terça-feira, 9 de junho de 2009

NAS MÃOS DO PRESIDENTE

Marina Silva

A aprovação da Medida Provisória (MP) 458/08, semana passada, no Plenário do Senado, foi o terceiro momento mais triste da minha vida. O primeiro foi quando, ainda adolescente, perdi minha mãe, duas de minhas irmãs e meu tio, num curto espaço de tempo. O segundo foi quando assassinaram Chico Mendes. Agora, meu luto é pela Amazônia.

A MP 458, que está nas mãos do presidente Lula, vai regularizar a posse de 67 milhões de hectares de terra na Amazônia, um patrimônio nacional superior a 70 bilhões de reais, considerando apenas a terra nua. O problema é que, a título de legalizar a situação dos pequenos agricultores, dos posseiros de boa-fé, cujos direitos estão salvaguardados pela Constituição, os maiores beneficiados serão os grileiros, aqueles que cometeram o crime de apropriação de terras públicas e estão por trás da exploração fundiária irregular, da violência e do desmatamento ilegal.

Enviei carta aberta ao presidente pedindo veto a três artigos da MP, o 2º, o 7º e o 13º. Ainda que não conserte todo o mal que ela causa, a supressão desses dispositivos pode amenizar alguns de seus efeitos.

O primeiro veto que proponho é para impedir a regularização das terras ocupadas por prepostos (laranjas), o que está previsto nos incisos II e IV do artigo 2º e no 7º, uma vez que eles possibilitam a legalização de terras griladas, permitindo a transferência de terras da União para pessoas jurídicas, para quem já possui outras propriedades rurais e para a ocupação indireta. Essa forma de ocupação e exploração não deve ser beneficiada, pois desconsidera os critérios de relevante interesse público e da função social da terra.

Já o artigo 13 deve ser vetado para impedir a exclusão de vistoria prévia, procedimento fundamental para identificar a natureza da ocupação e, principalmente, a existência de situações de conflito na área a ser regularizada. Isso, em muitos casos, pode significar a usurpação de direitos de pequenos posseiros isolados, com dificuldade de acesso à informação, de mobilidade e de reivindicação de seus direitos.

Outro pedido que consta da carta aberta enviada ao presidente Lula é de que todo o processo de regularização fundiária seja caracterizado pela transparência e assegure a efetiva participação da sociedade civil, notadamente os representantes dos segmentos ambiental, acadêmico e agrário.

Se o presidente nada fizer, não serão os ambientalistas a sair perdendo, mas o Brasil. O que está em jogo é a vida de milhões de pessoas e a conservação da floresta - uma vez que a grilagem já demonstrou ser o primeiro passo para a devastação ambiental. E não só eu que o diz. Para o Procurador Federal no Estado do Pará, Dr. Felício Pontes, "a MP 458/08 vai legitimar a grilagem de terras na Amazônia e vai jogar por terra 15 anos de intenso trabalho do Ministério Público Federal no estado do Pará, no combate à grilagem de terras."

Segundo a Comissão Pastoral da Terra, 1.377 pessoas estão ameaçadas de morte na Amazônia, entre as quais juízes, procuradores e lideranças que dedicaram a vida à causa da justiça, da lei e da proteção ao patrimônio do povo brasileiro. De 1999 a 2008 ocorreram 5.384 conflitos de terra na região, com 253 assassinatos e 256 tentativas de assassinato.

A MP 458 não foi o único grande retrocesso na legislação ambiental brasileira. Tivemos ainda a edição do Decreto 6848/08, que estipulou um teto para a compensação ambiental, ou seja, independente do prejuízo causado ao meio ambiente, o responsável pelos danos não irá desembolsar mais do 0,5% do valor total da obra; a modificação, após cinco meses de sua edição, do Decreto 6514/08, que exigia o cumprimento da legislação florestal; e a revogação da legislação que protegia as cavernas brasileiras. Para piorar, corremos o risco de ver alterada toda a legislação ambiental do País, por meio de uma proposta apresentada pela bancada ruralista na semana passada, que claramente quer expandir para o Brasil a legislação antiambiental aprovada recentemente em Santa Catarina.

Está com o presidente a decisão de impedir um dos maiores retrocessos na história da luta pela preservação das florestas e pela justiça ambiental no Brasil. No Dia Mundial do Meio Ambiente, 31 organizações da sociedade civil reforçaram, em nota pública, "repúdio à tentativa de desmonte do arcabouço legal e administrativo de proteção ao meio ambiente arduamente construído pela sociedade brasileira". Esta manifestação corresponde às análises que os formadores de opinião e a mídia vêm externando e ao sentimento da população captado por pesquisas de opinião. Cabe agora ao presidente Lula avaliar e agir, enquanto é tempo.

Marina Silva é professora secundária de História, senadora pelo PT do Acre, ex-ministra do Meio Ambiente e colunista da Terra Magazine.

6 comentários:

Janu Schwab disse...

É o "progresso" a qualquer custo. Nessas horas aquele papo de "bicho-grilo" de ver o planeta como um ser vivo fazendo da raça humana um tipo de vírus me parece sensato. Mas ainda é só papo de "bicho-grilo". Como faz?

Anônimo disse...

Vota no PT novamente Marina!!

Anônimo disse...

Cade a turma do Hosmac que nao se pronuncia?

Anônimo disse...

Mas mainha, porque quando ministra você não segurou firme o timão do barco? Agora o bonde já passou. Como diziam os antigos: por falta de um grito se perde uma boiada. Bos sorte.

Unknown disse...

A questão não é “vota no PT novamente”, a Senadora também é do PT.

O fato é que (como previu Mario de Andrade em Macunaíma um herói brasileiro)

Hoje o “companheiro” Lula só conhece o ecologismo que nasce nas rodadas de uísque nas grandes cidades, ou dos banqueiros de Wall Street, em Nova Iorque, ou mesmo do Príncipe Charles (este, aliás, deveria se preocupar em apresentar uma política de proteção do meio ambiente com relação à poluição do Mar do Norte, que é um dos mais poluídos do mundo.)
O “camarada” Lula não entende mais do verde da Amazônia. As regras ambientais que ele entende agora são aquelas do discurso com muito “brilho ecológico” regadas ao verde dos dólares do grande capital que monopoliza a finança internacional, o comercio internacional, as importações, exportações, associados aos grandes exportadores, aos grandes fazendeiros, banqueiros e afins, dentro de objetivos especulativos, fundiários predatórios
Nosso Macunaíma está “ébrio”, embevecido com as artimanhas dos grandes grupos internacionais. Interessados na “soberania relativa” da Amazônia.
Inveterados exterminadores de índios, genocidas dos seus próprios nativos.
Esses mesmos que já produziram desertos impressionantes, jogam chuvas ácidas nas florestas do Hemisfério Norte,deterioram os mares.
A preocupação deles com a Amazônia, no mínimo é suspeita!
Minerais estratégicos e raros, usados em construções de foguetes espaciais, de artefatos nucleares etc. Estão onde? Aqui, na Amazônia!
.Com certeza, esses grupos, também não desconhecem que até hoje o governo brasileiro não desenvolveu um modelo de desenvolvimento soberano, voltado para a preservação da Amazônia, para a preservação do homem e contra a miséria.
O modelo praticado hoje é aquele da rotina perversa onde meia dúzia se desenvolve, vive em padrões de consumo do “Primeiro Mundo”, enquanto a grande massa vai virando biscateiro, desempregado, marginal, favelado, em queda livre para o “Quarto Mundo” num verdadeiro moto contínuo.
E o Governo Federal, responsável por definir a política de ocupação e desenvolvimento amazônico, reforça essa prática com a MP 458.
Senadora Marina, tomara não precisar escrever, também, um livro com o esse título: ENTERRE MEU CORAÇÃO NA BEIRA DO RIO!

Anônimo disse...

Concordo com os posicionamentos da nossa querida senadora Marina Silva, inclusive com os artigos da MP 458/09 que abrem as pernas para os grileiros, acho que é obrigação do presidente vetalos. Porém, qual seria a proposta para a Regularização Fundiária na Amazônia? Acho a idéia de Ordenamento Territorial Local muito vaga, como seria a execução desses OTL´s. Enquanto isso os nossos amazonidas ficam sem ter acesso a políticas públicas e a cidadania.