■ Veja:
Tião, o candidato da oposição
Senadores de oposição anunciam apoio à candidatura petista na tentativa de impedir que aliados de Renan Calheiros retomem o comando do Congresso Nacional
Há dois anos, PT e PMDB fecharam um acordo que previa um rodízio entre os dois partidos nas presidências da Câmara e do Senado. Pelo acerto, a partir de fevereiro o petista Tião Viana (AC) presidirá o Senado e o peemedebista Michel Temer (SP), a Câmara. A combinação, porém, está ameaçada desde que o senador Renan Calheiros, que renunciou à presidência do Senado para escapar da cassação por crimes de corrupção, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, exploração de prestígio e sonegação fiscal, decidiu retomar o comando do Congresso. Renan colocou de prontidão seus seguidores dentro do PMDB – que não são poucos – para minar a ascensão do candidato petista. Os argumentos contra Viana revelam o grau de degradação que atingiu o Senado. Os peemedebistas alegam que o petista não pode ser presidente porque, no ano passado, ao assumir interinamente o cargo, ele teria criado terríveis constrangimentos para os colegas ao determinar a transparência nos gastos dos parlamentares, além de impedir o uso da máquina para salvar o mandato de Renan Calheiros. Diante de argumentos tão republicanos, o PMDB quer o senador José Sarney como o próximo presidente do Congresso.
A manobra de Renan Calheiros fragilizou a candidatura de Tião Viana, mas ainda não conseguiu inviabilizá-la por completo. Ao contrário, produziu um fato inédito no Congresso Nacional na era Lula: está se materializando uma curiosa aliança entre o PT e a oposição. Um grupo de senadores encabeçado por Demóstenes Torres, do DEM de Goiás, Tasso Jereissati, do PSDB do Ceará, e Jarbas Vasconcelos, do PMDB de Pernambuco, já fechou questão em torno da candidatura do petista. Os senadores continuam na oposição, votam e discursam contra o governo Lula, mas consideram que a volta de Renan Calheiros e sua tropa ao comando do Parlamento seria um retrocesso sob todos os aspectos, principalmente em relação à já tão desgastada imagem da Casa. Resume o senador Demóstenes Torres: "Tião Viana, nesse contexto, acaba sendo uma noiva charmosa. Ele é criticado por suas virtudes. Entre ele e esse pessoal do PMDB que todo mundo conhece, não há dúvida".
■ IstoÉ:
Vigor aos 78 anos
Derrotado na eleição municipal e com o filho investigado pela PF, o senador articula sua volta à presidência da Casa para ser o interlocutor privilegiado do governo
Nas conversas reservadas que tem com seus aliados peemedebistas, o senador José Sarney (PMDB-AP) tem repetido a mesma frase que diz publicamente sobre a sua pretensão de ser, pela terceira vez, presidente do Senado a partir do ano que vem: "Não quero." Em seguida, porém, ele esboça um sorriso irônico por debaixo dos bigodes que pinta cuidadosamente. "Mas não é 'não quero de jeito nenhum'. O de jeito nenhum fica por conta dos outros", completa. Essa é a senha para entender o jogo de Sarney. Aos 78 anos de idade e 53 de vida política, ele sabe quanto se exporia se admitisse desde já que deseja presidir o Senado, inserindo-se numa disputa franca com o senador acreano Tião Viana, do PT, que também aspira à vaga. Como aconteceu às vésperas de todas as suas principais conquistas políticas, Sarney deixa a ribalta para mergulhar de cabeça nas ações de bastidores. Sem declarar sua aspiração, torna-se o favorito para suceder Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) no comando do Congresso. Ou, pelo menos, faz com que a conclusão do jogo político na Câmara e no Senado passe necessariamente por ele, tirando os maiores proveitos disso. "Ele não perde nunca. Se o Brasil instituísse um regime comunista, no dia seguinte o Sarney virava um comissário do povo", comenta o senador Gerson Camata (ES), um dos seus adversários no PMDB.
Principal aliado de Sarney no projeto para a presidência do Senado, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) espanta-se com a disposição que o homem de quase 80 anos ainda demonstra para a articulação política. "É impressionante que ele, com a idade que tem, ainda tenha tanta vontade de fazer política", comenta Renan. Na terça-feira 18, por exemplo, Sarney viajou a São Paulo para acompanhar a mulher, Marly, e a filha, senadora Roseana Sarney (PMDB-MA), em exames médicos. À noite, porém, ele já estava de volta a Brasília, para uma reunião que definiu nova artimanha no jogo contra Tião Viana. Comandados por Sarney, os caciques peemedebistas no Senado resolveram negociar com os demais partidos os outros cargos de direção na Mesa, deixando o PT de fora. Assim, se Tião insistir em ser candidato, vai para o tudo ou nada: se não virar presidente, o PT ficará sem nenhum cargo de importância. O PMDB crê que os senadores petistas, assustados com essa hipótese, começarão a considerar o abandono da candidatura de Tião para articular uma saída negociada.
O principal trunfo de Sarney está nas conversas que teve com o presidente Lula nas últimas quatro semanas. Por três vezes, Lula repetiu: "Se você quiser ser o presidente do Senado, está resolvido o problema. Eu não apenas não me oponho como apóio a solução." Nas três vezes, Sarney repetiu uma variação da frase dúbia que tem dito nas conversas com os peemedebistas: "Eu não quero, mas o PMDB quer a presidência do Senado." Os peemedebistas imaginam que o que daria força à campanha de Sarney é o ambiente confl agrado que hoje envolve os três Poderes. "O Parlamento precisa de alguém que tenha uma clara compreensão do papel do Poder Legislativo", defende Renan Calheiros.
Na verdade, porém, há além das intenções nobres uma disputa interna de poder no PMDB. No primeiro governo de Lula, toda a negociação com os peemedebistas passava primeiro por Sarney. O senador foi o primeiro aliado de Lula no partido. O presidente não apenas tornou-se grato a isso como passou a admirar a experiência de Sarney, transformando- o num dos seus principais conselheiros. No segundo governo, houve uma formalização da aliança com o partido, e as conversas passaram a ser institucionais, aumentando o poder do presidente do PMDB, Michel Temer (SP), e dos deputados do partido. sarney e renan querem retomar a primazia do diálogo nos próximos dois anos que vão levar à definição do sucessor de Lula na Presidência da república. Numa avaliação que é compartilhada com os analistas de Lula no Palácio do Planalto, sabem que se o PMDB conquistar o Senado os partidos reagirão e não elegerão Michel Temer na Câmara. "O comando das duas casas pelo PMDB é inaceitável", afi rma o senador Renato Casagrande (PSB-ES). Na gangorra que se seguirá, Sarney e Renan voltarão a dar as cartas.
Para Sarney, representará um novo fôlego. Ele não se saiu bem nas eleições municipais nem no Maranhão nem no Amapá. Ainda vive o dissabor de ver os negócios de seu fi lho Fernando no Maranhão investigados pela Polícia Federal, no que considera uma ação política do ministro da Justiça, Tarso Genro, para desestabilizá- lo. No poder no Senado, terá mais possibilidades de recuperar o que perdeu de seu cacife político. Além disso, Sarney poderá, então, pavimentar o caminho que deseja para se tornar um dos principais personagens de um ciclo da República que se encerra. Ele considera que Lula fecha o ciclo da redemocratização do País. À frente do Congresso, Sarney dará posse ao presidente que iniciará a nova etapa da história brasileira.
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