quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

A LIÇÃO AMERICANA

Fátima Almeida

Os Estados Unidos agora assumem que também são uma nação de negros. Durante décadas os filmes produzidos em Hollywood projetavam a imagem do galã branco, alto, bem proporcionado, tipo Rock Hudson, Henri Fonda, Charlton Heston. Na última década cresceu o número de filmes com atores e atrizes negros, inclusive galãs como Denzel Washington. Sem contar que filmes como Mississipi em Chamas passaram a revelar o martírio das populações negras do Sul.

Sabe-se que a idéia de liberdade é muito presente entre os norte-americanos. Lembremos que a inteligência e a criatividade humana se expandem em clima de liberdade de expressão e de pensamento, ao contrário dos ambientes dogmáticos que produzem indivíduos padronizados e reprimidos.

No Brasil, no período abolicionista, aconteceu um esforço, em especial de um deputado da Bahia, para que se fizesse reforma agrária em benefício dos ex-escravos, os quais poderiam adquirir lotes às margens dos rios e ferrovias. Mas a bancada conservadora não só impediu isso como favoreceu a doação de terras no Sul para imigrantes europeus. O desejo das elites brasileiras era, justamente, evitar que o Brasil se tornasse uma nação de negros como o Haiti cuja revolução os deixou em pavorosa.

No Amazonas o governador Eduardo Ribeiro engenheiro, foi altamente inovador , mas o fato de ser um mestiço maranhense aguçou a intolerância e o racismo de políticos amazonenses. Seu suicídio nunca foi explicado sendo que os comentários da época apontavam na direção de um assassinato de fato.

Na Bahia os africanos muçulmanos foram duramente castigados até mais que os outros. Mesmo estes sofreram perseguições religiosas registradas por Jorge Amado em sua obra Tenda dos Milagres. Os baianos, Caetano e Gil e suas intérpretes Gal e Bethânia com seu espetáculo divisor de águas, Doces Bárbaros derrubaram as barreiras e os preconceitos contra a cultura afro-brasileira, em especial os ritmos e o próprio Candomblé. Na Jamaica, Bob Marley ascendeu aos céus da música com o reagge.

O mundo mudou, dizem por toda parte. Enquanto assistia a posse de Obama, pela Globo News, lembrava de quando li A Cabana do Pai Tomás, aos doze ou treze anos de idade. É possível agora relaxar - este foi o primeiro pensamento que me ocorreu. Mesmo porque em períodos de crise do sistema o que se viu até então foi emergência de regimes totalitários. Sendo que tal coisa não pode mais ser possível porque o nacionalismo não pode mais ser instrumento de poder. A eleição de Obama é uma prova inconteste disso. As nações americanas começam a se reconhecer como pluriétnicas, caso da Bolívia, o país tido como o mais pobre do continente que elegeu um presidente indígena e o dos Estados Unidos, o mais rico, que elegeu agora um presidente negro.

Quanto ao Brasil, bem, o Brasil é pródigo em travestir o conceito de mudança no continuísmo das velhas práticas oligárquicas. O Brasil como disse Octávio Ianni não é um continente, é um arquipélago. Assim, o Sul é uma ilha que torce o nariz para o nordeste que é outra ilha que torce o nariz para o Norte e assim por diante. É também Macunaíma ou uma indústria cultural de malandragem.

O Brasil só poderá mudar quando a maioria compreender quatro coisas bem simples: só consumir o que puder pagar; pagar as contas em dia; se rebelar contra impostos abusivos e mandar corrupto para a cadeia como o ladrão que ele é.

Fátima Almeida é historiadora

6 comentários:

Diadora Annos Xhamá disse...

Só duas obervações professora:
Se a recusa da elite da época,em fazer a reforma agrária evitou ,mesmo que involutariamente,que o Brasil se tornasse o Haiti,então muito obrigado a eles !
Se a liberdade de expressão e pensamento favorece a criatividade e a inteligência para o bem,isto só é bom quando o povo do país tem vergonha na cara e costuma seguir as tradições das leis nacionais e dos fundadores dessa nação(isto também não seria um dogma ?)como acontece nos EUA.Caso contrário,acontece como no Brasil,onde a liberdade é confundida com desrespeitos as leis estabelecidas e o que impera é a malandragem.Nós, o povo brasileiro,nunca colocaremos um politico corrupto na cadeia,pois não temos reserva moral para tal.Os politicos (na democracia)nada mais são que o reflexo da sociedade que os elegeram.As exceções só confirmam a regra.
Quanto ao EUA só espero que o atual presidente,não tenha sido eleito só porque sua pele é escura,por que isso seria tão racismo quanto não votar nele por que tem a pele escura.Como brasileiro estou pouco se lixando para a sua cor de pele,porque acima de tudo sua alma é americana e não será diferente dos outros presidentes que passaram na casa branca em relação a América Latina.É só aguardar para ver como aumentará a barreira protecionista ,desvalorizando os produtos do Brasil, visto a relação de Obama com esses setores americanos.E ainda tem brasileiro perdendo tempo assistindo o show sobre sua posse e se emocionando...não é a toa que nos tratam como baratas !!

Índia disse...

Ó texto é excelente, mas não concordo algumas idéias historiadora, haja vista, que no Brasil houve mudanças quando a eleição de um presidente, Lula, um nordestino pobre e enganjado em lutas políticas é a prova viva de que o Brasil quis experimentar algo novo, uma presidente que veio do povo e não querendo "defender" Lula ou qlq político que seja, vejo que seu governo é um dos melhores de todos os tempos, queiram ou não.

Unknown disse...

Pois é Fátima, como já consumimos e compramos, o jeito agora é não comprar mais, e se não houver recursos para pagar as contas, vender alguma coisa, e fugir dos agiotas. como diz o ditado Chinês: " Ser forte na dor; Não desejar o que inatingível ou não tem valor; contente com o dia tal como ele surge; de tudo procurar o lado bom; achar em uma hora de alegria consolo para mil horas de amargura...". Fácil de escrever e ler, difícil cumprir, mas nós somos Acreanos, duros de roer que nem beira de sino. "Deixa a vida me levar....

Unknown disse...

Quanto ao Barack, ignorar o que ele representa para o mundo, é o mesmo que achar que se você nega a existência de algo, isso deixa de existir.Quanto ao tratamento do comentário do Jabor, pior é ser tratado mal aqui pelos Hermanos, como visinhos que somos, no mesmo barco terceromundista, enquanto a recíproca não é verdadeira, haja vista o tratamento que lhes dispensamos seja individual ou coletivo (lembremos do problema boliviano). E o tratamento como nação a que estamos sendo submetidos pela mesma Bolívia, Equador, Paraguai, etc...

Unknown disse...

Fátima, a tua pena sempre afiada e precisa. Continuo teu admirador, com todo carinho e respeito. Dias melhores virão, e estaremos vivos para testemunhar.

Unknown disse...

Quanto ao governo de Lula, ser melhor ou pior que os anteriores, é malhar en ferro frio.Temos que lembrar que quem começou a lutar contra a inflação de forma incisiva foi Ibrahim Eris, o qual sentou no cofre e impediu a emissão desenfreada de dinheiro ( o que geraria inflação), lição essa seguida por FHC como Ministro e depois como Presidente e desembocou no Governo Lula, o qual nada mais fez que seguir a lição anteriormente cumprida por seus antecessores. Quanto ao mérito de seu Governo é incontestável, mas como diz o ditado "Prá frente é que se anda" , esperemos o tempo , ele dirá!