Marina Silva
De Copenhague (DIN)
Parte significativa da sociedade brasileira faz parte da vanguarda da consciência ambiental no mundo. Ela movimentou as peças no Brasil e, como num dominó planetário, impulsionou mudanças muito além de suas fronteiras.
Explico. Foi a força da opinião pública no Brasil que levou o governo a sair da histórica posição refratária e a se comprometer com metas de redução dos gases-estufa, a menos de um mês do início da COP-15.
Esse movimento colaborou decisivamente para que outros países em desenvolvimento se sentissem constrangidos a também anunciarem suas metas. O Brasil tirou o biombo atrás do qual os países desenvolvidos se escondiam, justificando seu parco compromisso devido à ausência de propostas dos emergentes.
Agora, aqui em Copenhague, outros biombos estão sendo utilizados para postergar o que é inadiável e inevitável - um acordo global e concreto de redução de gases-estufa e ações planetárias de mitigação contra os efeitos da mudança climática.
Este é o momento decisivo. Chegou a hora de todos darem passos concretos, fortes, paradigmáticos, justos, em respeito à vida e, em especial, às populações mais pobres e vulneráveis que têm sido as maiores vítimas da exacerbação dos fenômenos climáticos e pagarão um preço pior ainda caso o mundo não tenha a coragem de agir no tempo adequado e na intensidade necessária. E, mais uma vez, a sociedade brasileira pode dar a régua e o compasso para o governo brasileiro.
Tenho defendido que o Brasil constranja eticamente os países desenvolvidos a darem a sua contribuição ao Fundo Global de Adaptação e Mitigação. Isso funciona, conforme mostra a experiência brasileira e internacional, porque expõe os titubeios e a incoerência entre discurso e ação, na medida em que demonstra que é possível e viável fazer, sair da conversa circular, independentemente do poder de fogo do proponente.
O bilhão de dólares que o Brasil poderia doar seria uma pressão para levar os países mais ricos a aumentar sua ajuda aos mais pobres, que apesar do papel pequeno na emissão mundial, serão os mais afetados pelo aquecimento global. Seria um gesto simbólico, mas com grande força de transformação.
Mais é preciso ter a clara compreensão do significado de um gesto simbólico. De fato, ele não serve para falar mais alto e muito menos para fazer cócegas. Ele serve, isso sim, para fazer a diferença.
Se quando foi tomada a decisão, em 2004, de investir apenas R$ 390 milhões para prevenir e combater o desmatamento da Amazônia, não tivéssemos começado a fazer um plano e a implementá-lo, não estaríamos hoje aqui vendo a chefe da delegação brasileira apresentar, de forma factível, o compromisso de redução de 80% de nossas emissões por desmatamento até 2020.
Naquele momento falávamos em sair de um desmatamento de mais 27 mil Km² para chegarmos hoje a 7 mil km², evitando a emissão de mais de 2 bilhões de toneladas de CO2. Além disso, com o tempo, os recursos públicos aumentaram. E hoje, a meta assumida pelo governo projeta investimentos internos da ordem de bilhões de reais até 2020, que o governo em algum momento terá que anunciar.
Mesmo sendo uma pequena parcela - numa conta entre 200 e 500 bilhões de dólares anuais - o gesto significaria muito. Para se ter uma idéia do quanto poderia ser simbolicamente importante, os países desenvolvidos chegaram aqui em Copenhague dizendo que criariam um fundo de curto prazo de US$ 10 bilhões. Se um único país em desenvolvimento se propõe a contribuir com 10% daquilo que todos os países desenvolvidos se comprometeram, ficaria evidente que eles podem fazer mais.
Há poucos meses, o Brasil emprestou US$ 10 bilhões ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Por que não investir um décimo disso para ajudar os países que mais precisam e constranger os que podem e devem fazer mais, para que esses recursos sejam multiplicados?
É importante lembrar que esse mesmo governo financiou no ano passado vários megafrigoríficos, com US$ 3 bilhões, para ampliarem a pecuária predatória na região amazônica.
À época da doação ao FMI, o presidente Lula disse que o Brasil tinha saído da fase de cidadão de segunda classe. "Antes, cada vez que o Brasil falava para a Europa ou para os Estados Unidos, falava como se fosse um vira-lata. Isso mudou". E ele tem razão. O Brasil é uma potência ambiental e econômica e deve agir como tal também em Copenhague.
Um estudo apresentado aqui pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e pelo Centro de Meteorologia Britânico, mostra que as temperaturas brasileiras vão subir mais do que a média do planeta. Isso significa que, se no resto do mundo a temperatura tiver 1,8ºC de acréscimo, no Brasil esse aumento chegará a 2ºC.
Com isso, as chuvas vão aumentar no Sul e diminuir 15% no Vale do Rio São Francisco e 12% na Amazônia. O que comprometeria, e muito, para uma drástica diminuição do volume de chuva, e consequentemente, de nossa capacidade energética.
O Brasil, que é uma potência hídrica e dono de uma das maiores produções agrícolas do mundo, não pode comprometer seus recursos naturais tampouco seu potencial produtivo. Deve, antes, lutar estrategicamente para defendê-los.
Talvez seja precisamente isso que falte aos negociadores brasileiros aqui em Copenhague: liderança e compreensão estratégica. É por isso que está na hora de a opinião pública brasileira empurrar, de novo, o governo para a linha de frente e dar o termo de referência para o presidente Lula, que acaba de chegar aqui em Copenhague. Esperamos que ele ouça de novo.
♦ Marina Silva é professora de ensino médio, ex-ministra do Meio Ambiente, senadora do Acre pelo PV e colunista da Terra Magazine.
3 comentários:
Tirante os cálculos advinhatórios do INPE, todos na base do "Se isto então aquilo", num silogismo falso pois o "isto" é precário, o artigo da Senadora Marina quer mesmo é devolver a canelada que levou da Ministra Dilma naquela entrevista das cosquinhas que fazem um bilhão.
Essa briga ainda vai longe...
Francamente, se esta Senadora não tivesse sido Ministra do Meio Ambiente, eu me ajoelharia aos seu pés, em reverência ao seu Poder de Discurso! Este texto do post está belíssimo, com um Profundo Discurso, a capacidade de persuasão do texto é um perigo, pois quem não conhece a fera, logo dirá: é ela, a candidata perfeita para governar o Brasil e salvar a Vida do nosso Planeta!
Agora, para quem a conhece, assim como para quem vem acompanhando o processo de vida do Protocolo de Quito, logo dirá, eis a origem da “incoerência entre o discurso e a ação”. Lamentavelmente, não será preciso ir muito longe para saber de onde vem o discurso da Senadora Marina Silva, nem tão pouco deixar de perceber sua maquiavelice e, assim o que poderia ser realmente “inadiável e inevitável”...
Em todas as noticias em que eu li sobre os Acordos para a redução das emissões dos gases de efeito estufa, dizem que: os países que acordaram para o pagamento de um financiamento aos países em desenvolvimento, são os países ricos, assim eles estariam compensando, aos pobres, o alto índice que eles produzem de gases poluentes... Será que isso condiz com o que a Senadora expõe com tanta autoridade? É possível perceber se é viável tudo que ela diz com tudo o que ela já fez em prol ao meio ambiente?
Isso é que eu chamo de Maquiavelice sem Fronteiras!...
A última notícia que eu li da Conferência em Copenhague fala sobre o “Fundo Global de Adaptação e Mitigação” foi a seguinte:
“Há uma proposta interessante e conjunta de Noruega e México. Os dois países já haviam lançado propostas de financiamento há algum tempo. Pela idéia do México, seria criado um fundo global, para adaptação e mitigação, no âmbito da Convenção do Clima. Neste fundo, todos os países contribuiriam, à exceção dos mais pobres. "Este é o ponto fraco da proposta mexicana", diz o canadense Mark Luttes, do WWF Internacional.”
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=67885
o Brasil emprestou 10 bilhões para o FMI? Que luxo! E três bilhões para os frigoríficos? Que farra.
Afinal, o Brasil é mesmo de quem héin?
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