quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

ESPERANDO DEUS

José Augusto Fontes

No ônibus lotado, em todo trem apertado, nas canoinhas que cruzam os rios, Deus deve estar seguindo. Nos escondidos e nos e ares, Deus deve estar sabendo, há sempre alguém acenando, esperando. Ele está olhando quem está parado, quem quase não tem para onde ir, está vendo quem paga penitência e pede passagem, esperando o troco da salvação. Mas ela é depois de agora. É numa próxima estação que Deus nos encontra e paga, estando quitadas nossas vidas. Isso é depois, precisamos seguir. Deus precisa esperar condução? Ele está acima disso? Enquanto cremos e esperamos, não custa muito ajudar quem espera nas filas, quem espera esquecido, quem espera humilhado, com olhar caído e dor elevada.


Para os homens de boa-fé, para todos que vivem na terra mirando o céu, para os que pouco vêem, para os que não cansam de esperar, para os que não podem deixar de trabalhar e com o trabalho alegram a esperança, para os que estão acostumados com a indiferença, para os que se entregam a uma crença, o jeito é esperar pelos homens, esperar que sejam vistos e acolhidos, adiante dos votos e das cédulas. É o jeito esperar serenidade, utilidade, alguma palavra, algum agir. Deus é para sentir, o homem é para abraçar. Em cada dia, em cada instante, existe a possibilidade de estar o homem ao lado do homem, o momento é o que vivemos. Depois, um clarão vai partir ares e mares. E Deus dará.

Para os que não têm terra, os que não têm onde morar, nem sabem o que é teto salarial, para os que mal vão passando, levando, sentindo. Para os que plantam e não colhem, para os que nem plantam, para os que têm o olhar distante, meio perdido, para os que estão nos campos e sertões, cidades e seringais, estradas e esquinas. Para os que têm sede e coragem, para os que têm necessidades e virtudes, para os que vão ficando, para os que continuam seguindo, para os que não têm voz, para todos assim, para que não fiquem sós, espera-se dos homens, de todos os homens, boa vontade, oportunidade, a mão e a sensibilidade, a possibilidade, alguma alegria, carinho, a chance para conquistar o pão.

Esses homens, todos eles, são dos homens, enquanto Deus não vem. Se o homem não vive só de pão, não pode viver só de oração, é preciso sentir e conhecer, é preciso ser. Deus deve estar em todo lugar, deve estar com favelados e necessitados, garis, lavadeiras, domésticas, porteiros, seringueiros, gente do sertão, da solidão, deve estar com os que morrem e matam, com os que se acabam esperando, com os que já nascem devendo, com os que vivem se esbaldando e só ganhando, com os que não notam nem revoltam, até com os que não acreditam, que de tantos, dão a Ele muita ocupação. A gente quer e sente Deus, em todos os gritos que nos acodem, até nos que nos calam. Falta sentir o homem.

Todos esses, todos aqueles, não são apenas para olhar e passar, enquanto Deus não vem e mostra-se num lugar definido para os direcionar, quem sabe, para podê-los abraçar. Ele vai vir, mas já há homens aqui, bem ao lado, enquanto fingimos não haver. Todos eles são dos homens, filhos de uns e outros, da mesma cor ou de outro calor, nenhum passa disso, é fácil sentir, mas é preciso começar, ser útil, possibilitar, acreditar, enquanto dá, enquanto eles estão por aqui, enquanto é possível. Parques, cidades, florestas e subterrâneos estão cheios de gente que espera, gente que crê e quer você, gente que espera mas gostaria de antecipar, gente que quer participar, ser vista, escutada, encontrada.

Aqui embaixo, a situação está mais apertada, apressada, sem tempo para andar nas nuvens. Há até a impressão que as nuvens estão muito carregadas, que o céu está para cair em nossas cabeças e que algum outro dilúvio será a salvação da situação pouco abençoada, que precisa zerar e reiniciar. Há esperas que vão ficando eternas, o tempo parece cruel, demorado e cruel. Antes disso, há o homem que quer ser abraçado, sentido, ainda que pouco abençoado, há o pão para comer, o riso para sorrir, a mão para segurar. Além de todas as preces, enquanto possível, muitos homens esperam para ser, para viver. Deus está em todo lugar e o homem está aqui, esperando, precisando.

Deus está sabendo, providenciando, vai dar um jeito, tudo tem hora, acreditamos. Enquanto isso, seguimos a fila do caixa, depositamos o dízimo, entregamos o suor, gastamos a fé para pagar a conta de água, para quitar o talão e receber a luz da redenção. O caixa é voraz, insaciável, incansável, sem tempo para temer a Deus ou para notar que Ele está vendo tudo. O caixa não dá descontos nem atrasa. É possível mudar e ser diferente? Deus é quem sabe? Sabemos que Ele nos paga tudo isso, depois. O paraíso é caro, mas vale a pena. E é eterno, pois para ir é preciso morrer. Não temos muitas notícias do mundo de lá, e na procura delas, vamos esquecendo o mundo de cá.

A fé é assim mesmo, interessante e distante, é como o amor, como a dor e a viagem, cada um vai levando a bagagem que lhe cabe, cada um sabe o que deve carregar, o que não pode esquecer. Quase todo mundo espera muito, mas viver esperando não é requisito para crer. A fé não é só no que vem, pode ser no que está. Antes da viagem, é de fé dar uma mãozinha aos que ficaram lentos, perdidos na espera. Às vezes, eles estão bem ao lado e vão sumindo, parando. Olhar e sentir, é fácil tentar. Como Deus está em todo lugar, isto deverá ser creditado, na ocasião do juízo final. Enquanto isso, aqui neste plano, creia, o homem tem fé em você. E continua esperando, querendo, precisando.

José Augusto Fontes é poeta, cronista e juiz de direito no Acre.

5 comentários:

Mirla R Silva disse...

Deus quando resolveu descer por aqui, não procurou os que se achavam sábios e entendidos.

Ele nasceu na periferia, andou com os pobres, abraçou os leprosos,
os que choravam suas dores, as prostitutas e... pasme... os fiscais do governo, vistos como corruptos já naquela época.

Ele nos mostrou que muito além
dessas preocupações diárias,
podemos ser felizes, vencendo as dificuldades, olhando além delas.

É por isso que elas existem.
Não devemos reclamar, nem culpar a Deus, pois há um propósito por trás de cada luta diária, só nos falta olhos pra ver e ouvidos para ouvir.

Será que ele terá que vir de novo aqui?

ALTINO MACHADO disse...

Olá!
Segue um comentário para adicionar à publicação.Não tenho conta Google.
Saudações cordiais.

Escrevo de Fortaleza, onde hoje foi enterrada a menina Alanis, de cinco anos de idade, raptada de uma igreja, há dois dias. Ela estava procurando Deus. Como a igreja estava lotada, ela veio para a entrada e a mãe dela foi 'desejar a paz' do lado de dentro. Encontraram o corpo num matagal, despido e de bruços, com sinais de violência. Como o texto da crônica diz, sabemos que Deus está vendo, pois ele está em todo lugar. Mas, enquanto isso, seria bom dar uma mãozinha para os pais, o avô e para a família de Alanis. Só preces não vão lhes amenizar tamanha dor, ainda que lhes 'desejemos paz'. E a conclusão pode estar na crônica: "A fé é assim mesmo, interessante e distante, é como o amor, como a dor e a viagem, cada um vai levando a bagagem que lhe cabe, cada um sabe o que deve carregar, o que não pode esquecer. Quase todo mundo espera muito, mas viver esperando não é requisito para crer. A fé não é só no que vem, pode ser no que está..."
JOSÉ AUGUSTO FONTES

ALTINO MACHADO disse...

Olá!
Segue um comentário para adicionar à publicação.Não tenho conta Google.
Saudações cordiais.

Escrevo de Fortaleza, onde hoje foi enterrada a menina Alanis, de cinco anos de idade, raptada de uma igreja, há dois dias. Ela estava procurando Deus. Como a igreja estava lotada, ela veio para a entrada e a mãe dela foi 'desejar a paz' do lado de dentro. Encontraram o corpo num matagal, despido e de bruços, com sinais de violência. Como o texto da crônica diz, sabemos que Deus está vendo, pois ele está em todo lugar. Mas, enquanto isso, seria bom dar uma mãozinha para os pais, o avô e para a família de Alanis. Só preces não vão lhes amenizar tamanha dor, ainda que lhes 'desejemos paz'. E a conclusão pode estar na crônica: "A fé é assim mesmo, interessante e distante, é como o amor, como a dor e a viagem, cada um vai levando a bagagem que lhe cabe, cada um sabe o que deve carregar, o que não pode esquecer. Quase todo mundo espera muito, mas viver esperando não é requisito para crer. A fé não é só no que vem, pode ser no que está..."
JOSÉ AUGUSTO FONTES

Mirla R Silva disse...

É a mesma história do livro "A cabana".
Mas nem precisa ir tão longe...

Aqui mesmo, a história das colônias e seringais antigos e até hoje mostra esse tipo de coisa ainda acontece...

Mas não é caso de culpar Deus,
pois até Ele mesmo, vindo nos ajudar, foi massacrado por nós.

Agora me lembrei do desabafo do Vladimir Aras, no blog do Fred, tratando dos julgamentos do STF:

Todo cidadão tem o "direito" de cometer um crime e não ser preso.
Tem o direito de carregar uma arma de fogo, desde que desmuniciada.
Se, por um revés, for preso, tem direito de conseguir liberdade, qualquer que seja o crime cometido, sem pagar um tostão de fiança.
Tem o direito de não soprar o bafômetro se atropelar alguém e de não fornecer amostra de sangue ou esperma se for um homicida ou um estuprador.
Tem o direito de não ser processado criminalmente, porque a ação penal viola a dignidade da pessoa humana.
Para não ser condenado, o cidadão tem o direito de mentir para o juiz.
Se for condenado, terá direito de recorrer até que venham as calendas gregas, recurso após recurso, um sobre o outro.
Se, por milagre, transitar em julgado a sentença condenatória, o cidadão tem direito de fugir. Inclusive terá o direito de danificar o patrimônio público, se isso for necessário para a fuga.
Se for procurado a mando do juiz, terá direito de usar falsa identidade para enganar a Polícia e não ser preso.
Se não for encontrado, tem direito à intangibilidade de sua vida privada de condenado-foragido e não poderá ter sua movimentação financeira rastreada pela Justiça.
Quando, um dia, por sorte ou azar, esse "cidadão de bem" for pego de novo pelas autoridades, aí a condenação já terá sido atingida pela prescrição.
E, depois de tudo isso, diante de tantos dissabores, esse cidadão terá direito de ser indenizado pela demora do processo penal ou por erro judiciário...
Afinal, no Brasil, pátria cujo revolucionário lema parece ser "Criminalidade, Desigualdade e Impunidade", todos são inocentes, inclusive os culpados. E "certos alguéns" jamais são condenados, mesmo após prova cabal em contrário.

rsrs

Francisco Cândido Dias disse...

As teologias salvacionistas distorcem de tal modo a realidade da vida, que dá a impressão de estar fazendo com que as pessoas percam o tempo precioso de suas vidas. Desperdiçam-no através de falsas convicções de que se forem “boazinhas” (ou tementes) aqui nessa vida, serão beneficiadas com um lugar no céu, ou no paraíso, quando passarem desta para melhor (para melhor?). Tudo bem, eu respeito quem prefere essa postura diante da vida. Mas…

A distorção está em motivar as pessoas “morrer bem”, quando deveriam estar concentradas em “viver bem”, o que, dada a natureza de nossa existência, tenderia a ser até uma obviedade.

Esqueça essa coisa de salvação, dogmática, amedrontadora, obscura. Quer saber o que realmente vai te salvar (de si mesmo) ??? É a AUTO-REALIZAÇÃO.

Quando você se auto-realiza, e aí se inclui auto-conhecimento, auto-desenvolvimento, aprendizagem, trabalho, paciência, persistência, etc, você está SALVANDO a sua vida de terminar sem que você tenha feito a diferença, no mundo, para as pessoas, para a sua própria essência. De que adianta ganhar o céu, se perdemos a vida?

Um dos muitos problemas da cultura atual é fazer as pessoas confundir o bem (ser bonzinho) com passividade e o mal com atividade. Vem do tempo de criança, em que éramos premiados com doces, presentes, etc por nossa inatividade, ou seja, para não incomodarmos. Gente, é o inverso. Não basta ser bom, precisamos FAZER O BEM, e nesta expressão está subentendido a ação necessária para a realização do bem.

Deixe de ser o cordeirinho que a tudo obedece e seja o lobo que a tudo enfrenta. Olhe para o lado, olhe para as pessoas de sucesso que você conhece e me responda: Elas se encaixam mais no perfil de “cordeiro” ou no perfil de “lobo”?