segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

OS COMPANHEIROS E OS CÍNICOS DE PLANTÃO

Gerson Albuquerque

Prezado Altino

Achei muito significativo o vídeo da inauguração(?) do Casarão. Não o casarão dos tempos passados, mas de um certo tempo presente. Um tempo em que a propaganda oficial tenta nos convencer que a bonança do “melhor lugar para se viver” chegou.

Confesso que cheguei a preparar meu espírito para ir à festa. Digo preparar porque cada vez que me dirijo a um determinado lugar em que o ex-governador e agora senador Jorge Viana se encontra, sinto um embrulho no estômago para assentar a necessidade da convivência não com a diferença, mas com o “democrata” da razão cínica e do pensamento único que violou nossas liberdades democráticas de expressar em praça pública o civismo dos “apátridas”.

No entanto, não fui à festa porque fiquei indignado. No mesmo dia 10 de dezembro em que se daria a tal “inauguração”, após ter conhecimento do estágio em que se encontra o processo com a Ação Civil, movida pelo Ministério Público Estadual, por intermédio da Promotoria Especializada de Habitação e Urbanismo, em 20 de maio de 2010, solicitando liminarmente a anulação/revogação dos alvarás concedidos pela prefeitura de Rio Branco, a autorização concedida pela Fundação Elias Mansour para a construção do prédio da Caixa Econômica Federal (CEF) ao lado do “Casarão” e, naturalmente, a imediata suspensão das obras que afetam diretamente a visibilidade/ambiência, conforme reza a legislação, de um bem imóvel tombado como patrimônio histórico da sociedade acreana.

Para minha surpresa e, espero, daqueles que ainda não perderam o direito/dever de se indignar, apesar de todas as irregularidades e “vícios protocolares” contidos nos processos que culminaram com a concessão dos alvarás e autorização para a construção do prédio da CEF, a juíza Regina Célia Ferrari Longuini indeferiu o pedido da liminar. Alegou que nos autos “não se vislumbra a presença dos requisitos autorizadores do pedido liminar”, que os órgãos públicos responsáveis teriam concedidos as licenças e autorizações necessárias e, ainda, que “o prédio da Ré já se encontra em fase de construção avançada, situação que impede o embargo, conforme o limite de razoabilidade. Igualmente, a construção ali erguida não apresenta nocividade palpável que venha impactar a visibilidade do vizinho ‘Casarão’.”

Ao chegar a esse “veredicto” a juíza não deu a menor importância para os laudos técnicos apresentados na petição inicial, comprovando verdadeiras aberrações como, por exemplo, o fato de a própria Regina Kipper, responsável pelo projeto arquitetônico da nova sede da CEF ter realizado o “Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV)". Também não deu a menor importância para o parecer técnico da arquiteta do Departamento de Patrimônio Histórico da Fundação Elias Mansour, bem como ao parecer técnico do gerente de projetos da Secretaria de Obras Públicas e Habitações que atestam de diferentes e inapeláveis maneiras o quanto o prédio da CEF afeta a visibilidade do “Casarão”.

Dizer, como faz Regina Longuini, em seu “veredicto” que o fato do prédio da CEF já se encontrar em “avançada fase de construção” impede o embargo ou a suspensão da obra, é algo que não condiz em nada com as posturas e decisões assumidas por juízes pelo país afora e pelo próprio Superior Tribunal de Justiça que têm decidido pela implosão de verdadeiros arranha-céus construídos, indevidamente, em áreas protegidas pelo patrimônio histórico ou em locais que afetam a visibilidade/ambiência de bens tombados.

Alegar “limite de razoabilidade”, estando diante de finalidades alcançadas por meios no mínimo duvidosos e, mais ainda, por uma verdadeira inversão de valores que transformam réus em vítimas é algo que já deveria pertencer ao passado de uma justiça afinada com os poderosos e com o uso de um jargão que se utiliza da violência simbólica quando não é possível o uso da violência física.

Na leitura dos autos, ganha relevância o quanto as exortações a uma legalidade de fachada feita pelos advogados e assessores jurídicos da prefeitura e da Fundação Elias Mansour estão afinadas com os interesses da propriedade privada e da especulação imobiliária, alheios aos interesses da sociedade, pis atentam contra um bem público tombado não pelas convicções do governo do Estado do Acre, como alguns tentam fazer crer, mas pelos processos sociais e pela mobilização de setores da sociedade.

Na inauguração do Casarão estavam presentes interesses sociais antagônicos. Em vídeo exibido neste blog, reconheci companheiros que defendem o patrimônio histórico com convicção e são contrários ao “kiporressa”, porém, também estavam lá os cínicos de plantão, os que “acendem uma vela pra deus e outra pro diabo” e são esses -covardemente nunca abrem a boca para assumir abertamente seus interesses, vivendo a expensas das migalhas do poder público e das gorjetas dos “novos e velhos ricos”- que solapam por dentro nossos sonhos e esperanças de dias melhores. Frente a eles faço minhas as palavras de Sartre: "Não posso questionar durante o dia e me confraternizar durante a noite".

Quanto ao processo da ação civil contra o “kiporessa”, resta aguardar que o Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, a quem o Ministério Público recorreu com um pedido de agravo ao indeferimento da liminar, recoloque a justiça nos seus trilhos e suspenda os trabalhos de construção do prédio da CEF que, “modernosamente”, apaga a visibilidade/ambiência do “Casarão” tombado como patrimônio da sociedade. É o que esperamos: a suspensão imediata daquela construção até que seja realizado um Estudo de Impacto de Vizinhança e que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) seja convocado para emitir um parecer com base na lei de proteção do patrimônio histórico, que define de forma clara a necessidade de se proteger o entorno de um bem tombado.

Gerson Albuquerque é historiador e professor vinculado ao Centro de Educação, Letras e Artes da Universidade Federal do Acre

11 comentários:

RodB disse...

O espaço foi restaurado e ficou excelente. Pronto. Não entendo a causa de tanto incômodo com um prédio que está sendo construído ao lado e que não, não afeta em nada a visibilidade do Casarão (se for assim, melhor demolir o quarteirão inteiro, para que a construção fique visível de todos os pontos). Enquanto patrimônios históricos são destruídos na calada da noite e nada acontece, estão preocupados porque um prédio ao lado de um que foi restaurado "afeta a visibilidade" deste. É uma pena, porque protestos justos encontrados no blog se juntam a manifestações tolas como essa, feitas por chatos de galocha, alguns destes que só sabem reclamar de tudo e de todos com opiniões motivadas por posições políticas ou rixas de cunho pessoal.

kemmil disse...

O Acre dos "outros" Governos nunca deixou de existir, apenas foi varrido para debaixo do tapete.
Pode apostar sem medo!

Anônimo disse...

é um posicionamento válido!
temos que lutar pelo que acreditamos, se o professor acredita nessa causa quem sou eu pra desdenhar?
os que escrevem criticando deveriam olhar pra suas vidas e analisar se suas atitudes condizem com suas palavras.
é por causa do conformismo que o Acre está como tá.

joao disse...

Eu concordo com o Gerson. Eis aqui mais um tolo, um chato de galocha (se é assim que vêem). Eu também não me conformo com a política pública da aparência. O que me motiva é, sim, a política (em seu significado outro) e a disposição infinda de defender, com as armas do conhecimento,a minha dignidade.
(joao veras)

Ozi disse...

É tanto ufanismo em torno dessa reforma ( não houve restauração) e tanta propaganda exacerbada que até já ouvi na imprensa que o espaço está totalmente "revitalizado". Nem percebem o que dizem esses repórteres . O lugar foi "inaugurado", ponto. Aprendam a usar as palavras, pelo menos!

Anônimo disse...

Camarada Gerson, seus ideais continuam o msm... Fui tolo e inocente, pouco conhecia sobre o certo do errado, a história não contada. Reconheço meus erros.

Hoje te admiro muito, estamos juntos em defesa da vida digna, do poder compartilhado, da verdade.

Parabéns!

Joana D'Arc disse...

Altino,Permita-Me dirigir-Me ao nobre
Cidadão Professor Gerson Albuquerque,
Eu,Joana D'Arc Ativista d'Acre,assim
inovando no ativismo bairrista Acre,
pois tenho percebido a 'desconstrução
contumaz da História do Nosso Acre!'
ACRESCENTAREI SUAS CONSIDERAÇÕES AQUI
PONTUADAS e DENUNCIAREI o DESSERVIÇO
ao NOSSO PATRIMÔNIO e a CONDUÇÃO da
AÇÃO CIVIL PÚBLICA,como vem sendo
'Descaracterizada e Desconstruída...
a NÃO OBSERVÂNCIA da LEI. O Controle
Externo do Poder Judiciário é o CNJ
CONSELHO NACIONAL de JUSTIÇA ! ! !
Fá-lo-ei e,Conto com o Cidadão e
Professor,DENUNCIAREi ao CNJ !!!

Eu Sou,Joana D'Arc Valente Santana,
U.SOS.-Presidente da Organização
Universalista em Direitos Humanos e
Conselheira Municipal de Cultura na
Câmara Temática de Comunidades
Tradicionais.

Unknown disse...

Cara Fátima, a Graça uma vez me disse: "Não temos ar condicionado, não servimos mais". O que você acha disso? Eu fiquei envergonhado, pois era um daqueles que marcava conta no Casarão, E EU TINHA OVO FRITO NA HORA! Você pode responder? Isso me foi dito numa EXPOACRE... Adoro a Graça e toda a sua família. Não conheci o coronel que habitou o casarão. Não sei nada desta REFORMA pela qual o Casarão passou.

Marcos disse...

Senhores(as), não façam deste espaço de informação um palanque(puleiro) para galhofas, pesquisem, estudem, analisem, e parem de discutir o indiscutivel, por conta de comentários o nível do debate politico(politiqueiro diga-se), esta mais baixo que bunda de sapo. Sinceramente... Acreano por opção!!!

Fátima Almeida disse...

A foto que está mostrando a festa de inauguração, neste blog, mostra que existe um espaço considerável entre a obra em construção ao lado e o Casarão. Se fosse para seguir determinados critérios colocados pelo Gerson, que pede a interdição da obra, o prédio da antiga Acredata, do lado esquerdo, deveria ser demolido e no local replantado o mangueiral que fazia parte do entorno da residencia do Cel. Fontenele. De mais a mais, o Gerson está tomando o síntoma pela causa. Existe um processo de hiper valorização do espaço urbano do qual o proprio governo participa: a construção da Oca foi embargada pelo MP e milagrosamente desembargada. As primeiras casas de alvenaria - dos Lavocat e dos Leitão - foram demolidas de madrugada, sem que o governo "soubesse" disso, como ocorre com o Lula, a rodoviária e a Upa foram construidas sobre aquíferos, afora o fato de construções horrendas como o prédio construido em terreno da antiga casa dos Mansur.Enfim, o Gerson é membro do conselho de patrimônio histórico, áreas verdes urbanas e aquíferos também fazem parte desse patrimônio sendo que o conselho nunca disse a que veio para a sociedade. Os conselhos são todos criados por decretos do Governo( de cultura, de patrimonio, de meio ambiente), se existem intervenções, deliberações a sociedade não conhece. Não há transparência nem também mecanismos de participação, ou seja, possibilidades de exercício da cidadania de maneira que qualquer pessoa possa requerer o tombamento desse ou daquele imóvel, dessa ou daquela área verde em perímetro urbano.

Unknown disse...

Muito me espanta ver comentários do tipo: foi revitalizado e ponto.
RodB: "Não entendo a causa de tanto incômodo com um prédio que está sendo construído ao lado e que não, não afeta em nada a visibilidade do Casarão (se for assim, melhor demolir o quarteirão inteiro, para que a construção fique visível de todos os pontos)." Esse é o tipo de opinião que faz com que as coisas sempre sejam do jeito que "eles" querem. Se não entendes o motivo de incômodo por parte do Prof. Gerson e de tantos outros insatisfeitos, corra atrás da Lei Estadual 1294/99, a lei de Patrimônio Histórico e Arquitetônico do Acre, onde determina que a área de entorno de um imóvel tombado que, se não me engano, são de 100 m² para todos os lados, não deve ser alterada de forma que impossibilite a visibilidade e mais ainda que descaracterize o local, afinal, um imóvel não é apenas tombado por suas características arquitetônicas, mas sim por representar um período, uma história. Ser "razoável" aqui não é "deixar a vida levar" e sim exigir que as leis criadas sejam cumpridas.

Portanto, nada mais válido do que a indignação de alguém que, além de fazer parte do Conselho Estadual de Patrimônio Histórico, também fez parte da história viva do "Casarão" como o Prof. Gerson Albuquerque.