sábado, 23 de abril de 2011

QUEM É GORE?

Fátima Almeida

Vi o filme Amelia Earhart, lançado no Brasil em março do ano passado, sobre uma mulher que nos anos 30 pilotava avião, ficando famosa depois de atravessar o Atlântico num bimotor, morrendo pouco antes de realizar o grande feito de dar a volta ao mundo. Fui praticamente abduzida pelo filme, de uma fotografia esplendorosa, sem contar que algumas cenas pareciam fac-símile de Casablanca, o que deve ter sido proposital, tipo uma homenagem ao clássico, ambientado na mesma década. Os closes de Amélia Earhart são inovadores,  os atores expostos como peças de arte, cabeças e bustos aos quais você olha por todos os ângulos. Faz ecoar também a memória de outro filme: Entre Dois Amores.

Após a projeção perguntei ao meu filho se ele sabia quem era o garotinho que ao final de uma palestra estendia sua mãozinha à Amelia Earhart, pedindo-lhe um autógrafo. Ele respondeu que não e eu já esperava essa resposta. Então lhe disse que em cinema e teatro nada é casual, e que por isso, nesse filme, a Amélia pergunta ao garoto ele: what's your name? Ao que ele responde: "Gore", porque o diretor quis fazer um link entre a vida dela e a de Gore.  Então, peguei um livro na minha prateleira e o mostrei ao meu filho que completa hoje, dia de São Jorge, 23 anos.  Juliano, o livro de Gore Vidal, um dos escritores norte-americanos mais lidos em todo o mundo e um dos perseguidos por McCarthy.

Meu filho é um privilegiado. Aos 23 atrás já possui crivo crítico em matéria de cinema. Quando ele me diz “veja, é bom”, ou, “não veja, não presta”,  eu o sigo.  Quando criança estava sempre ao meu lado nas locadoras, passávamos os finais de semana vendo filmes. Um dia ele percebeu que eu gostara muito de Drácula, de Bram Stoker, dirigido por Francis Ford Coppola, diretor, aliás, dos filmes que ele mais viu nos últimos anos -a trilogia de O Poderoso Chefão- e daí me pediu para assisti-lo também, quando respondi que ele era muito novo para ver esse filme, que tem cenas horripilantes. Mas ele insistiu tanto que eu o deixei ver. Até hoje ele tem a trilha sonora desse filme em seu computador - às vezes ouço aquela música ecoando do seu quarto.

O fato de ele não saber quem é Gore Vidal é compreensível porque a sua geração é a do víde-ogame, da internet, da Sky, ao contrário da minha, cuja inexistência sequer de televisão era propícia ao deleite literário. Mas agora, ele já sabe quem é Gore Vidal.

A maioria dos jovens de hoje em dia, contudo, não apresenta nem mesmo crivo crítico com relação a cinema, não teve irmão mais velho, pai, mãe ou um professor aficcionado ao cinema e à cultura em geral para assimilar fatias da cultura geral. Acredito que nos Estados Unidos o clima é bem melhor. Lá, por exemplo, um escritor vive da venda de seus artigos, onde existe até mesmo faculdade para ser roteirista, dramaturgo, escritor etc. Imaginem se aqui no Brasil fosse possível um escritor viver de seus livros. Li na Veja ano passado que um filho de pai judeu chegando em sua casa após o ultimo dia de aula depara com vinte livros sobre a mesa, os quais deverá ler durante as férias, com o pai a pedir relatos da leitura, em datas programadas. Bom, os judeus parecem ser os mais inteligentes da terra.

No Brasil, a ditadura militar fez estragos terríveis em seus vinte anos, tais como censurar filmes e peças inteligentes porque os governos militares achavam que obras inteligentes fossem ameaçadoras e perigosas. Mas permitiram a invasão de filmes de baixo nível no mercado do entretenimento, tais como as pornochanchadas e os de “kung fu” tipo violência pela violência, muito distantes da original série de Kung Fu, com um dos irmãos Carradine, projetada pela Globo em 1974, onde o clima era filosófico e não havia truculência. A indústria de cinema norte-americana produz filmes tipo A, B e C. Esses são filmes com explosões, excesso de velocidade e uso de armas, numa propaganda nítida, descarada, da indústria armamentista. O governo federal não deveria elevar as taxas alfandegárias sobre esses filmes? Visitei um blog sobre o filme Amelia Earhart e percebi que pessoas de 19, 28, 33 anos, acharam o filme chato. Pessoas de 58, 65 e uma de 39, acharam ótimo. Eu tenho 55 anos, amei o filme.

Fátima Almeida é historiadora

3 comentários:

Jozafá Batista disse...

Muito bom texto, Fátima. Às vezes me pego imaginando se não foi de propósito o colapso cultural provocado pela ditadura militar. Uma construção cultural imbecilizante não tem como produzir algo melhor que imbecis.
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O acordo MEC-Usaid continua em vigor até hoje. Os professores estão entre as categorias mais pessimamente remuneradas, tanto quanto os jornalistas.
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O melhor teatro e o melhor cinema surgem sempre como surpresas, resultado de iniciativas experimentais que tentam furar o legado bizarro de xuxas, faustões, gugus e enlatados cinematográficos norte-americanos.
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Pra mim só há um ambiente capaz de contornar esta alucinante zumbificação social (é assim que vejo): a escola. Mas a educação precisa romper a sua própria maldição do MEC-Usaid. Nas eleições presidenciais de 2006, o então candidato Cristovam Buarque percebeu isso e propôs a mudança. Ninguém entendeu. E ele ficou em quarto lugar...

Fátima Almeida disse...

A Educação que é feita aqui é do tipo cartorial, ou seja, as escolas têm que se submeter às prescrições da SEC e esta do MEC que permanece focado em suas políticas no MEC-USAID, vestibular, formação e qualificação de mão-de-obra para o trabalho. Até hoje nossos professores não sabem como trabalhar interdisciplinaridade, temas transversais como Educação Ambiental, por exemplo.O acordo MEc-USAID vigora, ainda, é claro. a Universidade Departamental, modelo norte-americano, criou recentemente os Centros onde convergem áreas afins, mas a filosofia vai para um lado e a Agronomia para outro. Como se o uso e manejo do solo não exigisse aportes da filosofia, nos dias de hoje, de demanda por práticas de sustentabilidade. Ela reflete o jogo político local, não conseguiu ainda superar os velhos paradigmas e se reproduz lá na ponta, onde estão os recém-formados em Letras, Biologia, Matemática lecionando no velho estilo conteudista mesmo porque não sabem como fazer outra coisa.

Altemar disse...

Nem sim nem não, muito pelo contrário.