quinta-feira, 29 de julho de 2010

SAIBA O QUE É "ESQUENTAR O GADO"

Evandro Ferreira

A maioria de vocês sabe o que é 'esquentar documento de carro' ou 'esquentar documento de produto importado irregularmente'.


Se não sabe, explico de forma sintética: significa que um bem ou objeto em condição irregular tem sua documentação adulterada ou falsificada para parecer, aos olhos da fiscalização, que é regular.

Pois bem leitores, incluam no seu vocabulário esse novo termo: 'esquentar o gado'.

Ele não se refere a cozinhar ou assar a carne de gado no fogo, mas a uma artimanha que em breve será regra na pecuária amazônica em razão da pressão de ambientalistas e empresários do setor de processamento e venda de carne. A organização ambientalista é a Greenpeace e os empresários são os proprietários dos maiores frigoríficos brasileiros - que estão se consolidando em um par de megaempresas - e grandes redes de supermercados.

Em uma ação coordenada, eles estão condicionando a aquisição do gado da região à prova de que os produtores interessados em vender atendem à legislação ambiental.

Embora vago, o termo 'atender a legislação ambiental' envolve uma série de requisitos que vão da ficha limpa dos pecuaristas junto aos órgãos ambientais à bisbilhotagem por satélite de suas propriedades para saber se eles desmataram mais do que deviam.

Podem acreditar, mas não é o IBAMA e IMAC que estão por trás disso. É uma iniciativa puramente extra governamental que envolve ambientalistas e empresas que fazem parte da cadeia de comercialização da carne no Brasil.

De um lado os frigoríficos estão ansiosos para escancarar de vez as portas do mercado mundial aos seus produtos e de outro as grandes redes de supermercados do país estão interessadas em vender produtos 'ecologicamente corretos', que não derivem de irregularidades ambientais.

Os ambientalistas e essas empresas cansaram de esperar pelo Governo, que vem tentando colocar o setor dentro da lei faz muitos anos, mas o máximo que consegue é lavrar multas que nunca serão pagas ou que, por esperteza de políticos que representam a classe no Congresso, cedo ou tarde serão anistiadas, como parece que vai acontecer caso o Código Florestal seja aprovado conforme a proposta do comunista-ruralista Aldo Rebelo (PC do B).

A ação ambientalista-empresarial resultou, neste primeiro momento, em uma lista de pecuaristas que podemos chamar de 'ficha suja' porque suas propriedades apresentam alguma forma de irregularidade ambiental. Os que fazem parte dessa lista não poderão vender seu gado para as empresas que aderiram à iniciativa.

Sem poder vender seus animais diretamente para os frigoríficos, restará a eles apenas a venda indireta, via um vizinho ou amigo pecuarista que esteja regular. É aqui que o termo 'esquentar o gado' se aplica.

Uma das consequências da pressão ambientalista-empresarial sobre os pecuaristas da Amazônia será o alastramento de diversas estratégias destinadas a facilitar a vida daqueles que eventualmente vierem a fazer parte da lista dos pecuaristas ficha suja.

E quais estratégias serão postas em prática caso o cerco armado pelos ambientalistas e empresários impeça o acesso dos pecuaristas ficha-suja ao mercado?

Não sou pecuarista mas de cara acho que a marcação do gado em fazenda de ficha suja vai cair em desuso rapidamente. Eles evitarão isso pois sabem que quando o gado for esquentado a marca vai ser a 'pista' para a fiscalização descobrir a fraude. Se ela não for eliminada, ela irá ajudar o trabalho da fiscalização durante o abate. Vai ser pão e mel a fiscalização da comercialização de animais provenientes das fazendas dos ficha suja.

As marcas dos fazendeiros que estão dentro da lei vão ser valorizadas ao extremo e virarão objeto de desejo de muitos ficha suja.

Quanto vocês acham que os que aceitarem esquentar gado cobrarão pelo serivço? A cobrança vai ser em arroba ou um percentual sobre o preço de venda?

É bom que os que vierem a aceitar 'esquentar gado' fiquem espertos com a Receita Federal. Seguramente ela vai notar se o rebanho de um ou outro pecuarista duplicar ou triplicar de um ano para o outro.

E digo mais. Se a mania de 'esquentar o gado' se espalhar pela região, a produtividade da criação de gado na Amazônia, que pouco ultrapassa 1 cabeça/hectare, vai aumentar exponencialmente. Não vai ser o milagre da multiplicação dos peixes, mas do gado.

Diante da provável estigmatização de seus animais no mercado, fica a impressão que muitos fazendeiros ficha suja irão 'implorar' às autoridades para regularizar suas pendências ambientais o mais rápido possível. Sem contar que aqueles que forem procurados para 'esquentar gado' vão 'fazer a festa' com o desespero dos ilegais.

Refletindo sobre o tema, creio que quem ganha são aqueles que sempre atenderam as demandas da lei. Quem tem a reserva legal dentro dos limites impostos pela legislação, quem nunca fez derrubada ilegal. Isso é muito positivo. Mas o mais gratificante é saber que tudo isso só está acontecendo porque pela primeira vez uma medida de controle das ilegalidades do setor pecuário amazônico atinge de forma rápida e objetiva o que mais importa para esses empresários: o bolso.

Belo trabalho Greenpeace, JBS, Marfrig e Minerva!

E o melhor é que o cerco aos ilegais vai continuar sem maior oposição por parte daqueles que deveriam defender os pecuaristas e que estão dando provas de completo despreparo e falta de argumentos sólidos para contrapor a onda moralizadora da atividade.


Me refiro a reação do presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Acre (Faeac), Assuero Doca Veronez, que diz que tudo não passa de uma "patifaria" dos frigoríficos.

Se eu fosse pecurista no Acre eu procuraria colocar alguém mais preparado para ocupar a vaga do Sr. Veronez. Alguém com uma visão e ação proativa. Alguém que não tivesse medo de admitir que o futuro da pecuária no Acre passa, inexoravelmente, pela certificação da produção. A exploração madeireira do Acre já caminha nessa direção.

Sr. Veronez, bravatas públicas não são suficientes para garantir o futuro da pecuária acreana. Muito menos 'apelar' para que os órgãos ambientais assumam algo que já fazem de forma ineficaz e que não resolveu o problema desde que a pecuária foi eleita como a vilã do desmatamento na Amazônia.


A Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Acre (Faeac) precisa, na sua condução, de alguém com visão mais realista do futuro da pecuária acreana.

Quem se habilita para assumir o posto do Sr. Veronez?

Embora seja um cargo de representação de classe, o posto ocupado pelo Sr. Veronez é estratégico para a economia acreana. Espero sinceramente que Tião Viana, eleito Governador, meta sua colher no assunto para colocar o setor no caminho certo.

O botânico Evandro Ferreira escreve no blog Ambiente Acreano.

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