Marcelo Apel
Outro dia, Silmara e eu estávamos na comunidade Bela Vista, em Manoel Urbano, na beira do rio Purus, no Acre. Agradável conversa com Diô, líder comunitário. Chega o sobrinho. Diô pergunta:
- Tudo bom?
E o rapaz desanda a chorar:
- Não, o filho de meu irmão morreu.
- Como foi isso?
- A gente tava na Itaúba, ele ficou com diarréia, ontem, no final da tarde, e passou a noite toda mal. Hoje de manhã, arrumamos uma canoa com rabeta para ir para a cidade [entre seis e oito horas de viagem] levar no médico.
A mãe, de 16 anos, e a sogra vinham juntas. O menino, de seis meses, não parava de chorar e gemer. Por causa do sol, a mãe cobriu o rosto do bebê e ele foi se acalmando até parar de chorar. A mãe cochilou. Quando acordou, tirou o pano do rosto e o pequeno já estava morto. Morreu no braço da mãe.
Ôôô coisa ruim, amoleceu as pernas. Pediram para a gente trazer ele para a cidade, estávamos de lancha. Descemos para beira do rio rapidamente. O menino estava com os olhos abertos, arregalados. Ainda vejo os olhos dele deitado no fundo da lancha.
Voltamos rápido para a cidade - duas horas rio acima. Fomos na casa da avó por parte da mãe, não estava em casa. Chegamos na casa do sogro, deixamos o bebê e a mãe. Silmara ficou com elas. Fomos, Aguiar e eu, atrás do pai para dar a notícia.
Caminhamos uns 40 minutos para chegar numa colônia. Encontramos o pai alegre, pois duas vacas tinham parido.
Os olhos nos traem e a cara conta. Perguntamos se ele sabia que o filho estava doente:
- Não sabia, trouxeram ele pra cidade?
- Trouxemos, mas... Ele está morto.
Minuto de silêncio comprido, interminável, eterno.
É a realidade amazônica crua e morta que bate à porta. Ainda há muita coisa por fazer, mas não tenho mais cabelo para perder. Então vão ficar brancos.
- Mas pai, a vida continua - diz minha filha.
Que bom. O pequeno se chamava Francisco.
♦ Marcelo Apel é consultor técnico.
7 comentários:
Altino,RELATOS COMO ESTE ME FAZEM INSISTIR NO CLAMOR PELO DEBATE DA SUSTENTABILIDADE HUMANA COMO PRIO RIDA ABSOLUTA,JÁ VIVEMOS NO TERCEI RO MILÊNIO...NASCE MAIS UMA ESTRE LINHA NOS CÉUS...FRANCISCO É LUZ! Joana D'Arc
As histórias e estórias da Amazônia que nos conquista e emociona... o "ruim" é que a gente se apaixona.
Viajar com o Marcelo é sempre muito bom e permeado de causos, ora divertidos ora trágicos.
Hummm hum!
Abraços Cabeleira!
Não sou médico, nem profissional de saúde, mas dá pra perceber que o problema é mais de informação do que de saúde pública. A mãe com 16 anos não deve saber dos métodos contraceptivos. A criança de seis meses contrae diarreia por falta de cuidados de higiene dos que cuidaram dela. Depois, a criança com diarreia deveria tomar soro caseiro, e não enfrentar oito horas de barco e sol quente. Sem informação não há sistema de saúde que dê jeito.
Bom dia, Altino!
Estórias tristes como essa nos faz crê, cada vez mais, que o sistema de saúde pública do Acre é também para gringo vê (mais uma vez me coloco no contexto para justificar o que escrevo). Aqui e agora para discordar do senhor Válber Lima, pois acompanhei sena semelhante a esta (do sobrinho do Diô) numa Terra Indígena do Jordão: junto com as mães e crianças estavam médicos e enfermeiros, no entanto seguiram rio abaixo sob o sol torrencial em busca de postos de saúde: porém as crianças foram morrendo e sendo enterradas às margens do rio. Seria falta de informação? Vejo mais do que falta de informação e do que de saúde pública: aí falta mais responsabilidade do poder público com as vidas humanas, mais compromisso com a informação, mais sustentabilidade na saúde pública. Depois que entregam a floresta para os gringos: vem um Governador desse irresponsável (porque eu vi de perto) ir atrás de americanos para garantir a sustentabilidade da floresta em pé(depois que estão derrubando tudo): eles tem mais é que garantir a sustentabilidade das vidas humanas que estão entregue a sorte e ao acaso, melhor dizendo: mais compromisso e mais responsabilidade com as pessoas humanas, principalmente com as crianças que são indefesas e frágeis!
Bem,
Sem comentários...
então...
interessante... os comentários até agora... fico pensando e perdendo o resto dos cabelos
algumas coisas... primeiro é necessário ativar a sustentabilidade planetária... do jeito que vai não haverá nem planeta e nem ser humano ou qualquer ser para ser priorizado...
um pouco do contexto... a mãe é esposa de um agente de saúde e tem as informações necessárias e deu o soro... e nisso o sistema público até funciona bem... pelo que lembro era rota vírus (é assim que escreve) e aí a coisa é mais complicada...
e por outro lado apesar dos riscos é bom ter filho cedo (talvez não tão cedo) pois assim teremos companheiros e amigos pra o sempre (enquanto durarmos)...
agora eles tem outro Francisco, esta hitória ocorreu em setembro de 2005...
por estranho que pareça... para mim essa história me deu esperanças e esperança tem que ser motor de compromisso e ações...
foi meu batismo no Acre... e para cada um o batismo é o seu batismo...
tenho outras histórias como diz o Felipe e vou colocando publicamente conforme for andando a canoa...
cuidem-se bem...
Senhor Marcelo, a sustentabilidade planetária bem ou mal se houve falar que anda sendo propagada em países que valorizam, além da vida do planeta, as vidas humanas... agora aqui a conversa é a sustentabilidade de vidas que estão sendo desrespeitadas dentro da política mais bem vista no planeta: a sustentabilidade da floresta amazônica!.. Se a floresta está sendo exportada, o que nos resta pensar das vidas que dela sobrevivem?
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