Marina Silva
Passará muito tempo até que esqueçamos o mês de abril de 2009 e sua imagem mais emblemática: pessoas de máscara nas ruas de cidades em todos os continentes. De um lado, o significado desse cuidado é óbvio, ligado à precaução contra um mal que não se sabe exatamente de onde pode vir. De um corrimão, de um aperto de mão, de um beijo. De outro, essa é também a imagem do desamparo e da perplexidade diante de nossa própria fragilidade. A onipotente presença humana no planeta vê-se, de repente, no seu real tamanho, ameaçada por um virus.
E no entanto, não se trata de filme de ficção, do gênero terror. E essa não é a primeira e nem a mais grave pandemia. A gripe de 1918, também conhecida como Gripe Espanhola (embora o primeiro caso tenha sido detectado nos Estados Unidos) matou mais de 20 milhões de pessoas, em uma conjuntura na qual os exércitos acantonados na Europa, ao final da Primeira Guerra Mundial, foram severamente atingidos.
Hoje, a despeito de nossa apreensão, a situação é bem outra. Um único alerta da Organização Mundial de Saúde e orientações de proteção atingem o mundo inteiro em tempo real. Certamente a alta conectividade em que vivemos, se facilita o trânsito do virus, também colabora para a minimização dos danos.
Mas há outros aspectos preocupantes que merecem nossa reflexão. Outra gripe de letalidade alta, a aviária, foi identificada pela primeira vez em 1900. Em 2005, um surto iniciado na Ásia, em Hong Kong, migrou para países do Ocidente. Naquele ano, a OMS adotou, basicamente, estratégia focada na identificação e isolamento da cepa pandêmica, seguida de uso massivo de antivirais. Segundo especialistas, esse tipo de estratégia é insuficiente. Novas cepas surgem a partir de recombinações de partes de vários virus, muitas vezes mais agressivas e resistentes.
Há mais de vinte anos a ciência demonstrou que se dois ou mais virus infectam um mesmo hospedeiro, o processo de replicação viral produz vírus recombinantes, muitos deles geneticamente diferentes dos que lhes deram origem. Assim, distintas mutações podem aparecer num mesmo vírus. Se a nova combinação genética proporcionar ao novo vírus mais agressividade, ele se dissemina rapidamente. É o caso da versão atual do Influenza A H1N1, detectada primeiramente no México. Os oito genes do vírus tem origem de versões que atacam o homem, as aves e os suínos. O mais impressionante é que os componentes genéticos tem origem na América, na Europa e na Ásia.
Parte significativa da comunidade científica e dos ambientalistas vem alertando sobre o papel das práticas do sistema produtivo como um dos vetores da mutação gripal. A criação de animais transformou-se nas últimas décadas em verdadeiras plantas industriais. Nos Estados Unidos são criados 65 milhões de porcos em 65 mil instalações. Pocilgas antigas foram substituidas por instalações gigantescas. Milhares de porcos aglomerados, com sistemas imunológicos debilitados, podem intercambiar e produzir bilhões ou trilhões de vírus recombinantes.
Para nos protegermos de situações como a que o mundo enfrenta nesse momento, entre as medidas importantes de defesa deve-se incluir o "parar para pensar". Sobretudo, para listarmos aquilo que contribui para nossa fragilidade, para além da transmissão da gripe propriamente dita. Em primeiro lugar, é preciso resistir à tentação de tomar medicamentos a torto e a direito porque essa atitude torna mais resistentes os virus e, portanto, alimenta a agressividade da ciranda virótica que parece se reproduzir a intervalos cada vez menores. Em segundo, é fundamental atentar para processos produtivos que podem estar contribuindo de forma perversa para aumentar nossa vulnerabilidade.
Não há, certamente, uma razão única para situações como a que vivemos hoje. Mas a verdade é que, quando tudo volta ao normal, esquecemos de questionar sistemas que tem o seu lado positivo, como é a produção de alimentos em larga escala, porém, trazem consequências que podem vir a ser extremamente danosas. Portanto, é imperativo repensar os sistemas produtivos. Tanto na agricultura quanto na criação e abate de animais em escala industrial vem-se verificando impactos negativos ao meio ambiente e à saúde humana de forma crescente e cada vez mais intensa. É tarefa urgente, do poder público e da sociedade, avançar no aprimoramento desses sistemas, não apenas do ponto de vista dos ganhos em produtividade, mas de modo a contribuir para a eliminação ou mitigação dos fatores de risco ambiental e à saúde humana.
◙ Marina Silva é professora secundária de História, senadora pelo PT do Acre, ex-ministra do Meio Ambiente e colunista da Terra Magazine.
4 comentários:
Como sempre é muito bacana navegar no teu blog,as materias sao super bem escritas e essa da gripe A (escrita)por Marina Silva,tá bem feita e desfrutável.
parabéns mais uma vez Altino pelo bom uso da palavra escrita!
Um cheiro,
Mariah Almeida-Radialísta e produtora de eventos.
O texto da Senadora Marina Silva nos provoca e alerta para a necessidade de sermos protagonistas de uma nova luta, dessa vez "um empate" no planeta terra.
Parar para pensar e AGIR equivale reafirmar que cada um de nós deve ter uma visão ecoplanetária que contemple processos produtivos de alimentos com segurança e sustentabilidade e que promova em seu meio ambiente que é a sua casa, comunidade e província em que vive,- a saúde e qualidade de vida necessária, a partir do que "comemos"...
Que os povos do planeta tenham novas estratégias de produção, políticas estruturantes e logísticas reversas, além de sermos mais exigentes na escolha dos tipos de alimentos que levamos para casa, afinal um outro mundo é possível, quando cada um de nós fizer a sua parte na práxis de ações e atitudes, atuando em rede solidária, construindo uma nova economia popular, baseada no comércio justo para tod@s nós!
Mediador Txai Dinho da Silva
“Repensar” também em como alimentar a reprodução humana (crescimento populacional) de um planeta cuja população mundial mais do que dobrou nos últimos cinqüenta anos, indo de 2,5 bilhões(1950) para 6 bilhões (2000), daí a necessidade da produção de alimentos em larga escala, ainda assim, apenas 1,7 bilhão dos atuais 6;3 bilhões de pessoas que habitam o planeta tem hoje condições de consumir alem das necessidades básicas. Vale lembrar também que não são só “porcos” que vivem em pocilgas e aglomerados, humanos também vivem, inclusive no nosso país onde 63% das cidades ainda despejam o lixo e o entulho a céu aberto em vazadouros, popularmente conhecidos como lixões.E nesse caso específico, cabe a nós, eleitores, de nossos “dignos”representantes cobrar as saídas que muitos deles não conseguem encontrar só discursar.
Marina sempre precisa e sempre pensando lá na frente, nas soluções.
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