Sérgio Abranches
“Marina Silva (PT-AC) deixou em todos os interlocutores a certeza de que será mesmo candidata a presidente da República, durante as 32 horas que permaneceu em Rio Branco (AC) para ouvir familiares, amigos e aliados políticos a respeito do convite para trocar o PT pelo PV”, informa o jornalista acreano Altino Machado, em seu blog.
Entre os interlocutores, muitos eram emissários do presidente Lula, tentando convencê-la a não sair. De repente, a certeza na candidatura Dilma Roussef (PT-RS) parece ter ficado meio abalada. Lula falou em, reunião recente, que seria preciso “consagrar todas as políticas em uma lei para que nenhum engraçadinho venha destruir essas coisas”. Referia-se aos programas sociais do governo. Sinal de insegurança sobre o resultado eleitoral? Ele vinha dizendo que tinha certeza que elegeria sua candidata. Recentemente, em mais de um momento, deu sinais de que percebe uma disputa mais difícil do que imaginava a princípio. Será que tem pesquisas, mostrando problemas na candidatura de Dilma Roussef? Que o Planalto tem pesquisa, certamente. O que elas realmente estão indicando tem sido um segredo compartilhado apenas pelos íntimos da campanha.
A perspectiva da candidatura de Marina Silva acendeu a luz amarela no painel de controle político do Planalto. Dilma Roussef sentiu-se confortável para dizer que Marina Silva não deveria sair. Como ela é candidata em exercício, não é opinião que a ex-ministra do Meio Ambiente fosse ouvir. Era mais um recado ao PT, para sair em campo e evitar a candidatura. Mas, ao que tudo indica, nem mesmo os interlocutores do presidente que têm a amizade de Marina Silva estão conseguindo demovê-la.
Hoje na Bahia, segundo se lê também no blog de Altino Machado, o jornalista Vitor Hugo Soares, no Bahia em Pauta, registra a seguinte declaração do governador Jaques Wagner: “Tenho que ser sincero: a luta da Marina tem ganhado um projeção cada vez maior no cenário nacional e mundial. Nós não temos a menor possibilidade de pressioná-la para mudar o que pensa e faz”. O contexto era solenidade na UFBA, hoje, em Salvafor, à qual compareceu, em que Marina Silva recebeu o título de doutora Honoris Causa.
Altino Machado diz, no Blog da Amazônia, que Marina Silva, deu a alguns interlocutores a chave que desfaz a dúvida sobre sua decisão. Teria dito a eles, todos petistas, que: “vocês não precisam me acompanhar. Permaneçam no PT e mantenham a coesão da Frente Popular do Acre, para que possam ser ampliadas as conquistas até aqui alcançadas nos três mandatos consecutivos de nosso partido. Esse é um projeto político que tem dado certo no Estado.”
Poder ser uma despedida, um conselho político e uma liberação de compromissos dos mais chegados a ela no PT, com seu novo caminho.
Os proto-candidatos do PSDB, José Serra (SP) e Aécio Neves (MG) comemoraram. Serra, com parcimônia, porém falando de afinidades com a plataforma verde de Marina e que o PV é seu aliado em São Paulo. Aécio, apesar de ser o mineiro, foi mais explícito, especulou sobre a possibilidade de aliança com Marina Silva no segundo turno.
Se ela for para o segundo turno contra Dilma Roussef, o PSDB provavelmente a apoiaria. Se for uma disputa PSDB x PT, tenho dúvida se Marina ficaria contra seu partido de vida e de coração.
É claro que as razões que a levam a deixar o PT estão fundadas na frustração com a agenda ambiental atrasada do presidente Lula e o desrespeito representado por entregar a condução da política para a Amazônia ao ex-ministro Mangabeira Unger. Mas também deve pesar a decepção com o comportamento ético da cúpula petista, quase sempre do lado errado, como no caso agora com José Sarney, que a constrange por ser da bancada petista no Senado.
O PSDB não tem melhores credenciais para apresentar, em várias áreas. Foi leniente com seu ex-presidente Eduardo Azeredo, no caso do mensalão. Abriga aliados de ruralistas, que defendem trabalho escravo e o fim da legislação de proteção à Amazônia. Muitos de seus parlamentares usam e abusam da privatização dos recursos do legislativo e praticam o nepotismo. É do PSDB, aliás do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), a lei mais atrasada e obscurantista sobre controle da internet.
Tanto José Serra, quanto Aécio Neves, têm muito bons secretários de Meio Ambiente. Mas a questão ambiental e climática ainda permanece como um acessório nos dois governos e não como vetor principal das decisões, como Marina Silva pensa que deva ser. Marina está em boa companhia nessa convicção: concordam com ela as principais lideranças social-democráticas européias, o presidente Obama, do EUA, o primeiro-ministro Gordon Brown, do Reino Unido, e lideranças mais conservadoras como Angela Merkl, da Alemanha, e Nicholas Sarkozy, da França.
Muitos setores petistas vêem, equivocadamente, a candidatura de Marina Silva, como uma espécie de linha auxiliar da candidatura tucana de José Serra. Sua função seria tirar votos de Dilma para ajudar a eleger Serra. Fora a visão conspiratória, essa análise não tem fundamento.
Essa eleição tem tudo, menos resultado certo no momento. A vantagem de Serra nas pesquisas é recall, terá que ser confirmada na campanha. Se ele for candidato e conseguir converter os 30% de pesquisa que tem hoje em voto, pode se qualificar para o segundo turno. Tanto Dilma, quanto Marina, quanto Ciro Gomes têm, em princípio, condições de se qualificar também. Se o candidato for Aécio, todos ficam mais ou menos nivelados na partida. É claro que Marina Silva aumenta a competição e ocupa espaço próprio, podendo tirar votos tanto de quem disputar representando o status quo do PT, quanto de quem disputar pelo PSDB. Não há favoritos hoje nessa disputa ainda longínqua.
Em que espaços ela disputa com Dilma, podendo levar vantagem? Entre os eleitores petistas – e não são poucos – desencantados com o comportamento ético do partido; entre os ambientalistas do PT; no eleitorado feminino; no eleitorado jovem, muito mais simpático a uma mensagem ambientalista que tenha credibilidade; no eleitorado negro; no eleitorado com preocupações sociais; no Norte.
Mas ela disputa espaço também com os tucanos, Serra ou Aécio: no eleitorado jovem; no eleitorado feminino; no eleitorado negro; no eleitorado com preocupações sociais; no eleitorado ambientalista não-petista (existem e não são poucos); no Norte-Nordeste.
Marina Silva não fará o discurso da eficiência, embora possa ficar tentada a fazê-lo em relação à sua gestão no Meio Ambiente. Mas o centro de sua campanha será uma proposta sócio-ambientalista. Se ela puxar muito para o lado extrativista e comunitário, perde espaço junto à classe média urbana, que quer ver uma proposta com maior conteúdo científico e tecnológico para o enfrentamento da questão climática e proteção da Amazônia. O discurso extrativista tem força no Norte-Nordeste e em parte da esquerda do Centro-Sul, mas deixaria o eleitorado urbano dessas regiões, com preocupações ambientalistas, porém mais ao centro do espectro ideológico, aberto à pregação dos tucanos.
A agenda mundial imporá a todos os candidatos o discurso ambiental e climático. A questão-chave será a credibilidade dele. Como o carro-chefe da campanha de Dilma é o PAC, totalmente anti-ambiental e contrário à redução do teor de carbono da economia, sua credibilidade nesse tema será muito baixa. Ficará entre Marina Silva e os tucanos.
É evidente que essa eleição não será decidida pela questão ambiental. Mas ela terá peso porque sensibiliza a parte mais educada – e formadora de opinião da classe média – especialmente os mais jovens, com menos de 40 anos. Não é uma fatia desprezível do eleitorado. Numa eleição muito competitiva, pode ser um fator significativo.
Outra vantagem de Marina Silva é ser um fator novo. Novidades sempre atraem o eleitor indeciso, sobretudo em momentos de profundo desencanto político como o que se vive hoje. Aconteceu com Obama. Ele acendeu a chama da esperança em eleitores que, provavelmente, não votariam naquela eleição. Aqui, seriam os 20% de votos nulos e brancos, mais um percentual que não é possível estimar, de faltosos. Pode chegar a algo como 25%. Imaginemos que uma candidatura nova, icônica, como a de Marina Silva, com uma biografia que, como expressão de superação pessoal, de auto-desenvolvimento, valorização da educação como instrumento de ilustração e mobilidade, não tem paralelo na política brasileira, consiga reverter metade dessa alienação eleitoral. Captaria em torno de 12% de eleitores que, em outras circunstâncias, por desencanto anulariam o voto, votariam em branco ou viajariam para não votar e poder justificar a ausência. Se, naquelas fatias do eleitorado, conseguir 14%, como diz o PV que ela teria, estamos falando de uma candidatura de 25%, arredondando. Não precisão em pesquisas, tão distantes da disputa, sem a campanha começar e que ainda podem nem passar de rumor. Nessa hipótese, com todas essas cautelas, poderia ser bastante competitiva no quadro de 2010.
É claro que há outros fatores, como o tempo de TV, reação dos setores mais conservadores do empresariado, do mercado e da sociedade, que operam contra Marina. Mas, esses, ela pode, ainda superar. Marina pode obter a adesão de outros partidos. Na TV, há um tempo mínimo necessário. Além dele, o programa eleitoral começa a ficar cansativo e perde audiência. A eficácia do tempo de TV é crescente até esse limite e cadente, a partir dele.
Também é preciso lembrar que, com muito pouco tempo de TV, Heloisa Helena (PSOL-AL) ficou em terceiro lugar, porque captou exatamente uma parte do voto dos desencantados. A campanha dela acabou perdendo fôlego porque foi se afastando do discurso crítico e indignado que esses eleitores esperavam dela. Tampouco ela tinha uma proposta programática abrangente como a que Marina Silva pode ter, mas o fato de ela ter hoje intenções de votos perto dos 10%, sem ter mandato e sem exposição na mídia, mostra que há demanda para uma candidatura alternativa “às que estão aí”.
Para não enfrentar bloqueio de setores mais conservadores, Marina Silva terá que apresentar assessores econômicos que sejam confiáveis. Tem a vantagem de que não precisam ser o que a esquerda chama de “neoliberais”. A crise econômica e as mudanças na política econômica na Europa e no EUA, superaram essa fase. Hoje a doutrina dominante é mais regulatória, até por causa da centralidade da questão climática. Ela deixaria de ser competitiva se reproduzisse a visão econômica atrasada do governo, um modelo requentado dos anos 60 e 70, de alto carbono, que não tem qualquer viabilidade no século XXI. Mas esse modelo é antagônico à pauta ambiental, já foi apropriado por Dilma Roussef, pode até ser adotado também pelo PSDB, hoje vazio de idéias novas, mas não caberia jamais no figurino de Marina.
Em resumo, a candidatura de Marina Silva, se acontecer mesmo, não é um fator desprezível e influi na competitividade tanto da candidatura do PT, quanto do PSDB.
♦ O artigo do cientista político Sérgio Abranches foi publicado em Risco Político.
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