quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

PROVAS DA OPERAÇÃO DELIVERY SÃO NULAS

POR EMILSON PÉRICLES BRASIL
 

Vara da Infância e da Juventude (VIJ) não pode processar e julgar adultos por crimes sexuais contra vítimas menores ou crianças. Essa questão vinha suscitando debates há algum tempo. Em julgado mais recente, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que ainda tinha alguma divergência, pacificou entendimento na corte com relação ao tema ao apreciar um habeas corpus e decidir pela absoluta incompetência da VIJ de julgar tais crimes.

Os tribunais estaduais entendiam, e alguns ainda entendem, como é o caso do Tribunal de Justiça do Acre, que o permissivo constitucional imposto pelo artigo 96, inciso I, letras "a" e "d" cumulado com o inciso II, letra "d" e ainda com espeque nas determinações insertas no artigo 125, § 1.º de nossa Lei Maior, poderiam sim, criar VIJ específica para apreciação destes crimes ou ampliar-lhe disposições sobre sua competência.

Já não há mais o que se falar em divergências. Na verdade os tribunais regulamentaram que as Varas da Infância e da Juventude, ao contrário do que preceitua a Constituição Federal e o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), teriam competência para processar e julgar adultos imputáveis penalmente por crimes sexuais tendo como vítimas vulneráveis. Assim, eles ampliaram a competência destes juizados. Ocorre que esses juizados são absolutamente incompetentes, em virtude da matéria, para o processamento e julgamento destes processos criminais, à despeito das vítimas serem crianças e adolescentes.

Os artigos 145 e 148 do ECA disciplinam a competência especializada e exclusiva das VIJ, sendo defeso (proibido) aos tribunais estaduais, ainda que respaldados em legislação estadual, adicionar competências que não foram incluídas no ECA, tanto mais quando se trata de matéria que, por legislação federal diversa, está subordinado a outro órgão, ou seja, qualquer das varas criminais genéricas existem naquele estado.

Assim, no nosso entender, e da grande maioria de doutrinadores, advogados, promotores, defensores públicos, juízes e desembargadores, a atribuição de disciplinar a organização judiciária nos estados, concedida pela Constituição Federal aos Tribunais de Justiça, não lhes autoriza ou outorga o poder de revogar as prescrições da legislação federal, ampliá-las ou modificá-las.

No caso específico da ação penal que trata da Operação Delivery a VIJ não poderia ter autorizado as interceptações telefônicas e nem mandado prender ninguém. Se isso for correto quem vai julgar as pessoas denunciadas?

Quem impõe a incompetência absoluta da VIJ é a Constituição Federal e o ECA. Se as provas foram obtidas de forma ilegal elas são nulas. Não possuem nenhuma serventia. A Câmara Criminal, espero, posto que seus membros dominam o direito, determinará o trancamento da ação penal. Essa imposição é do estado democrático de direito. O que tem que ser entendido é que o foro competente para processar e julgar crimes comuns, mesmo que praticados contra vítimas menores, é o da Justiça Comum Estadual.

Os crimes, sexuais ou não, cometidos contra crianças ou adolescentes, o processo penal deve tramitar perante a Vara Criminal Comum e não na VIJ. O que seria mais grave? Um homicídio doloso contra um menor ou adolescente ou um crime contra a sua dignidade sexual? Claro que o homicídio doloso. Por que o homicídio doloso contra criança ou adolescente é processado e julgado pela Vara do Tribunal do Júri? Não deveria ser também, se houvesse permissivo legal pela VIJ? Para finalizar, alguns habeas corpus já foram julgados e a VIJ foi declarada pelo STJ absolutamente incompetente para processar e julgar adultos imputáveis que cometeram crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes.

Quanto ao processo da Operação Delivery, o juiz Dr. Romário está intimando a todos os envolvidos para que as audiências de instrução se iniciem no próximo dia 22 de janeiro e terminem no dia 2 de fevereiro. Depois, o juiz espera chegar as cartas precatórias e ouve os acusados. Posteriormente, em prazo sucessivo, comum para a defesa, para as alegações finais. Aí sai a sentença. Entendo que antes vai ter que ser decidido se a VIJ é competente ou não.

Emilson Péricles Brasil é advogado dos fazendeiros Assuero Veronez e Adálio Cordeiro, ambos denunciados na "Operação Delivery" e foragidos da Justiça.

3 comentários:

ELSOUZA disse...

Há anos comentei com alguns amigos operadores do direito sobre a legitimidade ou não do professor Antonio Manoel haver sido julgado e condenado pelo Juizado da Infância e da Juventude, na época sob a titularidade da honrada e saudosa Juíza de Direito, Dra. Maria Tapajós. Lembro-me que alguns acharam um absurdo a polêmica que iniciei por entenderem que o TJ/AC era competente para se sobrepor a uma Lei Federal, leia-se ECA, e à própria CARTA MAIOR, leia-se Constituição Federal de 1988. Fiquei calado diante das mais diversas opiniões porque nunca discuti o óbvio. Agora tomo conhecimento através deste Blog do Altino Machado, que o combativo advogado, Dr. Emilson Péricles Brasil, reascendeu a polêmica. E mais uma vez não discutirei o óbvio por entender que o STJ possui entendimento doutrinário pacífico a respeito da “ferida” que o Dr. Emilson Brasil tentará sarar. Apenas fico me perguntando como ficará a situação do apenado professor Antonio Manuel?

ELSOUZA disse...

Por oportuno, em aditamento ao meu singelo comentário anterior, ressalto que a Lei de Introdução ao Código Civil, agora com a nova nomenclatura Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, assegura o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. A priori, caso o Dr. Emilson Brasil obtenha êxito na sua acertada pretensão, a posteriori, o apenado Antonio Manoel deverá também ser beneficiado. De outra forma, no direito é assim mesmo, ele se distingue pela complexidade das opiniões, dos entendimentos e das decisões. As correntes doutrinárias são absolutamente complexas, o que é legítimo para um é ilegítimo para outro.

DoAcre disse...

Prezado Altino,
Como profissional do direito, entendo que o que se está sendo discutido não é o crime em si, más a questão da matéria.
O tipo Penal, enumerado nos artigos 218, caput e § 2º, do Codigo Penal, não está em discussão. Apenas de qual vara criminal devem ser julgado os possíveis infratores, haja vista que a constituição Federal diz que "ninguém será considerado culpado antes de transitado em julgado de sentença penal condenatoria, em que se forneça toda a ampla defesa e o contraditório.
Seja este na esfera, criminal, civil ou administrativo.
Ocorre que em razão da matéria discutida, o STJ, por maioria dos seus membros, em especial a da 5ª Turma, julgou caso idêntico ao que esta ocorrendo na Operação Delivery, deflagrada pela Policia Civil e Pelo MPE.
À luz do direito precisamos ampliar nossos conhecimentos, evitando por parte de leigos a midialização de matérias tão complexas, e deixa-las à cretério dos operadores do direito, devidamente habilitados profissionalmente para tanto.
Não se trata de boataria, o STJ, em caso idêntico já se manifestou. Os tribunais raramente julgam situações iguais de forma diferente, pois estariam pondo em cheque sua própria credibilidade e habilidade jurídica.
Cumpra-se a lei, e que judiciário trabalhe sobre o manto da legalidade e imparcialidade, seja neste, ou em outros casos Deliverys que venham a surgir.