sábado, 2 de junho de 2012

INFINITO

POR JOSÉ AUGUSTO FONTES

A infinita visão da tua passagem, da tua chegada, do teu retorno, elevou meu pensamento para adiante do sol e aconteceu que invadi o céu e penetrei o paraíso. Foi a primeira vez que alguém esteve vivo no paraíso, não sei se será a última. Nessa viagem te levei na euforia do sentimento, carregado de boas intenções, para um momento, até para dois ou três, dependendo do rendimento, até mais. E passamos pela portaria do amor sem pedir licença ao santo, ao anjo, à virgem, que fingiu que não olhou, que viu e gostou, quase sentiu. Fomos indo, suando, gerando, semeando prazer e dor, esperando colher a mão do dia seguinte, do instante do adiante, sabendo que a ilusão faz não passar tudo, faz tudo não passar, isso tudo que é simplesmente para ir, que vai ficando, um ir e vir passageiro, embora perene.

Há mesmo algo de infinito no paraíso, no teu, que quero meu. Fomos colhendo a ilusão de eternizar o momento, de ir ficando, de permanecer, de não sair do querer conhecido, da expectativa esperada. Foi quando caí do céu, de onde violei o pecado, na nascente original, mas era em teus braços que eu estava, quando acordei, quando gemi, quando calei e despejei o silêncio, quando gritei e acordei em gozo angelical. A insaciável visão do teu movimento é um vai-e-vem de desentendimentos, porque não sei o que quero mais, não sei por onde começar, onde estacionar, até onde insistir na etapa anterior, para a qual já quero voltar, sem deixar de acampar no teu olhar, que parece me levar para outro igual lugar.

E aí já há entendimentos, porque não há nenhum deles em que não te exploro, quase querendo não saber que explorado sou eu, dentro dos teus segredos que percorro, pelos caminhos das tuas evidências em que me perco, pelos lugares-comuns da tua beleza em que não me reconheço, pelo conjunto da tua obra, onde não há dúvida nem certeza, apenas constatação do envolvimento, do acabamento, do renascimento. Sou eu, por fora, pele de anjo devorando o lobo coração, coração periférico, suburbano coração, às margens do purgatório, à beira da floresta. Há mesmo muito verde no meu céu. Há mesmo outra vida, é nela que me encontro, é nela que há um espelho grande como muitos rios e igarapés, é sem fim o reflexo, há uma imagem distorcida, como no fundo de uma cacimba, por trás do embaraço, há uma jura de amor, escondendo que manipula as imagens embaçadas, o amor é mesmo cego.

Por isso me agarro em ti, sinto o cheiro, constato que há fé bastante para te possuir; que há pecado suficiente para depois disso te esquecer; que há arrependimento para salvar num arquivo os teus gritos de prazer nascente, de mulher resguardada de dor, da fêmea quieta que havia em ti, do sentimento puro que está em teu querer à flor da pele de mamões. Em ti e nas muitas virgens que há no céu, havia, há controvérsia, o buraco por onde lá penetrei as deixou sair, agora há uma dúvida, duas ou três. Como levá-las às alturas do firmamento, sem tirar os pés da terra? Há muitas crenças no amor, no meu amor insaciável, tímido, como a língua que penetra a manga madura, a goiaba vermelha, enquanto o mel escorre pela mão que prende o caroço ou a membrana.

Cabe quase tudo no paraíso em que te meti, as maçãs do teu rosto foram acariciadas antes da serpente que te encanta, nosso enamorar emocionou serafins e santas, gemeram deusas e fadas, até uma bruxa olhou e piscou enquanto se ajeitava na vassoura, por trás da lua, descendo freneticamente pelo talo comprido da samaúma. Um coral de moças preferiu cantar música de raiz, o que deu asas à seringueira, que também gostou e soltou de suas entranhas um leite grosso, que fecundou a terra, que pariu eternas canções e magias, crenças e incertezas. E nossos filhos gritaram amor para o mundo, que não sabe sentir o que sentimos quando queremos mais, mais mundo, mais vida, um infinito e eterno querer, eternas ondas e banzeiros, casto e impaciente, vibrante e celestial, um mist ério das matas e das estrelas, nosso amor de um verde maduro, duro e terno, para penetrar o céu.

E assim é, assim vai, enquanto o látex escorre, enquanto a borracha enrijeceu de novo, sem perder a ternura, São Jorge me emprestou o dragão, dei asas ao nosso sentimento, nosso calor fez cantar o sol, o gemer das meninas virou dança, envolvente dança de índios e duendes, com tridente, flecha e poção mágica nas mãos, com a jura secreta na voz, comi outras frutas moças, fiz promessas vãs, traí teu sono sereno, num ou noutro dia, fingindo ser pra sempre, passei do paraíso para a perdição sincera, até que um dilúvio acalmou todo aquele fogo, e só tua mão me conduziu pelas nuvens, mostrando que a salvação é o nosso abraço, o nosso dizer querer, o nosso fazer prazer, o nosso gesto amazÃ?nico, uma salvação que es tá para gerar um novo mundo, que chegará por um buraco no céu, feito por uma castanheira apaixonada, embriagada, que penetrou o firmamento e ali depositou a semente. E assim vai ficar, desse nosso passeio pela vida, da nossa semente que se enraíza, uma bela floresta que nos eterniza.

José Augusto Fontes é poeta, cronista e juiz de direito do Acre


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