domingo, 24 de novembro de 2013

Tapurus na democracia

POR RONNEY SILVA DE ARAÚJO

Aconteceu esta semana em Rio Branco mais uma edição do festival de cinema Pachamama. O chamado “cinema de fronteira” me chamou a atenção por dois aspectos. O primeiro, inevitável, foi a presença de uma figura tipicamente brasileira: o cineasta e ator José Mojica, popularmente conhecido como “Zé do Caixão”. Ouvi, atentamente, a uma entrevista concedida por ele na rádio governamental. Ironicamente um questionador nato como ele na rádio “chapa branca”. No momento em que falou que o verdadeiro terror não seria propriamente um cemitério na madrugada, mas a corrupção dos políticos, percebi a aflição na voz do locutor-apresentador. A entrevista foi encerrada rapidamente.

Ocorre hoje, no Acre, algo que instiga minha consciência: um grupo político, dito de esquerda, após mais de dez anos no poder, manipula ostensivamente as mídias. A ponto de chegar ao cúmulo do ridículo de haver nos quatro jornais diários em circulação, manchetes com a mesma foto e, não raro, a mesma construção textual.

Jornalistas são demitidos de suas emissoras ou redações por produzirem matérias que desagradam aos mandatários. Certa jornalista de emissora de TV foi publicamente chamada atenção pelo governador, em pessoa, por ter noticiado... um latrocínio.

O recente episódio dos “tapurus” nas marmitas do Hospital das Clínicas, de triste lembrança para o jornalismo acreano e para a própria democracia, levou-nos a todos a reflexões sobre as relações de poder e a informação.

Como pode um governo, democraticamente eleito e, portanto, portador do mandato outorgado pela coletividade para, em nome dela, governar, tentar manipular a informação de maneira tão despudorada?

É evidente que a defesa da qualidade e da lisura devem ser suas preocupações primeiras, mas reunir a imprensa para, antes de qualquer investigação formal e confiável, anunciar que se trata de uma sabotagem! E pior, lançar suspeitas sobre os repórteres que noticiaram o fato!

As provas, até que apareça outra versão, foram rapidamente destruídas. Será que o Instituto de Criminalísticas realizou exames antes que as marmitas fossem, todas, atiradas ao lixeiro? Será que aqueles pacientes, que ali estavam naquela noite de sexta-feira, estavam todos mancomunados, prontos a tomar parte de uma “conspiração da oposição”?

Será que questionar as coisas, hoje no Acre, será sempre e inevitavelmente “coisa de quem não ama o Acre”? Será que centenas de pessoas perderam a vida durante a Ditadura Militar, de triste lembrança, para termos esse arremedo de democracia? Onde o que busca a verdade é o subversivo. Onde aquele que questiona uma ação governamental, bancada com dinheiro que nos é arrancado na marra com essa carga tributária imoral, é o errado, é o chato questionador que precisa ser silenciado de qualquer modo.

Repito o que afirmei em texto produzido meses atrás acerca da PEC 37: o momento é grave. Grave porque nossos valores democráticos estão sendo açoitados em praça pública e nós todos, ainda deslumbrados com as pontes, com as passarelas e com os parques, estamos que como anestesiados. Tal qual o “Mito da Caverna”, nossos olhos viram a “luz” das obras brilhar sobre as “trevas” da lama e do esquecimento e realmente acreditamos que eles são os nossos salvadores. Que sem eles o Acre e os acreanos morrem de fome e de sede. Que só eles sabem fazer bem feito. Que todos os outros são ladrões e mentirosos. Que quem não está com eles, está contra o Acre e os acreanos. Será?

Outra coisa que me chamou a atenção no festival foi o lançamento do documentário feito por cineastas paulistas, denominado “O Acre existe”. Além de toda carga emocional que esse título tem para nós acreanos, cujos ancestrais vieram para o Acre em busca de algo melhor do que tinham em suas terras natais, ainda temos que aturar a pseudo centralidade do Brasil no eixo Rio-São Paulo. E ainda temos que ouvir nossos representantes eleitos, com nosso voto, para não só representar nossa vontade, mas sobretudo, nossos valores, dizer que temos de alterar nosso fuso horário “para não atrasar o Acre”. Como se a proximidade do horário com Brasília ou com Rio e São Paulo fosse nos trazer “desenvolvimento”!

Novamente tentam direcionar nosso senso e nossa razão. Será que, para nosso desencanto, não estão surgindo “tapurus” em nossa jovem democracia?

Ronney Silva de Araújo é servidor público, graduado em história e acadêmico de gestão de recursos humanos

Nenhum comentário: