domingo, 5 de abril de 2009

A AMAZÔNIA VISTA POR EUCLIDES

Daniel Piza (texto) e Tiago Queiroz (foto)



Amazônia que ocupa as margens do Alto Purus, no Acre, quase não foi tocada pelo homem. De suas matas e espécies nativas, muitas ainda nem sequer foram batizadas. A distância, ali, é medida pelo tempo: um lugar está a tantas horas de barco do outro, ou a tantos dias. O rio desce tão sinuosamente que um ponto que se avista a cem metros adiante só será atingido mais de meia hora depois, assim que se percorrer toda a volta. Pela corrente vêm galhos e até troncos de árvores, não porque derrubadas pelo homem, mas porque tiradas pelas águas caudalosas e barrentas de suas cheias. Paisagens parecem se repetir, como uma curva à direita com imbaúbas e uma pequena praia de barro, dando a impressão de que nada mudou. Índios e caboclos surgem a intervalos, em pequenos povoados onde levam sua vida de subsistência: plantar, caçar, pescar. Ou em canoas com motorzinhos de rabeira e carregadas de macaxeiras e jabutis. Mesmo a flora e a fauna, com exceção das mais triviais garças e andorinhas, se exibem eventualmente, em meio ao silêncio e à aparente monotonia da subida. O que é outono e inverno em outros lugares, ali se chama verão; o inverno, de novembro a abril, é a época do calor e das chuvas, de tal umidade que as noites esfriam e produzem uma cerração que, ao baixar, deixa um orvalho sobre a grama que mais parece resultado de chuva. É como um deserto pluvial.

Foi essa Amazônia que o escritor Euclides da Cunha (1866-1909) viu em 1905: como a natureza flagrada logo depois do Gênesis. Nesse labirinto a vapor, sem pedras nem estradas, sem nomes nem cidades, ele viu o que chamou de "um paraíso perdido", ecoando a expressão do poeta cristão John Milton (Paradise Lost). Planejou escrever sobre ele um grande livro sob esse título - livro que dizia que seria superior ao clássico Os Sertões (1902), o livro de sua juventude, de estilo "bárbaro", produto das reportagens feitas para O Estado de S.Paulo durante a Guerra de Canudos. Oito anos depois de sua incursão no semiárido baiano, onde testemunhou as crueldades e os equívocos do Exército republicano contra a seita monarquista de Antonio Conselheiro, Euclides, ansioso pelos vazios do território, decidiu partir para o Acre.

Primorosa a edição do jornal O Estado de S. Paulo. Clique aqui.

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