segunda-feira, 1 de junho de 2015

A lei, a norma e a farsa na Ufac

POR GERSON ALBUQUERQUE

Em 5 de janeiro de 2015, a então Diretora do Centro de Educação, Letras e Artes (Cela), Professora Dra. Grace Gotelip, após cumprir todos os protocolos institucionais, desligou-se do cargo para assumir uma pasta na “administração superior” da instituição, abrindo uma inusitada situação de vacância na direção desse centro que ocupa uma posição de destaque no campo da formação de professores na Universidade Federal do Acre (Ufac). Poucos dias após, em seu lugar, assumiu a vice-diretora, que passou a assinar como “diretora em exercício”, denominação que, mais recentemente, foi reduzida para “diretora”, com “d” minúsculo em todos os sentidos.

No entanto, a permanência da vice-diretora, respondendo pela direção do Cela, a partir de 5 de março, passou a representar algo não apenas intolerável, mas abusivo. Abusivo, para que não cause mal-entendidos, decorrente de abuso. Aqui adotado, literalmente, no sentido conferido por Aurélio Buarque de Holanda (2010) como: “...2. Exorbitância de atribuições ou poderes. 3. Aquilo que contraria as boas normas, os bons costumes...”.

Abusivo porque ultrapassados os sessenta dias no exercício de um cargo para o qual não foi eleita e, indiferente ao que mandam a lei e as normas regimentais, a vice-diretora não podia mais continuar assinando documentos, convocando e presidindo assembleias, autorizando ou desautorizando esse ou aquele servidor e respondendo na condição de diretora, posto que não tinha – e não tem – mandato legal para isso, tornando questionável cada um de seus atos, posto que diretora não é: não foi legalmente eleita ou “escolhida” para isso.

A situação da vacância na direção do Centro de Educação, Letras e Artes é emblemática para evidenciar o quanto o reitor da Ufac e seus assessores não cumprem in totum o que mandam as normas internas, ferindo um dos princípios basilares dos deveres de todo gestor desta instituição de ensino: cumprir e fazer cumprir a legislação. Determinados assessores, espécie arcaica de “resident evil”, dos gabinetes da reitoria poderiam fazer jus aos seus cargos se cumprissem algum papel na gestão universitária, isto é, se desempenhassem seu trabalho de assessorar o chefe. Nesse caso, poderiam começar pela [ausência de] direção do Cela, fazendo ver ao “magnífico” que, desde o dia 5 de março, a vice-diretora está sem mandato legal para responder administrativamente pela direção daquele centro.

Aos intransigentes e superficiais defensores da reitoria da Ufac – plateia seleta e carimbada dos “espetaculares” cafés da manhã para a imprensa local e “atividades correlatas”, inaugurações de chafarizes, quiosques, garagens, praças e blocos de salas com qualidade duvidosa – sugiro que exercitem sua tolerância para reconhecer que, “salvo melhor juízo”, a legislação federal determina que, em casos de vacância do cargo de Diretor de unidade universitária, o processo de escolha de novo Diretor deverá ser realizado “no prazo máximo de sessenta dias”, após o início da referida vacância (vide o Decreto nº 1.916, de 23 de maio de 1996, que “regulamenta o processo de escolha dos dirigentes de instituições federais de ensino superior, nos termos da Lei n° 9.192, de 21 de dezembro de 1995”).

Contudo, para quem não tem tolerância com a legislação federal, sugiro que vá direto ao artigo 64, parágrafo 4º, do Regimento Geral da Ufac, que não deixa margem para outras interpretações: “no caso de vacância do cargo de diretor, a diretoria será exercida pelo vice-diretor, que, além das atribuições normais, convocará a Assembleia de Centro para, no prazo máximo de sessenta dias, realizar eleições para diretor, em conformidade com a legislação vigente”.

Frente a esse cenário em que a lei e a norma são morbidamente ignoradas e a farsa ocupa o plano central da cena, com a certeza de que as congregações de falsos moralistas nada dirão sobre essa (in)tolerante não observação da legalidade/moralidade na condução da coisa pública, resta-nos torcer para que as articulações da reitoria, no afã de decidir previamente quem será o próximo diretor ou diretora do Centro de Educação, Letras e Artes não descambe para o tráfico de influência, com o reitor assumindo o simbólico papel de coronel de barranco, redistribuindo CDs e FGs ou realocando-as na forma de promessas e miríades pastorais para um futuro próximo.

Na base do “remendo novo em vestido velho”, ao final da tarde do dia 25 de maio de 2015, cento e quarenta dias após a vacância na direção do Cela, foi publicado o edital de eleição para o cargo de diretor(a), com inscrições entre os dias 26/5 a 1/6 e eleição no dia 15/6. Que prazos são esses? Que tipo de articulação nefasta ao amplo e democrático debate de ideias orientou a definição desse esdrúxulo calendário eleitoral? Nos corredores paroquiais corre à “boca pequena” que a “administração superior” (what?), já reordenou a correlação de forças internas para previamente decidir o resultado da eleição. Nesse jogo de “fantasia de poder” velhas rivalidades são deixadas de lado e adversários de longo curso revogam seus credos, ansiosos pelas “novas tecnologias” do momento, na expectativa de assumir os “pequenos podres poderes” de uma “máquina” desgovernada.

As maquinações para justapor interesses alheios à gestão de uma unidade de ensino, sejam eles quais forem, não podem ser tratadas como algo natural em uma universidade marcada por uma preocupante fissura no tripé ensino-pesquisa-extensão e num contexto histórico no qual a carreira docente e a própria instituição encontram-se ameaçadas pelas ingerências de políticas de governos que entregam as instituições públicas à lógica do mercado, promovendo parcerias que aviltam e corroem a coisa pública em benefício da privada.
 
Edital de eleição lançado ao final do dia que antecede ao início do período de inscrições de candidaturas ao cargo de diretor(a) do Cela, com o estabelecimento de apenas cinco dias úteis para tais inscrições, após cento e quarenta e cinco dias de vacância. Alguém duvida que as cartas já estejam marcadas? Aos que ainda tem a capacidade de se indignar e de refletir sobre as coisas de seu cotidiano no espaço público, não creio que deva interessar um processo plebiscitário, legitimador de um tipo de ingerência eleitoral que, nem de longe, encontra eco nas lutas que travamos para assegurar eleições diretas e igualitárias para a escolha dos gestores e para a ampla democratização da universidade pública.

Gerson Rodrigues de Albuquerque é professor associado no Centro de Educação, Letras e Artes Universidade Federal do Acre

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