Valdecir Nicácio Lima
A problemática da exploração sexual de criança e adolescente no Acre tem uma longa história e envolve aspectos culturais, históricos e econômicos muito fortes, o que torna o tema apetitoso para exploração política, promoção social, além de meio de vida para muita gente.
O traço cultural e histórico pode ser analisado quando se leva em conta que, nas últimas décadas do século XIX até as primeiras décadas do século XX, mulheres eram artigo de luxo por esta nossa terra.
Não é por acaso que uma das formas de premiar bons seringueiros que se destacavam na produção de borracha naquela época, era dá a eles o direito de ir até uma aldeia indígena para roubar uma índia e transforma-la em sua mulher. Nesse caso é de se presumir que os seringueiros não iriam às aldeias buscar uma senhora de idade.
No segundo momento da exploração econômica da região, as famílias não tinham nenhuma noção de controle de natalidade. Pelo contrário, a quantidade de filhos dava certo status ao chefe da família como símbolo inequívoco de masculinidade, além de ser os filhos mão-de-obra barata para ajudar na lida rural.
Vem daí a tradição da gravidez na adolescência, pois muito cedo cada rapaz já pensava em formar sua própria família para também ter filhos que seguiriam a mesma teoria do “crescei-vos e multiplicai-vos”.
Essa é também uma prática adquirida com os indígenas da região. Eles também têm em sua cultura a iniciação sexual precoce (para nosso conceito), além da bigamia, que também era uma prática culturalmente aceita.
Se formos um pouco mais fundo na história, veremos que Montesquieu, quando analisava a influência do clima no comportamento social, já dizia que os humanos dos trópicos eram mais “calientes”, portanto mais precoces na atividade sexual.
Mas estes argumentos não são justificativas para a exploração sexual de crianças e adolescentes entre nós. A prática continua sendo abominável em todos os sentidos sendo, portanto, obrigação de todos nós combatê-la em todas suas formas e usando para isso todo o ordenamento jurídico disponível.
O argumento da necessidade econômica das crianças e adolescentes exploradas não se sustenta se analisarmos do ponto de vista do explorador, que tem consciência do ato criminoso que está cometendo. Tampouco cabe sequer analisar o conceito de “livre arbítrio” ou o pseudo direito da vítima de dispor do próprio corpo da melhor maneira que achar conveniente.
Existem alguns pontos altamente vulneráveis na geografia do Estado que merecem atenção especial. É o caso dos municípios de Brasiléia, Epitaciolândia, Assis Brasil, além de Rio Branco e Cruzeiro do Sul. No Vale do Acre e do Juruá é onde se concentra a maioria dos casos de exploração sexual de crianças e adolescente. Não é coincidência que a situação é mais grave justamente onde é mais forte a presença do tráfico e consumo de drogas.
Também vale analisar a freqüência com que se vê a imprensa noticiar casos de desaparecimento, sobretudo de adolescentes do sexo feminino. Outro aspecto que pode se notar em relação à atuação da CPI da Pedofilia aberta na Assembléia Legislativa do Acre, é a expectativa em boa parte da sociedade, inclusive em alguns segmentos da imprensa, de que a mesma só será eficiente se pegar alguns “peixes grandes”, para serem entregues ao.s lobos para serem imolados.
Na verdade ninguém (nem mesmo os pedófilos) em sã consciência concorda em aliviar a pele de nenhum anormal que se aproveita da desgraça, miséria e ignorância dessas crianças e adolescente por explorá-las no que elas têm de mais puro e divino, que é a inocência.
Mas a CPI pode muito mais. Ela pode somar esforços às experiências de instituições como o Ministério Público, os órgãos do sistema Integrado de Segurança Pública, algumas entidades religiosas, dentre outras que já fazem um trabalho digno de registro, sem o quais a situação da exploração sexual de crianças e adolescentes estaria mais seria ainda.
É nesse ponto que a CPI pode dar uma importante contribuição para resolver ou no mínimo atenuar o problema. Ela pode ir mais fundo na investigação das causas que levam as crianças e adolescentes a se prostituírem, ao mesmo tempo em que deve concentrar as ações nas organizações criminosas que alimentam e se alimentam desses esquemas
◙ Valdecir Nicácio Lima é mestre em Direitos Humanos
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