quinta-feira, 5 de março de 2015

Durante cheia histórica do Acre cresce fluxo de imigrantes e falta água em abrigo


O abrigo para imigrantes, mantido pelos governos federal e estadual, em Rio Branco (AC), cuja população padece por causa da enchente histórica do Rio Acre, está superlotado e passou o dia sem água. Atualmente, estão abrigados na Chácara Aliança, na periferia da cidade, 849 imigrantes, sendo 729 haitianos e 120 senegaleses.

Na semana passada, quando a cheia do Rio Acre começou e praticamente devastou o município de Brasileia, na fronteira com a Bolívia, o governador Tião Viana (PT) pediu, em documento enviado à Presidência da República, para que fossem tomadas ações de conscientização dos haitianos sobre os perigos de vir ao Brasil tendo o Acre como rota de entrada.

Viana sugeriu ao governo federal que ao menos avisasse ao governo do Haiti sobre a restrição da saída de pessoas de Porto Príncipe, capital do país. Sugeriu ainda que, se saírem, que saiam com visto para entrar em qualquer Estado brasileiro, mas não venham para o Acre – escolham outra rota.

O governador argumentou que o Acre não tem condições de fazer acolhimento dos imigrantes e assinalou que eles passavam por privações. Porém, o apelo não surtiu efeito e o que se constatou foi o crescimento do fluxo de imigrantes caribenhos e africanos de passagem pelo Acre em busca de trabalho e melhores condições de vida em outros Estados.

Nas últimas duas semanas, 320 imigrantes entraram em território brasileiro a partir do município de Assis Brasil, na tríplice fronteira Peru, Brasil e Bolívia, sendo que a média era de 40 a 50 no mesmo período.

Na quarta e quinta-feira, 370 imigrantes chegaram ao abrigo público, em Rio Branco, onde o acolhimento inclui alimentação e apoio para obtenção da documentação necessária para que possam seguir viagem com destino a outras regiões do país.

O Acre continua despachando para São Paulo um ônibus a cada dia lotado com 44 imigrantes, mas o transporte gratuito tem sido insuficiente para diminuir a presença deles no abrigo. A situação se agravou nos últimos dias por causa da calamidade decorrente da enchente.



Cada imigrante que chega ao abrigo demora ao menos um mês. A Polícia Federal não tem condições de expedir mais de 30 protocolos e cada documento demora de quatro a cinco dias para ficar pronto.

A Secretaria de Desenvolvimento Social (Seds) e a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) são responsáveis pelo atendimento aos estrangeiros que ingressam pelo Acre. Um funcionário do governo estadual disse que a falta de água decorre da capacidade de armazenamento da cisterna. A água teria ficado insuficiente para atender a enorme quantidade de imigrantes, que se abastecem na vizinhança do abrigo com o uso de garrafas plásticas.

Como a gestão do abrigo é compartilhada, a reportagem procurou o titular da Sejudh, Nilson Mourão, mas não foi atendida ao telefone. O secretário Gabriel Gelpke, da Seds, explicou que equipes das duas secretarias se alternam na gestão do abrigo a cada semana.

- A gestão do abrigo durante esta semana está sob a responsabilidade da equipe da Sejudh. Minhas equipes estão todas mobilizadas no atendimento das vítimas da enchente, mas me comprometo a verificar o problema. Continuaremos a envidar todos os esforços para garantir a qualidade do acolhimento aos imigrantes - disse Gelpke.

Os primeiros registros de haitianos nas cidades acreanas de fronteira (Assis Brasil, Brasiléia e Epitaciolândia) são de dezembro de 2010, com a chegada de 37 imigrantes, todos homens e jovens, antes mesmo de a rodovia Interoceânica, que liga o Acre ao Peru, ter sido inagurada.

Em 2011 e 2012 os números foram de 1.175 e 2.225 imigrantes, respectivamente. Aumentou em 2013, com a chegada de 10.779 haitianos. A tendência de crescimento continuou e até dezembro de 2014 estima-se a passagem de mais de 31 mil imigrantes pela fronteira acreana, principalmente haitianos, mas também de outras nacionalidades.

- Nos últimos dois anos, é notável o crescimento do número de mulheres, crianças e idosos compondo os grupos que chegam ao Acre. A maioria, porém, ainda é representada por homens jovens, de 20 a 40 anos, mas com a presença de percentual significativo de imigrantes acima de 40 anos e de menores de 18 anos - dizem as professoras Letícia Helena Mamed e Eurenice Oliveira de Lima, ambas da Universidade Federal do Acre, que lideram o Grupo de Pesquisa Mundos do Trabalho na Amazônia, e se dedicam a estudar o fluxo de caribenhos e africanos no âmbito do movimento internacional de trabalhadores.

De acordo com as professoras, o fluxo permanece contínuo e crescente com imigrantes pela fronteira acreana em torno de 16 diferentes nacionalidades, indocumentados e vítimas do aliciamento de redes de coiotagem e tráfico humano. Elas consideram que o fluxo é parte dos novos movimentos migratórios em expansão no mundo e expressão da tendência de precarização estrutural do trabalho em escala global.

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