quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

MONUMENTO À DESOBEDIÊNCIA

Da jornalista Dora Kramer, colunista do Estadão:

"De volta à planície depois do discurso de posse de Barack Obama celebrando a tolerância, a coragem, a honestidade, a lealdade e o patriotismo entre outros valores caros à humanidade, Brasília nos oferta a volta de Renan Calheiros à cena, por intermédio do ex-presidente (da República, do Senado, da Arena, do PDS) José Sarney.

É de se perguntar: é tudo o que o Parlamento tem a oferecer ao cidadão brasileiro? Duas décadas e tanto de democracia plena e consolidada, inserção do Brasil na economia global, quebra de monopólios, ampliação do acesso a bens e serviços, formação de uma sociedade mais crítica, provas institucionais vencidas com louvor, nada parece afetar a firmeza do anacronismo na política.

Aquela velha esperteza do vai não vai, do dito pelo não dito, do jogo de simulações, ainda é saudada como demonstração de grande habilidade, digna de louvor e reconhecimento, quando se trata, na realidade, de um legítimo monumento à obsolescência.

O problema não é a pessoa do senador José Sarney, mas o uso que ele aceita que se faça da figura de um ex-presidente da República de reconhecido valor pelo papel exercido na transição democrática, com dotes de moderação e equilíbrio que já prestaram bons serviços ao País.

Não é admissível que agora se ponha a serviço de um senador envolvido em denúncias graves, obrigado por causa delas a renunciar ao mandato de presidente do Senado e salvo da cassação por conta da indulgência de seus pares e pelo que há de mais arcaico na política brasileira: a conjugação do fisiologismo com o corporativismo.

O senador Sarney desponta - faltando mais de 10 dias para a eleição - como o favorito. É bem possível que venha a se eleger porque conta com a maioria dos votos de seu partido, o PMDB, e até agora com a reverência de boa parte da oposição, DEM e PSDB.

Nem tucanos nem democratas ignoram os fatos subjacentes à alegação formal de que, sendo a maior bancada, o PMDB tem todo o direito de reivindicar a presidência da Casa.

Sabem muito bem que o jogo se dá em torno de uma disputa de hegemonia dentro do PMDB entre o grupo que durante o primeiro mandato de Lula prevaleceu na condução dos negócios governamentais do partido sob o comando de Renan e Sarney e a ala que aderiu na reeleição, sob a liderança de Michel Temer e Geddel Vieira Lima.

Ambos os lados lutam pelo lugar de interlocutor privilegiado deste e do próximo governo. PSDB e DEM confrontaram Renan Calheiros e o exortaram a deixar a presidência do Senado, imagina-se que convencidos da veracidade das denúncias que o atingiam.

Como ficam diante da sociedade emprestando os respectivos apoios à volta do canto da antiga musa? Darão o dito pelo não dito? Dirão que não sabiam dos detalhes? Alegarão que a História absolveu Renan Calheiros? Neste caso, ficam devendo desculpas ao senador por tudo o que disseram dele naqueles terríveis meses de 2007, da denúncia até a renúncia.

Oficialmente, justificam que não é politicamente interessante para a oposição dar ao PT a presidência do Senado em período pré-sucessão. Paralelamente apostam no rompimento da aliança PT-PMDB, se incentivarem o apoio a Sarney contra o petista Tião Viana, pondo em risco a eleição do presidente do PMDB, Michel Temer, para a presidência da Câmara.

Estrategistas de fancaria. Ou dissimulados, porque ainda que o mundo se acabe, o PMDB não romperá com o governo faltando dois anos, cinco ministérios, presidências e diretorias de estatais para terminar o mandato de Lula."

5 comentários:

Índia disse...

Eu tenho que admitir que já quase perdi as esperanças em nosssos representantes e seus joguinhos políticos torpes. Sinto-que essas práticas já tão entranhadas na cultura política brasileira nunca terão fim e teremos que nos acostumar de uma vez por todas com as migalhas. E resignadamente.

Carlos disse...

Cara Sandra!!
Não concordo com a sua opnião de que "teremos que nos acostumar de uma vez por todas com as migalhas". Acho que o povo brasileiro tem que pegar umas aulas com nossos vizinhos, os bolivianos. Se o povo brasileiro fosse às ruas reinvindicar, brigar e se for preciso, colocar para correr de seus "postos" todos os deputados, senadores, ministros e cachorradas mais que estiverem no poder, talvez sim, teríamos uma chance de, se não acabar, mas ao menos diminuir razoavelmente essa grande corja de ladrões que se instalam no poder (lembrando que existe uma "meia dúzia" que não se encaixa nessa definição). O povo brasileiro aceita tudo calado, abaixa a cabeça e diz "Amém" para tudo aquilo que os governantes nos "empurram goela abaixo". Lembrando que qualquer movimento necessita ser democrático e justo, não vale é sair às ruas sem um fator que justifique tal movimento. Valos lá povo brasileiro, vamos tentar dar um basta nessas roubalheiras e cachorradas do poder!!

Unknown disse...

Aula de quê Edvandro?, logo com os Bolivianos? Com todo respeito a teu comentário, temos é que eleger, cidadãos probos, e que estejam comprometidos com o bem comum. No Brasil já tivemos a busca do poder pela força e não deu certo. No entanto, nossas instituições estão devidamente fortalecidas democraticamente. Existem meios legais de tirá-los de lá, seja do Senado, seja da Camâra Federal, ou de qualquer outro nível do parlamento. Agora lutar contra a "força da grana que ergue e destrói coisas belas...(remember Caetano Veloso - In "SAMPA", não é fácil, mas o que há na Bolívia é um movimento desorganizado, ou manipulado por quem necessita do poder, mas que não contribui para fortalecer a democracia, e sim uma meia dúzia de candidatos a Ditador ( Esse mesmo da Bolívia, o da Venezuela, etc.., e de ditadura basta a militar de triste memória.

Unknown disse...

Aprender com os Bolivianos? O quê? Tratar os visinhos de forma rude, sem respeitar a lei (se é que existe lei lá). Nossa resposta é dada de forma civilizada e pacífica e democrática, abrigando-os como vem sendo feito pelo Governo. Aqui sim, é um País Democrático. Quanto às mazelas de eleger esse ou aquele político para presidir Camara ou Senado, está em nossas mãos a solução, participou de forma ativa ou passiva para colocar alguém lá, na próxima eleição não se vota mais nele.Enchamos o e-mail dele com protestos, não deixemos ele dormir quando vier a nossa cidade (falo do corrupto).

Unknown disse...

O povo tem o poder de por e tirar. Muitos políticos já sentiram o gosto do protesto civilizado e ordeiro. Na Bolívia é baderna, desrespeito à lei e às pessoas. Quero ver as pessoas aguentarem "Estado de Sítio" aqui no Brasil, como sempre ocorre na Bolívia. Respeito o povo Boliviano como sofredor que é, mas entender que como eles fazem protesto seja solução para os problemas do Brasil, há uma distancia muito grande.