sábado, 15 de agosto de 2009

O PULO DO GATO

Fátima Almeida

A senadora Marina Silva seguiu a trilha aberta por Chico Mendes que vai dar nos circuitos ambientalistas internacionais, recebendo vários prêmios e homenagens mundo afora como ocorreu com o Chico Mendes no começo da sua escalada. Ambos têm em comum a mesma origem. Participaram da fundação do Partido dos Trabalhadores que só chegou ao poder com o lançamento de jovens candidatos oriundos de famílias de alta posição, da classe dos seringalistas e/ou políticos tradicionais. De um lado, o partido utilizou-se das velhas práticas de aquisição de votos, de outro colocou no terceiro escalão as lideranças do movimento social, para efeito de legitimação, nos governos que então se sucederam.

O anúncio da saída de Marina Silva do PT para se candidatar à presidência da República pelo PV me pareceu um xeque mate no ex-governador Jorge Viana, pois, como foi bastante propalada, existia a expectativa do mesmo chegar à presidência. Ele seguiu o curso costumeiro ou tradicional de ascensão dentro do partido. Mas a Marina Silva deu o pulo do gato.

Todo acreano tem medo de onça, todo acreano sabe que de uma onça ferida ninguém consegue escapar. E Marina Silva disse em entrevista que se sentia como uma onça ferida após os golpes desfechados pelo governo Lula na política ambiental do país culminando com sua demissão do Ministério do Meio Ambiente. Parecia que o Governo tinha se utilizado da Marina Silva para compor a base de legitimação formada por aqueles que vêm de baixo como o próprio presidente e que depois a teria descartado sem a menor cerimônia e sem nenhum tato. Mas não foi isso que aconteceu.

A passagem de Marina Silva por um Ministério que não opera com vultosas verbas foi uma longa aprendizagem e ao mesmo tempo uma porta escancarada para o mundo sob a égide das organizações não-governamentais, articuladas muito além das fronteiras. O Greenpeace, por exemplo, conseguiu junto aos bancos e países estrangeiros a restrição a financiamentos e comercializações de empresas e produtos que causam danos ambientais no Brasil. As ações e mobilizações da Ong’s têm sido mais eficientes e conseqüentes do que as ações dos partidos e respectivos políticos, perdidos no jogo do poder sem atentar para as grandes transformações que estão ocorrendo no planeta.

Jorge Viana que mobilizou capitais para as obras de grande porte tais como pontes, duplicação de avenidas, Via Verde, estádio, Transoceânica, entre outras, perdeu, em um só lance no tabuleiro do xadrez, a sua posição de rei. A rainha simplesmente negou-se a correr de casa em casa, nas horizontais, nas verticais e nas diagonais em função de proteger o rei. Ela percebeu que o rei, no tabuleiro do xadrez, tem pouca mobilidade, que os bispos se movimentam somente na diagonal, os militares somente em linhas retas e os peões só se deslocam para morrer mais na frente. E que ela, a rainha é a única que transita por todas as direções e sem restrições de mobilidade.

Por analogia pressupomos que Jorge Viana restrito ao cenário de obras grandiosas via empreiteiras, tendo o estímulo à construção civil como marca de seu governo e visão de desenvolvimento, parece não ter se dado conta da mudança de paradigma que está acontecendo, quando no mundo inteiro políticos e cientistas estão escrevendo e publicando artigos, dando entrevistas, pressionando governos junto com as mais variadas organizações e imprensa especializada, estando na ordem do dia o aquecimento global e as mudanças climáticas. Sendo essa a principal demanda por uma nova postura de políticos em toda a Terra. Mesmo tendo realizado o zoneamento econômico e ecológico para o Estado, mesmo sendo o Acre o Estado com melhor desempenho relativo entre os da região em termos de proteção ambiental.

A Marina Silva, por sua vez, mesmo sendo do mesmo partido, passou ao largo dessa visão desenvolvimentista, jamais colocando a sua imagem ao lado de empreiteiras. Além disso, ela não pertence às famílias tradicionais, não tem lastro com as elites locais muito menos necessidade de manter as velhas práticas de aparelhamentos. Quaisquer estudiosos em História têm a capacidade de compreender que o Acre construiu seu aparelho de Estado sob a égide da Ditadura Militar seguindo a cultura política do resto do país no sentido de um Estado Patrimonialista que é o nome que se dá a situação típica de se utilizar os recursos públicos em função de interesses particulares. Como se vê, ainda hoje, ocorrendo no Senado.

Marina Silva que cresceu nesse nicho expandiu a consciência na compreensão de que a questão ambiental é econômica e social e ultrapassa os particularismos locais e regionais. Está apoiada nas ONG’S que constituem hoje a ponta de lança nesse processo de mobilização mundial em torno das questões vitais de sobrevivência do planeta. Devem existem equívocos, é claro, mas não estamos falando de santidades e sim de mudanças nas práticas políticas e nos modelos de gestão.

De mais a mais os partidos não constituem mais referência nenhuma para o eleitor brasileiro que está cansado dessa condenação diária de assistir nos noticiários sucessivos escândalos no tocante à malversação de recursos públicos de forma generalizada. A possibilidade de Marina Silva chegar à presidência da República é real. “Governabilidade” é apenas um meio de se favorecer a corrupção generalizada. O país passou do estágio em que uma redução nos danos ambientais seria satisfatória, o país precisa mesmo é de freio. Mesmo porque o que causa degradação ambiental, a concentração de capitais nas mãos de poucos a par com a sofreguidão e irresponsabilidade para com os recursos naturais, no Brasil é histórica e constitui a indústria da exclusão social que coloca a todos sob risco.

De mais a mais ninguém precisa se preocupar já que governar não tem mistério. Lula provou isso. A diferença é que Marina Silva está preparada para fazer frente às demandas nacionais e mundiais, vitais, muito mais prementes do que os corredores de exportação. E não vai contemporizar. Poderá ser a primeira mulher a chegar à Presidência, só depende de nós.

Fátima Almeida é historiadora

12 comentários:

Anônimo disse...

wow!! Este artigo de Fatima e simplesmenete a melhor leitura sobre estas novas conjunturas na politica local e nacional..So depende de nos...e eu to dentro!!

Bento Marques disse...

Tiro o chapéu para o que minha amiga Fátima escreveu. Sua inteligência é impar.
Que ventos bons limpem essa sujeira toda.

Observador disse...

O jogo da sucessão presidencial é jogo bruto, principalmente para o apedeuta do lula. Como a arma da marina é o diálogo e a inteligência de mulher, todo cuidado é pouco com seus adversários. Eu disse, todo cuidado é pouco.
Que Deus a proteja.

Anônimo disse...

No geral o artigo põe muitas coisas nos lugares, melhorando a compreensão dos processos envolvidos. Só abro uma objeção quanto a essa crença nas ONGS como portadoras do ideal de redenção da humanidade e dos problemas ambientais. Muitas delas, financiadas por grandes corporações multinacionais, escondem por trás da fachada ambientalista fortes interesses corporativos nos recursos que só lugares ainda preservados como a Amazônia oferecem. Para tanto, é preciso realmente preservar. Resta saber para o usufruto e benefício de quem? Pensemos sobretudo em como vêm sendo tratadas as populações, nativas os transplantadas, que habitam as regiões mais cobiçadas: no geral ou são obrigadas a aderir a algum tipo de processo intensivo de mercantilização da natureza, mudando inclusive suas práticas culturais e de trabalho (processo no qual as ongs fornecem as famosas capacitações para o mercado); ou são "convidadas" a se retirar das terras para dar lugar aos mais diversos tipos de iniciativas, para as quais elas (as populações) constituem embaraço.
Além do mais, se formos levar em consideração o critério de associação às "causas" das ONGs internacionais, é bem provável que Jorge Viana tenha uma proximidade bem maior com esse setor do que Marina. Como diz a própria Marina, essa questão ambiental tem a vantagem de se articular com todas as demais questões geralmente consideradas importantes nos debates sobre desenvolvimento, qualidade de vida, fortalecimento cultural etc. Telvez exatamente por isso, por esse caráter multifacetado, não seja tão fácil delimitá-lo e identificar vilões ou heróis, dada a complexidade do tema. Uma coisa é certa: com os conhecimentos de que se dispõe hoje, seria ingênuo qualificar o conjunto das ações de ONGs como a salvanção.

Grupo de Choro Afuá disse...

Belo texto, muito inteligente.

Lacerda Aquino disse...

AI AI AI

ESSE ASSUNTO DA MARINA PRESIDENTE JÁ TÁ FEDENDO, MEU DEUS!

A CADA DEZ POSTAGENS, 8 SÃO DA MARINA. VÔTI!

Valterlucio disse...

Excelente. Só um pequeno adendo. Existem outros players nesta questão amazônica além dos acreanos Marina Silva e Jorge Viana. Pelo que ouço e vejo por ai quem está com tudo é o Eduardo Braga.

Anônimo disse...

Ops!

Anônimo disse...

Bravo!!!!!!

Anônimo disse...

Putz!!!!!
Isso é que escrever com propriedade sobre esse momento que a Marina e todos nós que torcemos por ela, estamos passando!!!
Parabéns Fátima!
E q a nossa torcida (e trabalho) tambem seja forte, (como aquela que ainda guarda dentro de si a menina pequena, seringueira nascido nos confins da Amazônia ocidental)para eleger Marina Presidente!

Anônimo disse...

sejamos sinceros, o que muda por aqui com a marina no pv? a corja que compõe o partico local vai continuar mamando em nome de uma sigla de aluguel, de um partido que NADA faz em relação à questão ambiental local e amazônico. Quanto à outra corja do pt, se marina é presidente, vai tudo mundo também mamar. Tô fora. Nada muda.

Anônimo disse...

Este texto da Fátima foi ótimo elucidativo, li um texto no blog do acreucho que me deixou com uma "pulga atrás da orelha".