sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Procurador que levou Hildebrando para a prisão defende direitos do ex-coronel

“Não aprecio Hildebrando Pascoal Nogueira Neto, mas ele é um preso, e tem direitos previstos na Lei de Execuções Penais, e tendo estes direitos, estes devem ser respeitados”, afirma Luiz Francisco Fernandes de Souza



O crime organizado que imperava no Acre sob a liderança do então coronel da Polícia Militar Hildebrando Pascoal Nogueira Neto, 63, foi enfrentado em meados da década de 1990 pelo procurador da República Luiz Francisco Fernandes de Souza, 51, que chefiava o Ministério Público Federal no Estado. Quando as autoridades estaduais se aliavam ou se acovardavam diante de Hildebrando Pascoal e seu bando, o procurador desembarcou em Rio Branco e tratou de reunir provas das barbaridades.

Meticuloso, elaborou um relatório, se articulou com jornalistas, defensores dos direitos humanos e desembargadores. Paulatinamente, mobilizou outras autoridades numa ação de coragem e persistência que culminou com a cassação do mandato e prisão de Pascoal.

Muita gente leva fama de ter combatido o crime organizado no Acre e de tê-lo desmobilizado com a prisão de Hildebrando Pascoal. Lideranças políticas da coligação Frente Popular do Acre não cansam de dizer que combateram o crime organizado, embora à época tivessem o medo que ainda conservam em relação ao ex-coronel. Alguns tiveram importante papel na esfera política, mas não fundamental, e nem tanto quanto eles próprios costumam apregoar.

O artífice mesmo da proeza foi o procurador da República Luiz Francisco, considerado louco por uns, inconsequente por outro tanto, mas que colocou a sua coragem e autoridade à serviço da sociedade acreana.

Nos últimos 16 anos, os governadores do PT distribuíram muitas comendas a centenas de personalidades, incluindo notáveis pilantras, mas o nome do procurador foi sempre descartado por nunca ter cedido aos caprichos do partido.

O que mais se debate no Acre nas últimas semanas é a iminente saída de Hildebrando Pascoal de um pressío de segurança máxima para gozar do regime semiaberto, após quase 16 anos de prisão.

A ordem de soltura concedida na terça-feira (4) pela juíza Luana Campos, da Vara de Execuções Penais, foi suspensa no dia seguinte em decorrência de um mandado de segurança interposto pelo Ministério Público do Acre deferido liminarmente pelo desembargador Roberto Barros.

O homem que liderou a desmobilização do crime organizado com a cassação e a prisão de Hildebrando Pascoal e seu bando -apenas o ex-coronel permanece preso- jamais aceitou segurança da Polícia Federal para se proteger das ameaças que pairavam sobre sua vida.

Luiz Francisco, que nasceu e mora em Brasília, responde atualmente pelo 23º Ofício da Procuradoria Regional da República da 1ª Região. Nesta quinta-feira (6), enviei e-mail ao ex-chefe do Ministério Público Federal no Acre expondo, em tom pessoal, que poderia alegar que não tenho motivos para torcer que a Justiça conceda o benefício da progressão do regime ao ex-coronel.

Lembrei ao procurador que Hildebrando Pascoal, mais conhecido como “homem da motosserra”, achava que detinha poder sobre a vida de todos, incluindo a minha, em dois momentos - quando me ameaçou de morte ao entrevistá-lo com exclusividade e quando mandou que seus homens me caçassem em Rio Branco para me matar por imaginar que eu fora o autor da reportagem de capa de uma revista de circulação nacional.

Também lembrei que no bando havia assassinos comprovadamente mais cruéis do que o ex-coronel. Indaguei ao procurador se a lei é mesmo para todos e eu mesmo respondi que, em caso afirmativo, é justo que o libertem e a todos os que estão com a progressão da pena vencida, sem confundir política partidária com execução penal, nem criminosos com heróis.

Ao chegar ao escritório em Brasília, Luiz Francisco telefonou para avisar que havia respondido minha mensagem. Gravei a conversa ao telefone, cujo áudio é reproduzido em formato de vídeo. Durante a conversa o procurador assume um tom mais incisivo do que na resposta que enviou e que reproduzo a seguir:

"Caro amigo Altino,

Eu também sou favorável, pois se ele cumpriu o tempo, tem direito.

E se ele quisesse se vingar de mim ou Gercino José da Silva, há assassinos pagos, não era preciso estar solto para vingar-se.

Não é possível prever o futuro, pois o futuro não existe, uai.

Só Deus é que prevê, pois é mais inteligente e controla os fluxos das coisas e por isso pode prever.

As previsões humanas são precárias. E uma previsão falha não justifica aumentar a pena.

O tal exame criminológico solicitado pelo Ministério Público do Acre é um absurdo, pois é um instituto maluco, do tempo que o Código Penal adotava o sistema misto, com resquício positivista, mesclando pena e medida de segurança.

Nunca aceitei a ideia em desuso do exame, que quase não é adotado em nenhuma Vara de Execuções Penais.

Sou garantista, ligado a Eugenio Raúl Zaffaroni, que é ligado a Teologia da Libertação. Então, se o preso tem um direito, este direito é sagrado.

Não aprecio Hildebrando Pascoal Nogueira Neto, mas ele é um preso, e tem direitos previstos na Lei de Execuções Penais, e tendo estes direitos, estes devem ser respeitados.

Se quer publicar esta resposta, pode publicar, pois só digo o que penso.

Um velho jurista chamado Luis Jiménez de Asúa defendia as teses do cristianismo penal, que são as teses de juristas católicos como Francesco Carrara, o maior expoente da Escola Clássica de direito penal.

O humanismo é a base do cristianismo, e deve inspirar todos os ramos do direito.

Toda aplicação de Direito deve combinar justiça e misericórdia, algo que meu finado pai sempre me ensinou, desde criança.

Então, se um preso tem um direito, a Justiça deve conceder.

Quando eu estava no Acre, pagava de meu bolso a irmã Teresa, da Pastoral Carcerária, para visitar o presídio, e levantar as queixas dos presos, para levar estas queixas ao Conselho Penitenciário.

Enfim, pode ser Hildebrando Pascoal, ou qualquer outro, se o preso tem um direito, a Justiça deve conceder.

O ideal cristão é a abolição futura das penitenciárias e que só existam penas abertas, restritivas, pois o ideal cristão é a regeneração dos criminosos, para que possam ter uma vida digna e plena.

Luiz Francisco”

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