sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

EU SEI SAMBAR

José Augusto Fontes

Guardei-me até agora, agorinha, mas já ouço repiques, percebo a revolução, o rebolado nas ruas me atrai, o batuque me chama, um frevo inflama, o axé quase reclama. Importa agora o movimento, o suor, o riso, a máscara despretenciosa da euforia. Vem chegando o período contagiante, a fantasia tem vários sons e cores, faz crescer muitos amores e ritmos, marchinha, samba, pagode, frevo, axé, todos os hinos convocam a mesma turma do funil, do cordão, do calçadão, da avenida e do salão da ilusão.


Está chegando o carnaval e ninguém poderia imaginar que eu sei sambar, ninguém poderia imaginar que eu estou sentindo e esperando a bela moça desfilar e já penso em acompanhar. Ninguém poderia imaginar que eu, assim, calado, esperava apenas pelo carnaval para fantasiar meu silêncio, para movimentar meu olhar parado, meu gesto contido, para abraçar a mutidão e desfilar de mãos dadas com a emoção vestida de mulher, para conduzir a linda passista que espero desde aquela quarta-feira em que me despedi e fui ficando quieto, parado.

Guardei-me até agora, agorinha, mas não posso mais evitar, nem mais esperar, vou beijar-te agora, não me leve a mal, apenas me leve para o salão, para a avenida, para a apoteose do teu coração em festa, que o carnaval também é festa, por isso é mulher que me leva, é cordão em que me perco, entre tantos rostos mascarados e pernas descobertas.

Agora, vou dizer para a folia que entre tantos amores eu sou o número um de todas essas marias e colombinas, de todas essas meninas e serpentinas. Agora, vou perder o ritmo com a dançarina que abraço. É quase amor, perder o ritmo é tudo, o depois é sentir, e isso ela vai encontrar.

Agora, eu que parecia distante estou perto e a tentação emocionada esqueceu de pedir os nomes, os endereços, a cor exata dos olhos, a primeira vontade, o próximo silêncio. E assim nascerá, depois de agora, mais esta paixão de carnaval, orquestrada por coloridos gritos, acalentada por inquietas plumas, conduzida pelo mestre-sala do fingimento, que já a registra de véspera, para esquecer de jogar confetes na hora da dispersão.

Guardei-me até agora, agorinha, mas ouço um tamborim cortando, ouço a cuíca agonizando, minha imaginação quer desfilar, mas meu bloco ainda precisa ensaiar. Ainda agora, vejo que meus passos pedem cadência. Quem pode imaginar minha cadência ritmar em silêncio, quem pode combinar aquele olhar parado com o agir ficando agora acelerado.

Bem, mas este não vai ser igual ao ano que passou e já é hora de dar os primeiros passos. Será? Volto à cadência, perco a paixão e reencontro minha porta-bandeira. Ela abraça meu sorriso, conduz meu bloco e traz muitas palavras para a minha voz contida. É carnaval, entrego-me às suas alegorias e percorro suas alas em repetidas evoluções.

Penso em colocar outra máscara, em mudar a fantasia, em dar razão à paixão, o carnaval tem cada coisa. Mas guardei-me até agora, por isso, não vou mudar o ritmo, vou deixar para o ano que vem. Nem eu poderia imaginar isso, com tantos sons e possibilidades. Vou só olhar e sentir, me guardando para o próximo carnaval. Ainda assim, posso garantir, eu sei sambar.

José Augusto Fontes é poeta, cronista e juiz de direito no Acre

Um comentário:

Caio F. disse...

Altino: O Zé é mágico.Consegue,com muita simpliciticidade,quase pedindo licenca para se manifestar,valorizar coisas simples mas que mexem com os nossos sentimentos.Parabens para ele e pra vc. que abre o espaco para essas manifestacoes.Arquilau