quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Federação Huni Kuin pede divulgação do nome de indígena preso suspeito de estupro e porte de cocaína no rapé

Bainawa Baikana está preso em Feijó - Foto: Facebook

O presidente da Federação do Povo Huni Kuῖ do Estado do Acre (Fephac),  Ninawa Inu Pereira Nunes Huni Kui, enviou nota de esclarecimento a respeito da postagem, neste blog, intitulada “Indígena é preso com cocaína no rapé; maconha e folha de coca são moda em aldeias do Acre”.

A Fephac, representante da etnia, composta só no Brasil por mais de 12 mil pessoas, pede "que quando a acusação incidir sobre uma pessoa, essa pessoa seja indicada, e não apenas o povo a que pertence, para que o suposto crime do indivíduo não seja atribuído a todo um povo como temos visto ocorrer nesta última semana em face da divulgação deste caso".

O blog havia optado por omitir o nome e o real motivo da prisão: o indígena Bainawa Baikana, registrado como Raimundo Nonato Rodrigues de Carvalho, de 37 anos, foi flagrado com rapé contento substância derivada de folha de coca quando a Polícia Civil do Acre cumpriu, na tarde de 5 de agosto, em Feijó, mandado judicial de prisão, pois ele é acusado por parentes de sua etnia de estupro de vulnerável.

Trecho do boletim da Polícia Civil
— E no tocante à questão específica do rapé, esclarecemos que o rapé feito pelo povo Huni Kuῖ na forma tradicional não contém folhas de coca in natura e/ou de algum subproduto da mesma como a cocaína que jamais, em qualquer tempo poderá ser considerada como tradicional de nosso povo. Inclusive, uma das iniciativas que a FEPHAC está desenvolvendo é justamente a criação de um selo que ateste a qualidade e autenticidade de nossos produtos - afirma a nota.

E sobre esse ponto específico, a Fephac assinala que "pairam dúvidas sobre a veracidade da informação divulgada. Para a entidade, "é recomendável que se possa conhecer e divulgar amplamente todos os resultados laboratoriais capazes de atestar sem qualquer dúvida que, de fato, o indígena preso portava a substância noticiada, mas, ainda que isto seja comprovado neste caso específico, reiteramos a imprescindibilidade de diferenciar a pessoa de seu povo, e do mesmo modo, a substância que o mesmo portava do rapé que é produzido de forma tradicional e pelo povo Huni Kuῖ".

Embora bastante esclarecedora, a nota da Fephac não comenta sobre a acusação de estupro e sobre o plantio e consumo crescente de maconha nas aldeias indígenas. A pedido da Funai, o indígena Bainawa Baikana está preso numa unidade do Instituto de Administração Penitenciária do Acre (Iapen), junto ao quartel da PM em Feijó. O secretário de Justiça e Direitos Humanos, Nilson Mourão, pediu que seja garantida a integridade física do indígena.

A Funai solicitou nesta quarta-feira (23) que a Delegacia da Polícia Federal em Cruzeiro (AC)  realize exame laboratorial mais acurado para confirmação do resultado do narco-teste realizado no ato do flagrante pela Polícia Civil.

Nota de esclarecimento da Federação do Povo Huni Kuin do Acre

Na qualidade de instituição representativa máxima do povo indígena Huni Kuĩ no Brasil, que agrega as diversas associações, organizações e comunidades Huni kuĩ em território brasileiro, a Federação do Povo Huni Kuῖ do Estado do Acre – FEPHAC – NUKUN HUNI KUINEN BEYA XARABU TSUMASHUN EWAWA, vem se manifestar publicamente acerca da matéria “Indígena é preso com cocaína no rapé; maconha e folha de coca são moda em aldeias do Acre”, publicada pelo senhor Altino Machado na data de 21/08/2017. Sobre o assunto temos a manifestar o quanto segue:

I. Desde a sua fundação no ano de 2006, a FEPHAC tem buscado a proteção dos direitos culturais do povo huni kuĩ, através do estabelecimento de uma agenda positiva com as instituições competentes, notadamente a Funai, o Ministério Público Federal, Ministério da Cultura, IPHAN, IBRAM, CISGEN e Ministério das Relações Internacionais, dentre outros.

II. Da mesma maneira, a preocupação com o modo como gerimos e protegemos a nossa cultura não é ausente e tem sido alvo de intensas discussões pelas lideranças huni kuĩ em suas terras indígenas, e, do mesmo modo, nas Assembleias Coletivas da Federação.

III. Cabe citar a propósito, que foram realizadas, nos anos de 2015, 2016 e 2017 as três grandes assembleias do povo huni kuĩ, onde, dentre outras coisas, foi debatido o assunto da autorização para realização de pesquisas ligadas a conhecimentos tradicionais do povo huni kuĩ, a saída de pessoas huni kuĩ nas chamadas ‘viagens de divulgação da cultura’, a diferença do uso tradicional dentro das Aldeias das medicinas consideradas sagradas e a banalização dessas fora da aldeia, assim como também a entrada de não-indígenas nos territórios huni kuĩ.

IV. Do resultado dessas Assembleias e dos amplos debates, tivemos como resultado a aprovação do Estatuto e do Regimento da Federação do Povo Huni Kuĩ e, também a partir desses fóruns decisórios coletivos, estamos trabalhando na criação do Protocolo Comunitário de nosso povo, sendo nossa intenção sempre que estes instrumentos sejam criados com o acompanhamento e apoio do Órgão Indigenista, bem como será divulgado para todas as instâncias competentes e instituições parceiras, tanto para que o mesmo seja conhecido, como para que também tenhamos o auxílio necessário para a sua efetividade.

V. Dentre as regulamentações que internamente já estabelecemos e estão funcionando deste o ano passado, está o instrumento de anuência para a aprovação da saída de pessoas huni kuĩ para as chamadas ‘viagens de divulgação da cultura’, as quais devem atender sempre aos seguintes requisitos: ter comprovada autorização de sua comunidade de origem, e informar à Federação Huni Kuῖ com antecedência a finalidade, o local de destino e os objetivos da viagem, assim como também pelo menos um contato de pessoa na cidade destino que se responsabilizará pelo huni kui convidado desde a saída da TI até o seu retorno, quando, inclusive, espera-se que a pessoa que viajou preste contas dos resultados obtidos em sua viagem. Além disso, o documento de anuência indica ao huni kuĩ que empreende a viagem que ele se compromete a não realizar quaisquer atos que venham a ser danosos à cultura huni kuĩ o à cultura indígena em geral, sob pena de responder por isso inclusive criminalmente. Por óbvio, aquele que viaja também deve ter conhecimento que deve respeitar às leis vigentes no país.

VI. Fica compreendido, também, que aqueles que se convidam a pessoa huni kui para realizar essas viagens, respondem solidariamente por quaisquer ilícitos que venham a ser cometidos durante o curso da viagem.

VII. Esclarece-se que estas medidas não têm qualquer objetivo proibitivo ou de controle à livre circulação e manifestação, mas tem a intenção de acompanhar tais tratativas e prestar auxílio em situações de conflito, não sendo cabível que, no entanto, a Federação, as comunidades ou o Povo Huni Kuῖ respondam por atos ou tenham o seu nome envolvido em acusações a respeito de condutas de indivíduos que não respeitam esse procedimento, e que não têm autorização de sua comunidade para viajar ou falar em nome do povo.

VIII. Reiteramos que estamos ampliando o diálogo e o debate com os órgãos competentes para divulgar cada vez mais este instrumento, e, ao mesmo tempo, buscar ações de conscientização no interior de nossas comunidades Huni Kuῖ, para que compreendam a necessidade de termos zelo pela nossa cultura e imagem.

IX. Nesse sentido, ressaltamos que Huni Kuῖ é o nome de um povo composto hoje só no Brasil por mais de 12 mil pessoas e, portanto, este nome deve ser respeitado seja por qualquer instituição, pessoa ou meio de comunicação, e nesse sentido, indicamos que quando a acusação incidir sobre uma pessoa, essa pessoa seja indicada, e não apenas o povo a que pertence, para que o suposto crime do indivíduo não seja atribuído a todo um povo como temos visto ocorrer nesta última semana em face da divulgação deste caso.

X. Cabe acrescentar também, que somente quem tem legitimidade para dizer quem é ‘pajé’ ou não é sempre o próprio povo, razão pela qual não reconhecemos títulos auto-atribuídos, e muito menos aqueles atribuídos por terceiros que não pertencem ao nosso povo e nem possuem compreensão da cultura.

XI. E no tocante à questão específica do rapé, esclarecemos que o rapé feito pelo povo Huni Kuῖ na forma tradicional não contém folhas de coca in natura e/ou de algum subproduto da mesma como a cocaína que jamais, em qualquer tempo poderá ser considerada como tradicional de nosso povo. Inclusive, uma das iniciativas que a FEPHAC está desenvolvendo é justamente a criação de um selo que ateste a qualidade e autenticidade de nossos produtos.

XII.
E sobre esse ponto específico, a respeito do qual pairam dúvidas sobre a veracidade da informação divulgada, indicamos que é recomendável que se possa conhecer e divulgar amplamente todos os resultados laboratoriais capazes de atestar sem qualquer dúvida que, de fato, o indígena preso portava a substância noticiada, mas, ainda que isto seja comprovado neste caso específico, reiteramos a imprescindibilidade de diferenciar a pessoa de seu povo, e do mesmo modo, a substância que o mesmo portava do rapé que é produzido de forma tradicional e pelo povo Huni Kuῖ.

Sem mais pelo momento, nos colocamos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessários sobre os assuntos aqui comentados, ou sobre o povo huni kui. Tais esclarecimentos poderão ser prestados também pelo telefone: (68) 99901-7161 ou através do email fephac16@gmail.com.

Cordialmente,

Ninawa Inu Pereira Nunes Huni Kui
Presidente da Fephac

Um comentário:

Alberto Groisman disse...

A preocupação da federação é muito relevante. Quando se menciona alguém no noticiário não se diz o "branco" João de Tal foi preso com cocaína. Ou, maçon José foi preso com maconha. Categorias sociais classificatórias podem de fato ser formas de preconceito.