terça-feira, 13 de janeiro de 2009

O FUTURO DA ENERGIA

Marina Silva

O Ministério de Minas e Energia colocou sob Consulta Pública o Plano Decenal de Expansão de Energia 2008-2017. Trata-se de um importante instrumento de planejamento para o País porque procura estimar a demanda de energia para os próximos 10 anos e avaliar os novos empreendimentos necessários para gerá-la.

Embora esse plano pareça ser algo da esfera de especialistas em energia, é do maior interesse da sociedade porque nele estão embutidas decisões que afetam pesadamente o dia-a-dia de cada cidadão e o meio ambiente.

É vital o planejamento das obras de infra-estrutura e muito positiva a disposição demonstrada em acolher as contribuições da sociedade através de Consulta Pública. Mas é preciso que o diálogo seja real.

A abertura da consulta foi publicada no dia 24 de dezembro e serão aceitas apenas as contribuições encaminhadas até 30 de janeiro. Pouquíssimo tempo, portanto, para que pesquisadores e técnicos de diversas entidades tenham condições de analisar um documento de 766 páginas e enviar críticas e sugestões. Se o governo quer realmente ouvir a sociedade, é preciso dar mais tempo para que os diversos setores possam participar de forma qualificada. E há muito o que discutir nesse plano.

Petróleo e seus derivados, apesar de serem os principais vilões das emissões de gases estufa que aceleram o aquecimento global, ainda são as principais fontes de energia no mundo, sobretudo para o transporte. O biocombustível (etanol e biodiesel) é hoje uma das alternativas viáveis de redução de emissões e o plano quer triplicar o uso de etanol até 2017 e aumentar bastante as exportações. Mas ainda não está claro se é possível produzi-lo em quantidade suficiente para substituir o petróleo de forma significativa, sem conseqüências negativas para o meio ambiente e para a produção de alimentos.

O mundo todo está pensando alternativas para manter e expandir as atividades humanas utilizando menos combustíveis fósseis e emitindo menos carbono. Consequentemente, qualquer plano de energia nos tempos atuais deve ter entre seus objetivos centrais a descarbonização da matriz energética e a melhoria da eficiência no uso dos combustíveis, sejam de origem fóssil ou renovável, desde a produção até o consumo.

A energia elétrica também precisa ser vista em função desses objetivos. Para o meio ambiente, são mais adequadas as fontes renováveis e seguras, tais como a energia hidrelétrica, a solar, a eólica e a de biomassa - principalmente o bagaço da cana -, além do biodiesel e do etanol. A maior parte das fontes não renováveis, como as termelétricas a carvão, a gás natural, a óleo diesel e a óleo combustível, emite grande quantidade de carbono.

O Brasil é, nesse aspecto, um país privilegiado. Sua matriz energética é renovável em cerca de 45% e a matriz elétrica em mais de 87%, especialmente devido às hidrelétricas. São valores bem acima da média mundial, em especial quando os comparamos à situação dos países desenvolvidos. Neles, a presença de fontes não renováveis, principalmente o petróleo, é muito mais significativa e sua redução depende de investimentos altíssimos.

O Brasil, que está na dianteira desse processo, não pode retroceder, como acontecerá caso o Plano Decenal apresentado não sofra profundas correções. Na sua forma atual ele aumentará, até 2.017, em mais de 5 vezes a energia hoje produzida em usinas térmicas à óleo diesel e óleo combustível.

As primeiras reações à sua divulgação foram de enorme preocupação, o que mostra uma sociedade atenta e preocupada com as ações do governo nas diversas políticas públicas que afetam o meio ambiente. Como forma de justificar essa má opção, usa-se o falso argumento de que o país se obriga a lançar mão de térmicas poluentes porque o setor ambiental resiste a licenciar as usinas hidrelétricas, já que seus maiores potenciais estão na região amazônica. Isso poderia ser verdade se a única opção às hidrelétricas fossem as térmicas e se o Brasil estivesse reduzindo seus investimentos em hidrelétricas por impedimentos de cunho exclusivamente ambiental, o que também não corresponde à realidade.

A tecnologia de geração de energia elétrica que mais avança no mundo é a eólica, em cerca de 30% ao ano. Na Espanha, país em que mais cresceu nos últimos anos, foi realizado estudo demonstrando o impacto do setor eólico inclusive na geração de emprego. Em outros países o crescimento deve se acelerar nos próximos anos. A China pretende implantar projetos para gerar 100 mil MW até 2030, a Índia 50 mil MW nesse mesmo período e a Europa anunciou a meta de produzir 10% de toda a energia a ser consumida na região a partir dessa fonte. Provavelmente o presidente eleito dos Estados Unidos, Barak Obama, deverá anunciar elevados investimentos em energia eólica como parte de seu plano de redução de emissões.

E o Brasil? O Plano Decenal prevê apenas a incorporação de pouco mais de 1.400 MW, cerca de 1% do potencial apontado pelo Atlas do Potencial Eólico Brasileiro, de 2001. O maior potencial está no Nordeste, exatamente a região onde o Plano Decenal prevê a construção da maior parte - 51 das 61 previstas - das térmicas à óleo.

Adicionalmente, os estudos indicam que existe grande complementaridade entre eólica e hidrelétrica nessa região, ou seja, o período do ano que mais venta coincide com a seca, quando reduz a capacidade de geração das usinas hidrelétricas. Este fenômeno permite a preservação dos reservatórios, reduz a necessidade de geração termelétrica e a emissão de gases de efeito estufa, trazendo benefícios econômicos e ambientais.

O plano ainda estima o aumento de geração de energia a partir do bagaço da cana em cerca de 3.600 MW até 2017. Trata-se de um esforço importante de desenvolvimento de uma nova fonte de energia renovável, mas ainda num patamar muito tímido. Também nesse caso, o Plano Decenal considera o desenvolvimento de apenas uma pequena fração do potencial da biomassa.

Por fim, o capítulo chamado "Análise Socioambiental do Sistema Elétrico" faz um esforço para avaliar previamente a complexidade de cada empreendimento, sob o ponto de vista dos impactos ambientais, e propor ações diferenciadas. Os projetos enquadrados em categorias relacionadas a grandes impactos ambientais serão objeto de "nível de ação alto" por parte do governo e do empreendedor. O plano aponta a necessidade, nesses casos, de estudos e ações socioambientais para a inserção regional do empreendimento, segundo os princípios do desenvolvimento sustentável.

Se o MME pretende dar consequência a essa proposta, que responde a uma reivindicação constante das entidades ambientalistas, é preciso avançar com celeridade. O Estudo de Impacto Ambiental da Hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo, está em fase adiantada de elaboração, mas o governo ainda não se dispôs a discutir com mais profundidade um projeto de desenvolvimento sustentável para a região de influência do empreendimento, cuja complexidade ambiental todos conhecem, a exemplo do que foi feito no setor de transportes para o caso da BR-163. Portanto, seria o empreendimento ideal para concretizar a proposta contida no Plano Decenal de Expansão de Energia. Já seria um bom começo.

Melhor ainda se o prazo para as manifestações a respeito do plano for dilatado. Certamemente seus autores se surpreenderão com a capacidade da sociedade brasileira de apontar caminhos e corrigir distorções.

Marina Silva é professora secundária de História, senadora pelo PT do Acre, ex-ministra do Meio Ambiente e colunista da Terra Magazine.

5 comentários:

Anônimo disse...

Desde que nada venha afetar a Floresta e os Rios tudo é bem vindo como desenvolvimento.
Se disserem "não mais, com sustentabilidade podemos trazer desenvolvimento" aí eu fico e digo "vem cá venâncio". Sabe por que? Porque o que já foi destruído não podemos nunca mais compensar...

Unknown disse...

Beleza de artigo, Marina como sempre fala com autoridade de quem conhece do assunto. E lhe faço uma pergunta Senadora, tendo em vista que a força das Hidrelétricas é macro, e visa atender milhões de pessoas, o que a Senhora nos fala sobre a viabilidade da energia solar?

Anônimo disse...

A ponderação e a lucidez desse artigo, da Senadora Marina Silva, demonstra conhecimento de quem está escrevendo e alerta para o público em geral. O governo está querendo fazer dessa "consulta" uma piada de mau gosto, dado o pouquíssimo tempo para apreciação. Manobrinha suja, bem ao gosto do governo Lula. Espero que não tenhamos de reler esse mesmo artigo, daqui a 10 anos, e lamentar que as colocações aqui apresentadas não foram observadas com seriedade. Quero estar enganado, mas isso tá com cara de que vai acontecer. Quem viver verá.

Anônimo disse...

Altino,

A
Senadora Mariana há muito tempo não sabe o que viver no meio do mato,mora em Brasilia, quer que boa parte dos acreanos ( ou acrianos ) vivam como nos tempos das cavernas. Meu Pai socado no meu do mato não tem estrada, não tem energia, não tem como escoar sua produção e não leio um artigo da Senadora sovre esse abandono , em que voltei nela por duas vezes, não vi um artigo publicado como o governo da floresta trata seus " colonheiros ", os grandes fazendeiros caro Altino, não precisam de nada disso que citei para sobreviver. Me permita ficar no anominato pois sou funcionário público estadual e tudo que não quero perder neste momento de crise municipal, estadual e mundial é meu emprego.

Anônimo disse...

Prezado Altino
Prezada Senadora

Muito oportuno o artigo sobre o plano decenal de energia, lancaod pelo governo, na vespera do Natal, e com prazo ate 31 de janeiro para os interessados darem palpite via internet no site da EPE.
Realmente o poder ideologico da opçao energetica dominante afeta quase todos, incluindo a autora do artigo. Nao digo isso por inimizade nem com a intençao de fritar ainda mais a ilustre senadora. , digo na forma de um apelo, feito por alguem que estuda eletricidade, combustiveis, usinas, etc, profissionalmente, ha trinta anos, dando aulas sobre isso, lendo e relendo textos tecnicos, teses, materiais de governo , de empresas, de ONGs, vicenciando locais e atingidos por esses projetos ...enfim, de alguem que dedicou boa parte de sua vida a essa questao.

A referencia feita pela senadora sobre o projeto de hidreletricqa no rio Xingu, o mal afamado Belo Monte, eh lamentavel diante de tantas batalhas contra as hidrel'etricas e seus prejuzios.Ouso tambem comentar que nao adianta dourar a apilula, como se faz para o asfaltamento da BR 163, ou a construcao da Intercoeanica, ...sob a miragem do desenvolvimento sustentavel, algo que foi uma esperança e um ponto de uniao ha quinze , vinte anos, mas hoje simplesmente impensavel nesse pais comandado de fato por capitalistas vorazes e bandiodos contumazes.

Se a senadora precisar, ou achar que vale a pena, posso lhe indicar estudos longos e detalhados sobre as consequencias e os significados em geral negativos que teriam as obras prevsitas para o Xingu. Ainda tenho esperanca de que ela , e alguns outros que ainda balancam entre o desenvolvimentismo e o compromisso com o povo hoje e no futuro, admitam que os projetos das grandes empresas para barrar os rios sao sempre anti-democraticos e que merecem ser combatidos e questionados antes de qualquer outra argumentaçao no plano economico e energetico.

O Xingu nao deve ser barrado, como o Madeira tambem nao devia, como o Tapajos, o Juruena, o rio Machado tambem nao devem, e isso tudo por uma questao de principios eticos, e por uma responsabilidade com a civilizacao, coma historia humana.
Apelo aos razoaveis que ainda nao se venderam:
nao temos que gastar nosso tempo e nossa disposicao de luta com essas energiologias , nem temos que incorporar as falsidades alardeadas pelos arautos do lucro hidreletrico, que foram criados nas tetas da ditadura brasileira e tantas outras, e que nao passam de capachos dos grandes carteis internacionais da industria eletrointensiva.

Fico ao dispor para esclarecimentos, cordialmente
Oswaldo Seva
PS Perdao pelhas fahas de digitacao, estou com um probleminha no meu teclado.