Marina Silva
Quando se fala em biocombustíveis, a primeira reação é saudá-los como grande oportunidade para o Brasil reposicionar-se no cenário global, visto que a um só tempo estaria trilhando um caminho ecologicamente correto e abrindo excepcionais perspectivas econômicas.
Os biocombustíveis são, de fato, ótima alternativa para a substituição de fontes mais poluentes, derivadas do petróleo, além de terem mercado potencial fantástico, em termos globais. Mas há aspectos a considerar que podem significar o limiar entre ganhos e perdas sociais e ambientais.
Os ganhos dependerão de nossa capacidade de produzi-los observando cuidados como o zoneamento agrícola, as áreas prioritárias para a proteção da biodiversidade, a segurança alimentar, as boas condições de trabalho, o respeito à reserva legal (áreas, dentro de propriedades particulares, nas quais é proibido o desmatamento) e às áreas de preservação permanente, além da criação de sistemas de certificação e rastreabilidade, entre outras medidas determinantes para a qualidade de nossa produção.
Vejamos o exemplo do dendê, que começa a ganhar destaque na corrida dos biocombustíveis. Especialistas internacionais afirmam que a produção do óleo de dendê é hoje a principal causa do desmatamento das florestas tropicais na Malásia e Indonésia. Segundo dados da organização não-governamental Amigos da Terra, a expansão dos plantios de dendê foi responsável por 87% do desmatamento de florestas nativas da Malásia, no período de 1985 a 2000. O Greenpeace lançou, no primeiro semestre deste ano, campanha internacional propondo que a indústria do dendê na Indonésia declare moratória na conversão de áreas de floresta para cultivo e adote critérios rígidos de expansão, punindo com restrições econômicas quem não se adaptar. O próprio governo indonésio parece estar reagindo à devastação, adotando normas mais restritivas.
Em decorrência disso tudo, algo muito preocupante está acontecendo: as empresas que exploram dendê na Malásia estão migrando para o Brasil!
Segundo informa o site BiodieselBr, a FELDA, empresa estatal da Malásia, pretende plantar cem mil hectares de dendê no Brasil e já desenvolve projeto no município de Tefé, no Amazonas, para o plantio de 20 mil hectares em "áreas degradadas". Entretanto, o assunto é polêmico no estado, pois há especialistas que afirmam não existir tal suposta área degradada no município e tampouco teria sido identificada pelo mapeamento por satélite feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o INPE.
A Agropalma, estabelecida no Pará e dirigida por um ex-representante de empresas de dendê da Malásia, já tem 33 mil hectares plantados e pretende expandir-se nos próximos anos. Segundo a imprensa, o Ministério da Agricultura projeta fomentar o plantio de 6 milhões de hectares de dendê na Amazônia, e a Embrapa faz importantes pesquisas para desenvolver variedades cada vez mais adaptadas às condições da região.
Em Tefé ou na Amazônia como um todo, há diversas interpretações sobre a dimensão do potencial que pode ser utilizado para o plantio de dendê ou de qualquer outra espécie exótica. Isso porque alguns consideram que tudo o que foi desmatado ilegalmente até hoje poderia acabar sendo destinado a esses cultivos, sob a alegação de se tratar de "recuperação de áreas degradadas".
A lei manda recuperar com espécies nativas as áreas ilegalmente desmatadas, pela óbvia razão de que o objetivo é repor a floresta no lugar de onde ela não deveria ter sido extirpada. O que está em curso, porém, é uma tentativa de mudar a lei para permitir que essas áreas sejam "recuperadas" com espécies exóticas, como dendê, palma e eucalipto, por exemplo.
Essa e outras iniciativas correlatas, no fundo, premiam quem desmatou, em prejuízo da reposição da função ecológica da floresta. O papel do governo na Amazônia deveria ser o de induzir a uma economia baseada na existência da floresta, e de reorientar o desenvolvimento das atividades agropecuárias segundo critérios de sustentabilidade ambiental, como está previsto no Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia, lançado pelo Presidente Lula em 2004.
A legislação brasileira permite o uso mais intensivo das áreas já convertidas, mas para isso é preciso que se faça o zoneamento ecológico-econômico, de forma a ter uma avaliação criteriosa das atividades econômicas existentes, da capacidade suporte dos ecossistemas e de regeneração da floresta e, em função desses e de outros critérios, do tipo de atividades que poderão ser desenvolvidas. Acenar com esperanças de vantagens para quem desmatou ilegalmente, por meio de retrocesso na legislação e de incentivos para o plantio de espécies exóticas sem considerar esses aspectos, é acatar um comportamento socialmente danoso que pode vir a abrir mais uma frente de expansão da exploração predatória na Amazônia.
◙ Marina Silva é professora secundária de História, senadora pelo PT do Acre, ex-ministra do Meio Ambiente e colunista da Terra Magazine.
Um comentário:
A principal causa do desmatamento é a miseria e a fome. Se nao produzir como vai se alimentar a populaçao do mundo? Nao podemos escolher quem viver e quem vai morrer como estao querendo fazer nesse pais. Lindo essa historia da cana, somente as regioes ricas do Brasil podem produzir etanol, enquanto nos Amazonidas temos que continuar na miseria e vendo nossos irmaos morrerem a mingua, graças a uma meia duzia de inteligentes que querem engessar o nosso crescimento regional... nao existe progresso sem desmate, como dizem que nao se fazem omeletes sem que se quebrem os ovos, na balança de perdas e ganhos, algumas arvores no chao nao sao importante frente ao beneficio que se ganha com a produçao comercial de biocombustiveis, de gado, de graos e de madeira de replantio (que produz muito mais do que a natural)
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