Luciano Martins Costa
Se existe um lugar onde a história do movimento ambientalista brasileiro encontra sua síntese, esse lugar é o Estado do Acre. Estive pela primeira vez ali no começo dos anos 1980. Ainda era a época dos “empates”, quando os seringueiros adotavam a prática de se colocar, de mãos dadas, diante dos peões e suas motosserras, para impedir o corte de árvores. Chico Mendes era seu líder, já então jurado de morte.
O Acre era terra de ninguém. Numa viagem de jipe até o município de Plácido de Castro, podia-se atravessar o rio Acre numa canoa e entrar num emaranhado de palafitas, no lado boliviano, onde funcionava um “free shop” com produtos eletrônicos, roupas, drogas e armas de todos os tipos.
Também conheci alguns dos inimigos de Chico Mendes. Um deles, fazendeiro e deputado, contou-me como os proprietários das fazendas enganavam a fiscalização do Banco do Brasil e multiplicavam por centenas um punhado de cabeças de gado, conduzindo os animais por trilhas e exibindo-os seguidamente para contagem nos pastos.
O mesmo personagem declarou, durante a campanha eleitoral de 1988, que Chico Mendes era um defunto ambulante. Naquela ocasião, uma jovem franzina de 26 anos de idade era eleita a vereadora mais votada em Rio Branco. Chamava-se Marina Silva. Durante a campanha, o deputado que anunciava a morte de Chico Mendes comentou que não valia a pena gastar uma bala com Marina. “De tão magrinha e atacada de malária, um pé de vento dá cabo dela”, zombou.
O líder dos seringueiros foi morto em 22 de dezembro de 1988, no quintal de sua casa em Xapuri. Na mesma noite, seus amigos criaram o Comitê Chico Mendes, para lutar pacificamente por justiça e buscar recursos para impedir novos assassinatos. A partir daí, começa a mudar a história do Acre e do movimento pela preservação da Amazônia.
Seguidores de Chico Mendes chegaram ao poder e alguns deles se projetaram na política nacional. Nesse período, voltei ainda outras vezes e acompanhei a transformação de Rio Branco e do Estado. A capital do Acre evoluiu, em pouco mais de vinte anos, de um acampamento lamacento em cidade moderna, mas que ainda guarda certos ares de província.
A consolidação dos projetos de desenvolvimento sustentável e sua projeção como modelo no cenário internacional evocam os sonhos de Chico Mendes, que foram alinhados num trabalho publicado em 1998 e que se chama “Políticas públicas coerentes para um Acre sustentável”, sob a responsabilidade de um grupo de pesquisadores, ativistas de ONGs e agentes do governo.
O Acre foi o primeiro Estado brasileiro a transformar em política oficial o manejo sustentável de florestas – prática muito distinta do reflorestamento – e a organização de uma economia que não depreda.
Neste ano completa-se uma década de implantação do conceito que os acreanos chamam de “florestania”, ou cidadania da floresta. Nesse período, os seguidores de Chico Mendes foram acusados de desvios, entraram em conflitos, cometeram erros e acertos.
Mas os indicadores revelam um aumento acelerado da qualidade de vida dos acreanos, embora o desenvolvimento econômico e social seja muito desigual no interior mais remoto em relação à capital, Rio Branco. Mostra também que é possível reduzir a miséria sem acabar com o patrimônio ambiental.
Luciano Martins Costa escreve sobre sustentabilidade as quintas-feiras no Brasil Econômico.
2 comentários:
"pra defender o que ainda resta
sem rodeio e aresta
era uma vez uma floresta
na linha do Equador"
Vital Farias em "Saga da Amazonia"
Gosto do tema abordado pelo Luciano Martins Costa.
Para que eu possa expor o que penso sobre a postagem cabe eu fazer uma breve introdução.
Tenho 22 hectares de terra, deste, 12 eu crio 50 rezes leiteira no sistema rodízio, 08 deixo como reserva pelo prazer de ver as árvores em pé. Minha mulher comentou: Aproveitem bem este Açaí, pois esta difícil de encontrar para comprar e quando encontra é muito caro!
O Açaí acabou ou os seus colhedores deixaram esta prática de renda? Lá na minha área no meio da mata ainda o encontra, mas lá nascem e por lá ficam. Será que os colhedores de Açaí ainda querem este tipo de renda? Lógico que não, não querem se embrenhar na mata, ficarem vulneráveis e picadas de insetos e bicho peçonhentos, Colher o fruto, carregarem na “cacunda” de dentro da mata, beneficiar e torná-lo em polpa, levar para vender na “rua” a preço de uma palma banana ou revender aos atravessadores a preço de um cacho de banana não era vida, só os faziam para não passar fome. Isso eles faziam quando não tinha alternativas de renda. O que eles tinham era só a colheita do Látex, Castanha e o dito. O estado cresceu, com o crescimento aumentou as alternativas de renda, tais como a cultura da hortifrutigranjeira dos próprios, pois antes verduras e legumes vinham de fora do estado ou mesmo trabalhando de braçal que lhes dão uma renda diária de 30reais. De qualquer maneira, para que estas culturas do extrativismo possam chegar a nossas mesas, necessário se faz que os seus colhedores lá continuem e que tenham políticas que os incentive, para ter vida digna preservando.
Abs.
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