DIVAGAÇÕES SOBRE AS ELEIÇÕES

Com certeza Deus vai acertar as contas, com todos que falam em seu nome sem parar, mas são insensíveis à destruição de tudo que Ele criou

Fátima Almeida

PT é um partido histórico, surgiu dos movimentos grevistas do ABC paulista, com apoio das pastorais. O setor progressista da Igreja, naquele momento, produziu uma doutrina para justificar a sua atuação junto a esses movimentos - a Teologia da Libertação. A Igreja Universal, ao que dizem, foi criada no Chile e de lá se expandiu para o enfrentamento com aquela parcela da Igreja Católica, em toda a América Latina, provavelmente com subsídios de setores retrógrados dos EUA.

Com o Brasil retornando ao Estado de Direito, após um tremendo esforço da sociedade organizada, o PT engajou-se na disputa pelo poder. Feito isso, promoveu a imobilização dos movimentos sociais visando o sucesso de sua gestão via acomodação social para atrair investidores conforme a cartilha do neoliberalismo. Um erro foi o inchamento da máquina estatal para contemplar os fiéis escudeiros que não pararam mais de crescer em números, valendo tudo para estender a base aliada até o infinito.

A criação de barreiras para o diálogo, em especial com os setores que exerciam a crítica, foi um segundo erro histórico, embora a lição dada pela ditadura militar tenha sido tão recente.

Heloísa Helena retirou-se do partido e fundou o PSOL, mas o partido não surgiu, como o PT, das mobilizações, como um autêntico partido da classe trabalhadora organizada. Daí a sua dificuldade em conseguir espaço político pelas vias eleitorais. Nasceu de cima para baixo, com número insignificante de lideranças políticas, o que não foi o caso do PSDB quando surgiu de uma cisão do PMDB.

Vimos que está acontecendo nas periferias um fenômeno novo que é a manifestação espontânea, contra “o que está a”, ou seja, os partidos de esquerda que estão no poder, passaram a representar os interesses das classes médias e pequena burguesia. Vemos funcionários públicos mantendo carros de até R$ 100 mil, às vezes mais de um na garagem, alguns com status de fazendeiros.

Ora, quase todas as famílias das classes médias têm uma ou mais pessoas e amigos que dependem do PT, não para sobreviver, mas para manter o status. Esse tipo de sonho de consumo, todos os partidos que estiveram no poder o fizeram, em especial o PMDB. Como crescem avassaladoramente as adesões, vai chegar um instante que o aparelho não vai suportar. E nem sempre podemos contar com compromisso e interesse em ajudar realmente a administração petista, que não poderia jogar no lixo assim tão fácil a sua identidade, a sua referência como partido da classe trabalhadora. A falta de compromisso com o social, principalmente desses que ostentam, é o mais flagrante. Mas ainda existem grupos comprometidos dentro do PT, pelo menos eu quero acreditar nisso.

As massas, pelas condições culturais óbvias, não sabem o significado de doutrinas tais como o esquerdismo marxista, stalinista, trotskista e outros, cujos ideólogos hoje estão no poder e, portanto, não oferecem distinção nenhuma de quaisquer outros trabalhadores intelectuais que estão lotados no aparelho de Estado sem a mínima formação sociológica.

Mas as populações da periferia, que não têm qualificação, acesso à universidade, saúde e educação de qualidade, segurança, estão muito distantes, hoje, daquelas condições históricas de povo oprimido, rebanho de curral. Hoje, a TV e a internet, oferecem, em meio as suas contradições, muito material informativo que está produzindo essa liberdade de pensamento e vontade própria que se manifestaram, por exemplo, na eleição do vereador Cabide, um vendedor ambulante de detergente.

Existem lan houses em todo lugar imaginável. Nas igrejas evangélicas, que brotam como cogumelos, as pessoas estão descobrindo a própria individualidade e capacidade de expressão, visto que qualquer um pode se tornar pastor através do exercício de oratória e retórica. O único problema é o anacronismo. Como se sabe, o protestantismo surgiu na Europa como um modo de apropriação do patrimônio da Igreja para animar a mercantilização de terras, pessoas, e tudo o mais, no século XVI. Seu nicho foram as populações analfabetas.

Quais grupos econômicos estão se beneficiando dessas massas evangélicas aqui no Acre, honestamente, não faço idéia. Somente os pesquisadores de anos vindouros poderão apresentar uma resposta. No presente não é possível sequer fazer pesquisas. A única coisa de fato preocupante é o excesso de racionalismos e fundamentalismos, que criam obstáculos a uma consciência solidária e salvacionista do Planeta. A fé é um fenômeno universal, mas o desastre ambiental é urgente. Salvar a alma é importante, mas salvar o rio é crucial. Com certeza Deus vai acertar as contas, com todos que falam em seu nome sem parar, mas são insensíveis à destruição de tudo que Ele criou.

Como é possível adorar o Pai e destruir a casa que Ele edificou? É uma contradição horrenda. Melhor ficar com Darwin, apesar de superado, pois ensina a pensar em termos de causa e efeito. Ensinar a pensar vale mais que ensinar a venerar.

Portanto, as populações que estão à margem de tudo e que são numericamente superiores aos letrados e bem nascidos, estão se dando conta finalmente de que o poder público é delas. Aliás, isso sempre esteve presente nas retóricas dos políticos de centro-esquerda. Só que começa a sair do abstrato para o concreto de forma inesperada. É um fenômeno novo, bateu as portas e ainda vai produzir muitas mudanças.

O PT precisa separar o joio do trigo, cortar as banhas e exigir compromisso dos adesistas, ou seja, a contrapartida com o social, de forma sistemática e profícua. Caso contrário, vai ficar refém de tudo que é atrasado ou anacrônico.

◙ Fátima Almeida é historiadora acreana