terça-feira, 23 de agosto de 2011

AMOR MULTADO

José Augusto Fontes

Meu sonho passou da hora e foi multado no semáforo, por um tal guarda Morfeu, que não deu a mínima para as questões de foro íntimo. Estava escrito e foi dito, o mundo acaba ali na frente, não há necessidade de pressa, nem de ingresso para a estrada do além. Mas o pedágio para eventual morte pode ser pago em parcelas lentas, até em sessenta por hora, alcançando o cruzamento com a solidão estacionada no alto de uma luzinha que piscava alternando mensagens lentas que atrapalhavam uma acelerada paixão.

O nome da pressa tornou-se incompatível e o sonho tinha preço previamente estipulado no mercado globalizado das imprudências. Não era preciso correr, mas só o resultado poderia instituir a certeza, após o cruzamento com um aviso quase sinistro, não fosse um detalhe da velocidade, um pormenor da pressa, um motivo para o desencanto, que sequer teve tempo para desabrochar e estacionar. A vida entrou em contramão e a voz deu-se ao silêncio resignado. O guarda tem sempre razão.

Naquele instante, minha vida era dirigida para acima das ruas e dos semáforos, ainda que os pneus riscassem o chão e corressem pelo momento. O carro me levava para o avião que me levaria daqui, onde não te vejo nem pego, onde não te trafego nem percorro, mas o guarda não quis saber disso. Não estava escrito, não era previsto, uma coisa nada tem a ver com a outra, o trabalho precisava ser feito, não havia habilitação para o sonho. Mas, voltando à emoção, será que não daria para apressar a notificação?

Não era questão de valor, era paixão ou distância, uma tal pressa diferente, amor ausente, cuja prova ficaria gravada no papel da multa como infração grave. O amor pede prudência, certas regras, há até um código. Tudo isso e agradecimentos, o guarda ficou no retrovisor, os pneus levavam o carro e o sonho, o sentimento tinha pressa, mas o avião já estava nas nuvens, pássaro insensível. Foi por isso que no outro voo conheci Vênus, beleza infracional sem tipificação. Embarquei em outro amor e dei razão ao guarda.

José Augusto Fontes é cronista, poeta e juiz de direito acreano

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