demonstrou arrependimento pelo que fez. Sônia Menezes havia levado o grupo contrariando recomendações da maioria da comunidade.

Conversei hoje com o Fernando Katukina, que vai recorrer à Funai para ajudá-lo a trazer os dois índios de volta ao Acre. O caso ilustra bem como a biopirataria pode causar sérios problemas numa comunidade. Assista (abaixo) a entrevista com o agente de saúde indígena, que participa aqui em Cruzeiro do Sul do seminário "Ciência e saber na Amazônia: o valor do conhecimento".

FERNANDO KATUKINA

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

O MAIS OCIDENTAL

Estou em Cruzeiro do Sul, a cidade onde nasci e vivi até os 15 anos de idade. Às 18h01, na saída do aeroporto, avistei essa paisagem. É aqui onde o Sol deixa de iluminar por último quem vive no extremo-oeste do Brasil.

ARCO-ÍRIS



Arco-íris em Cruzeiro do Sul, às 17h58.

SUSTO NA EXPEDIÇÃO



Por Elson Martins

Faltou pouco para que a Expedição Foz do Breu II perdesse, por volta das 14 horas de quarta-feira, 15, três de seus membros: o desembargador Arquilau de Castro Melo, o paleontólogo Alceu Ranzi e o jornalista Elson Martins, além do cabo Eder do Corpo de Bombeiros.

Os quatro ocupavam a lancha "voadeira" cujo motor falhou na saída do porto de Thaumaturgo e, em poucos segundos, foram arrastados pela forte correnteza do rio Juruá contra uma balsa ancorada, perigosamente, um pouco abaixo.

"Trepem na balsa: a canoa vai virar!" –gritaram os experientes tripulantes do barco Bruno encostado no barranco a 50 metros, enquanto uma segunda "voadeira" (conduzida pelo também cabo, J.Soares) se aproximava jogando uma corda para puxar a embarcação em risco.

O desembargador, o jornalista e o paleontólogo se salvaram agarrando nas grades da balsa; com isso a canoa, mais leve sem a carga foi puxada. O procurador e cineasta Rodrigo Neves fotografou a cena (ver fotos) mostrando a gravidade da situação.

Um acidente semelhante aconteceu na manhã seguinte: a baleeira de 22 toneladas alugada ao Governo do Estado, para o programa Luz para Todos, foi também jogada de encontro à balsa. O dono, Joilson Melo, sofreu prejuízos com a quebra do mastro e do balaústre dianteiro do barco.

Os moradores de Thaumaturgo lembram de outros acidentes em decorrência da posição inconveniente da balsa naquele porto. Mas ninguém reclama, oficialmente, porque a embarcação está ocupada por soldados do exército, que a utilizam como dormitório.

Desembargador herói
A "voadeira" da expedição Foz do Breu II não emborcou e foi arrastada para baixo da balsa com seus ocupantes porque o desembargador Arquilau, que se encontrava no banco da frente, segurou por alguns instantes, com firmeza, a corda lançada pelo cabo João, da outra canoa. A corda retesou, ele caiu, mesmo assim conseguiu amarra-la e se levantar para também se pendurar nas grades da balsa, enquanto o cabo Eder permanecia agarrado ao motor.

O jornalista Elson Martins, 66, com problemas de pressão alta, não soube explicar depois onde conseguiu forças para se pendurar na grade que fica a cerca de um metro e meio da lâmina d’água. Mas, permaneceu com as pernas tremendo por algum tempo depois do susto.

Bem humorados, os membros da expedição brincaram com o final feliz do acidente. Passaram a chamar o desembargador de "Meu Herói"; e, ao jornalista, de "Homem Aranha".

Brincadeiras à parte, a balsa ocupada pelos militares do exército continua no local como uma armadilha contra os navegantes da região. O prefeito de Thaumaturgo, Itamar de Sá, informou que já fez ofício ao exército pedindo que mandasse ancorar a embarcação em outro local, mas não recebeu resposta.

Possuindo grande calado, e ancorada em posição transversal à correnteza do rio Juruá, a balsa funciona como uma pedreira barrando o curso normal das águas e gerando uma força que as empurra para baixo. Quem cair ali, não importa que saiba nadar bem ou esteja protegido por salva-vidas, vai para o fundo; e dificilmente escapará de morrer asfixiado.

(*) Elson Martins é jornalista e colaborador do blog. Foto: Rodrigues neves.

CALANGO



O crédito da foto é da Jael Bimi Jaccoud Machado.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

EXPEDIÇÃO FOZ DO BREU



Por Elson Martins (*)

A Expedição Foz do Breu II que sobe o rio Juruá refazendo o roteiro da primeira expedição realizada há três anos, já se encontra em Taumaturgo, na metade do caminho. O grupo partiu da cidade de Cruzeiro do Sul domingo à noite, num barco de porte médio com 15 pessoas a bordo.

A viagem até a Foz do Breu deve durar 10 dias, parando na ida e na volta em cidades, vilas e comunidades do Juruá. Foi incluída no roteiro uma visita a Vacapista, vila do Peru ocupada por cerca de 500 civis e militares.

Da foz, no rio Amazonas, até as nascentes, no Peru, o rio Juruá tem 3.283 quilômetros de extensão, um terço em território acreano. É um rio que faz muitas voltas e se rompe de tempos em tempos formando lagos piscosos. Nesta época de muita chuva, porém, os peixes somem e a população ribeirinha encontra dificuldades para manter sua dieta alimentar. A escassez é menor nas cabeceiras e nos afluentes.

Alimentação, entretanto, não tem sido a queixa mais freqüente feita aos membros da expedição; as famílias recorrem a alimentos como farinha, feijão, macaxeira e animais de criação (galinha e porco), afora alguma caça miúda. A reclamação é maior contra a falta de atendimento de saúde em toda região. A malária, sobretudo, grassa no vale, que possui poucos médicos e quase nenhum medicamento.

No Juruá-Mirim, afluente da margem esquerda do Juruá distante 12 horas, de barco a motor, de Cruzeiro do Sul, a expedição encontrou comunidades em situação triste.

Na Vista Bela, por exemplo, onde funciona uma escolinha precária, mas heroicamente conduzida pela professora Rosinha, existe um posto médico fechado há meses.

- É um dormitório de morcegos – define o professor José Lourival Gonçalves, da comunidade vizinha, Porongaba.

(*) Elson Martins é jornalista e colaborador do blog.

BARCA ORDINÁRIA

A barca-hospital adquirida pelo governo do Estado durante a administração do ex-governador Orleir Cameli e repassada em seguida para a Marinha, através de um trato que previa prestação de serviços médicos e distribuição de medicamentos pela corporação, navega apenas uma vez por ano nas águas do Juruá. É bela, mas ordinária, a julgar pelos comentários de quem precisa de socorros médicos.

O experiente delegado Renato Mota - com 35 anos de trabalho na Polícia Civil no Juruá e hoje residente em Thaumaturgo, - informou que na cidade o atendimento foi feito pelos médicos locais. Os pacientes iam até a balsa apenas para apanhar 3 a 4 remédios comuns. Segundo ele, o paciente nem consegue entrar na balsa, sendo atendido na ponta da prancha.

Quando os membros da expedição se encontravam na cidade de Porto Walter, na tarde de segunda-feira, a suntuosa embarcação que vinha da Foz do Breu ancorou por lá. Ela é de fato um espetáculo de construção naval, com beleza e luxo para ser apreciada à distância.

Os membros da expedição – desembargador Arquilau Melo, paleontólogo Alceu Ranzi, jornalista Elson Martins, procurador do Estado e cineasta Rodrigo Neves, artista plástico Marqueson Pereira, biólogo Thiado Ranzi e cinegrafista Neovan Negreiros – viajam em barco comum, dormem em redes e fazem comida a bordo.

Durante as paradas sofrem com os ataques de mosquitos. O local onde a presença dos insetos pareceu mais intensa, até agora, foi o Juruá Mirim.

- Aqui é a central dos mosquitos - explicou um morador, rindo da agonia dos visitantes.

- Talvez por isso nosso rio seja esquecido pelas autoridades - emendou outro morador.


O rio Juruá está cheio, mas com leve sinal de vazante, o que torna a subida nos barrancos enlameados bem penosa. A previsão, entretanto, é de que o nível das águas vai subir logo porque chove muito nas cabeceiras dos rios.

Essa previsão deve se confirmar com a chuva forte que recepcionou a expedição na chegada a Thaumaturgo e que se manteve na quarta-feira impedindo que os expedicionários fossem visitar os índios ashaninka no rio Amônia, utilizando lanchas voadeiras.
(E.M)

PROJETO CIDADÃO

A Expedição acompanhou até Mal. Taumaturgo a equipe do Projeto Cidadão que vai desenvolver atividades na cidade, de quinta a sábado, expedindo documentos e oferecendo outros serviços.

O atendimento se estenderá até a região do Breu e neste ano tem como novidade o credenciamento de diretores (ou professores) de 20 escolas, que passarão a fornecer certidão de nascimento a crianças de zero a seis anos.

Outra novidade é o registro de espingardas e rifles de seringueiros e ribeirinhos considerados "caçadores de subsistência". O registro, que será feito por policiais federais (integrando pela primeira vez o Projeto Cidadão), permitirá aos trabalhadores da floresta facilidades para comprar no comércio a munição necessária.


O Projeto Cidadão completou 10 anos de existência exibindo números dos quais se orgulha muito: no período expediu 285 mil documentos beneficiando pessoas que não conseguiam ter acesso a esse serviço. O projeto tem a coordenação do Poder Judiciário acreano e conta com a participação de diversos órgãos (estaduais e federais), entidades e empresas.

Na semana passada, mais de 100 pessoas trabalharam no município de Rodrigues Alves, cidade próxima de Cruzeiro do Sul na margem esquerda do Juruá. No domingo, 48 delas subiram o rio, no barco Bruno, e se encontram em Thaumaturgo. A turma, numerosa, animada e organizada se encontra instalada na Escola Justiniano Serpa, no centro da cidade. (E.M)

BIODIVERSIDADE

Começou hoje em Cruzeiro do Sul (AC), no extremo-oeste brasileiro, o seminário "Ciência e saber na Amazônia: o valor do conhecimento", onde estão sendo discutidos princípios para proteção, pesquisa e uso dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade. O evento, que é uma iniciativa da organização não governamental Amazonlink, termina no domingo.

Ele está sendo viabilizado por meio do Projeto Aldeias Vigilantes, em co-organização com o Projeto de Gestão Ambiental Integrado (PGAI), Programa de Proteção à Biodiversidade (PPBIO) e a Procuradoria Geral do Estado.

Como proteger nossos conhecimentos? Quais são as leis que protegem nossos saberes? O que é essa tal de biopirataria? Como a gente faz para denunciar coisas que ocorrem na nossa área que não estejam de nosso acordo? Quem quiser saber sobre nossos conhecimentos deve fazer o quê? Como a gente lida com essa gente? Quem são essas pessoas? Se a gente faz um acordo com esse povo (pesquisadores, empresários, curiosos), quem fica com o quê?

Essas são algumas das perguntas que permeiam reuniões comunitárias em aldeias indígenas, ribeirinhos, seringueiros da Amazônia, mesmo que o foco da reunião não seja a questão da biopirataria. Mais informações estão disponíveis neste blog e no site da Amazonlink. Assista, abaixo, a entrevista com o presidente da organização, Michael F. Schmidlehner.