quarta-feira, 7 de maio de 2008

RAPOSA SERRA DO SOL

Moisés Diniz


A gritaria conservadora contra a demarcação contínua de Raposa Serra do Sol ganhou tons envergonhados de uma nação que ainda não conseguiu sequer garantir saúde aos seus povos originais. Intelectuais, políticos e militares, todos se perfilam ao lado do Brasil e posicionam os povos indígenas e seus defensores do outro lado da fronteira.

Aqueles que defendem a demarcação em ilhas de Raposa Serra do Sol são patriotas e estão defendendo a soberania nacional. Aqueles que defendem a demarcação contínua são apátridas e estão a serviço de alguma potência estrangeira. Nunca ouvi tanta bobagem ao mesmo tempo!

Todos sabem que há outras reservas indígenas em terras contínuas, em fronteiras, como é o caso da Cabeça de Cachorro, no Amazonas. E isso não impede a presença do exército, do Estado e de todas as suas instituições.

Dizer que os militares não podem fiscalizar as fronteiras, por causa das terras indígenas, é atentar contra o raciocínio do povo brasileiro. Um sofisma criminoso de políticos e empresários que vêem as reservas indígenas como barreiras poderosas de contenção do avanço do agro-negócio. Eles só não têm coragem de dizer isso ao povo.

Por isso inventam essa estória esteotipada de ameaça à soberania nacional e utilização dos índios como massa de manobra de interesses estrangeiros. Chegam ao ridículo de comparar Raposa Serra do Sol a Kosovo ou a Santa Cruz na Bolívia.

Aqui a elite brasileira e seus ‘soberanos’ auxiliares se enrolam nos conteúdos de cada caso. Kosovo, ao se desgarrar da Sérvia que era Iugoslávia, cumpre um papel de ‘entreposto’ para a Otan. Já Santa Cruz usa a bandeira da autonomia para golpear os avanços da revolução ecológica e indígena de Evo Morales.

Dizem ainda que queremos transformar o Brasil numa Bolívia, onde os povos indígenas comandam atualmente a política e dão fortes dores de cabeça aos velhos senhores de terra, de escravos índios e de toda má sorte que assolou aquela brava nação.

Aqui não passamos de avos em termos indígenas. Os números inteiros são brancos. Minoria das minorias, a população indígena brasileira amarga a ausência do Estado, da saúde, da educação, da proteção contra os madeireiros, os traficantes de drogas, os búfalos do agro-negócio, os garimpeiros.

Falam que os índios têm muita terra e não se envergonham de defender meia dúzia de arrozeiros. Dizem que raposa Serra do Sol é gigantesca e não informam que ela representa apenas 7% do território de Roraima. Quando criticam que os povos indígenas de Roraima ocupam 43% do território, não têm a honestidade de lembrar que, há cem anos atrás, eles eram donos de 100% de toda a terra de lá.

Falam bobagens acerca da internacionalização da Amazônia, mas não ousam assumir que a Amazônia já está nas mãos do capital estrangeiro, nas mineradoras, nas grandes empresas multinacionais do agro-negócio, nas incontáveis e gigantescas propriedades de estrangeiros e no total descontrole de nossas fronteiras, de nossa flora e de nossa fauna.

Sabem que a verdadeira internacionalização da Amazônia é executada todos os dias pelo agro-negócio. Quem ofende nossos brios amazônicos e nossa soberania são devastadores como Blairo Maggi, Ivo Cassol et caterva, que esfolam, estupram, matam e não deixam nada debaixo de seus tratores.

Expulsam da terra o homem nativo, sufocam os rios, derrubam todas as árvores, concentram a riqueza e fazem o ar ficar podre, espantam os pássaros, amedrontam os índios. Cada árvore que cai é um miserável a mais nas favelas, nos presídios.

Tudo em nome do grande negócio, da riqueza, para que filho de governador possa vender carro contrabandeado e presidente de tribunal de justiça, aqui falo de Rondônia, possa enriquecer, fazendo negócio sujo com as suas sentenças.

Amazônia internacionalizada é Amazônia devastada, sem rios, ‘sojada’, ‘encanada’, ‘boiada’, ‘eucaliptada’, sem reservas indígenas, extrativistas, sem recursos naturais em abundância. Amazônia internacionalizada é essa brutal e avassaladora biopirataria, biocanalhice de culpar os inocentes e dar sol aos culpados.

O que muita gente procura esconder é o verdadeiro conteúdo da existência de reservas indígenas. O que elas escondem dos olhos obscenos do homem branco. Os povos indígenas vivem em comunidade e a sua terra é coletiva, de propriedade do Estado. Isso dá arrepios aos donos do capital e da vida.

É que um modelo adverso, construído na ancestralidade, na resistência contra a morte e no verso, está sendo erguido sob o nariz fidalgo de uma elite que não suporta conviver com povos indígenas, quilombolas, extrativistas, favelados.

O que eles não dizem é que as terras indígenas são as únicas propriedades territoriais do Brasil que não estão sob o controle do mercado fundiário. O deus mercado não conseguiu erguer nenhum templo nas aldeias indígenas.

Assim, a opinião do presidente do STF, ao defender a demarcação em ilhas, fica com jeito de parecer jurídico de auditor agrário, como se o ministro fosse demarcador de terras e não presidente do Supremo Tribunal Federal.

O deputado Moisés Diniz (PC do B) é líder do governo na Assembléia Legislativa do Acre.

14 comentários:

lindomarpadilha.blogspot disse...

Caros Altino e Moisés,

O texto está muito bom e gostaria de comentar porque a questão já respinga aqui no Acre. Esta semana, precisamente no dia 05, o jornal O Globo publicou texto no editorial falando todas essas baboseiras que têm sido ditas sobre Raposa Serra do Sol. Ocorre que para arrematar o editorial o jornal diz que "a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol corresponde a mais de 50% do território do Estado e por isso torna o Estado de RONDÔNIA inviável. Isso para que tenhamos idéia da importância que essa gente dá para a Amazônia.
De outro lado, tenho recebido e-mails e lido comentários de pessoas daqui do Acre dizendo que a questão é mesmo de segurança Nacional...etc e tal. Só que essa gente se esquece (ou não) que todas as terras indígenas do Estado podem ser consideradas em áreas de fronteira. Isso implicaria, se valer o argumento dos militares e de alguns parlamentares, que as terras indígenas já demarcadas no Acre passariam por uma 'revisão' e as muitas que ainda faltam ser demarcadas teriam os processos de demarcação cancelados.
Não podemos e não devemos nos esquecer que também aqui no Acre há uma grande pressão para "liberar" as terras indígenas para a exploração mineral. No senado tramitam projetos nesse sentido e, creiam, nada disso ocorre por acaso. "Quartieiros" existem por aqui também.

Bom trabalho

Lindomar Padilha

Jalul disse...

Vai que é tua, Moisés!
De índio você entende tudo, companheiro!!!

Anônimo disse...

Quando todo mundo descobrir que no brasil só tem índio essa brigalhada vai acabar.

Anônimo disse...

salve salve o besterol do deputado

Anônimo disse...

Muito bonito, mas só tem um probleminha: o que paga TUDO hoje, até o que os índios comem e o próprio salário do deputado é a economia de mercado que ele tanto abomina...

Anônimo disse...

Altino, faz aí teus contatos e bota este artigo do Moisés pra circular na mídia. Tá muito, muito bom.

Anônimo disse...

ANÔNIMO 1,

Quando alguém não tem argumento para se contrapor fica só assim: dizendo que é besteira... Sinto muito, mas não posso te ajudar!

ANÔNIMO 2,

Não sou eu quem abomina o mercado. É a tua querida economia de mercado que abomina os índios, os negros, os extrativistas, os quilombolas, os favelados. O mercado exclui, segrega, estupra, aniquila e mata os pobres. Não sou eu quem afirma, são as estatísticas do próprio mercado. Vá brigar com elas, amigo!

Anônimo disse...

Ideologismo barato dos Neocomunistas que ainda vai levar este país a ruína!!!

Anônimo disse...

o que muitos defensores da "soberania" se esquecem é que as terras ocupadas pelos indios são de concessão da União, e que sem eles lá o que em geral se observa é a falta total de vigilância territorial, visto que o exército é insuficiente para manter controle de vasta extensão de terra de fronteira, além disso, um grande exemplo de que os indígenas não são a ameaça à soberania, mas ao contrário são eles quem dão uma garantia à ela é o que acontece na área dos ashaninkas, lá já foram pegos traficantes e madeireiros clandestinos...

Palazzo disse...

Deputado Moisés Diniz, Como vai tudo bem? Eu sou o Palazzo do site www.tarauca.com já nos conhecemos pessoalmente, mas acho que o Sr. não deve se lembrar.
Tenho alguns questionamentos em relação à Raposa Serra do Sol, e gostaria de debater consigo. Não aqui porque virá uma enxurrada de postagens às vezes até ofensiva e isso eu acho que não leva a nada. Quando vieres a Tarauacá por gentileza me procure, o Accioly tem meu telefone.
Um abraço a todos e continuem debatendo civilizadamente, pois assim o Brasil só tem a ganhar.

Anônimo disse...

Chega de blá blá blá, índio quer sossêgo. ïndio quer curtir natureza, índio quer viver.
Índio parabeniza Blog.

Anônimo disse...

'ÍNDIO' SEM APITO'

Os 'índios' yawanawas e ashaninkas, por exemplo, no Acre, organizam a vida, o ritual, a caça, a pesca, a produção. Seus produtos florestais estão sendo industrilalizados, como o óleo da andiroba e o urucum. É produção moderna, gerando renda e EMPREGO COLETIVO, sem destruir o habitat.

Todavia, quando mais modernos na produção, mais conservadores na tradição, nos rituais religiosos e na recuperação de sua milenar história ritualística.

Não são 'índios' do apito, como alguns gostariam. Quando ficam desnudos e se pintam, cantam e dançam suas tradições milenares, não estão parecendo cômicos. Estão ficando bonitos, cabeça erguida, cientes e conscientes da beleza de seus rituais.

No mais é perdorar a ignorância daqueles que não os conhecem e nem se conhecem. Nós perdoamos o homem branco, que parece tão sábio na sua mortalidade diária, quando se droga e se mata com as ervas urbanas. Amém!

Anônimo disse...

É por isso que continuo dizendo que quando todos descobrirem que somos todos índios, as coisas podem melhorar, do contrário vamos ter uma nova história de racismo. Agora contra os brancos!
Vamos deixar de blá blá blá, e amar de verdade.

Che disse...

O Estado de S. Paulo
Espaço Aberto
Dia 10 de abril de 2008
Artigo do Dep. Aldo Rebelo

O conflito secular que opõe os índios a outros estratos da Nação brasileira, como garimpeiros, seringueiros e agricultores, tem na atualidade o seu ponto culminante na reserva Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima. No centro está o antigo problema de terras ocupadas por indígenas versus expansão da sociedade nacional. Há aspectos eqüitativamente relevantes no conflito. Há o ambiental, o indígena, o avanço das forças produtivas, a defesa do território, enlaçados pelo matiz delicado de o cenário da divergência ser zona de fronteira. Não é sábio nem justo escolher um deles para tomar posição. A proteção aos índios, com os quais o País tem uma dívida que é chaga social, tão ou mais escandalosa que a contraída com os africanos, não pode ser praticada de forma unilateral, apartada das demais variáveis do problema.

A demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol foi um erro geopolítico do Estado brasileiro. Sobressai no noticiário a caricatura de um enfrentamento polarizado entre índios não-aculturados e capitalistas-tubarões-predadores, mas, em verdade, também são protagonistas do problema os caboclos, pequenos agricultores, pecuaristas, comerciantes e até o Exército, impedido de exercer a sua missão constitucional de vigiar extensas faixas de fronteira com a Guiana e a Venezuela. Uma parcela dos índios apóia a permanência dos não-índios na área conflagrada de Roraima, inclusive dos arrozeiros, que a Polícia Federal foi expulsar de lá. A demarcação da reserva deveria, portanto, ter levado em conta os interesses legítimos dos diversos estratos sociais ali presentes. Ainda há tempo de identificá-los e acomodá-los de forma justa e fraterna, pois ocorre em Roraima a desavença que o dirigente chinês Mao Tsé-tung chamou de ´contradições no seio do povo´.

É um equívoco cultural reclamar que ´os silvícolas têm muita terra´, pois eles necessitam de grandes extensões para levar seu modo de vida, baseado na caça, no extrativismo, na agricultura nômade e no respeito aos santuários religiosos. No Monte Roraima, a propósito, reside o mito de Macunaíma, cujo nome o escritor Mário de Andrade utilizou no seu romance mais conhecido. Os números da reserva Raposa Serra do Sol, no entanto, suscitam discussões. São 1,74 milhão de hectares de área contínua, pontilhada de fazendas, roças, arrozais, estradas, linhas de energia elétrica, quartéis, cidades e vilas. Foi reservada para uso exclusivo de aproximadamente 15 mil indivíduos, distribuídos em cerca de 150 aldeias. Nada menos que 46% do território estadual constitui terras indígenas.

Curiosamente, é o Norte a região em que os índios menos se multiplicam. Segundo os últimos dados confiáveis, os do IBGE, eles baixaram de 42,4% em 1991 para 29,1% em 2000. Noutras regiões, em contrapartida, houve uma explosão estatística: no Sudeste, as pessoas identificadas como indígenas passaram de 30,5 mil para 61,2 mil, enquanto no Nordeste o salto foi de 55,8 mil para 170 mil. O fenômeno se deve, em parte, à elevada urbanização. Quando levei minha esposa, paulista, para conhecer o Nordeste, conversamos no Monte Pascoal com uma índia pataxó que vendia peças de artesanato rústico. Perguntamos pelo marido e ela respondeu: ´Voltou pra roça. Cansou dessa profissão de índio.´

É confortador lembrar que ao infortúnio histórico dos índios o Brasil contrapôs o bálsamo de algumas de suas maiores inteligências. A causa foi abraçada desde os jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, apóstolos da corrente humanista que desde então a Igreja Católica mantém altiva na defesa das tribos. Nesse apostolado militaram também o estadista José Bonifácio, os escritores Gonçalves Dias, José de Alencar e Antonio Callado, os sertanistas Villas-Boas, o médico Noel Nutels, o etnólogo Darcy Ribeiro, além do monumento moral que nos orgulha como povo, o marechal Rondon. Todos comungavam na doutrina da integração dos índios à sociedade nacional, em grau e métodos variados.

A esses luminares do sertanismo e da antropologia sucedeu uma visão esdrúxula que aparta os índios da Nação e pleiteia sua autonomia em relação ao Estado. Agora, fala-se em ´povos indígenas´, ´nações indígenas´, ´autodeterminação indígena´, como se as tribos constituíssem nacionalidades independentes em territórios emancipados. Chegamos ao paroxismo de tuxauas barrarem a circulação de generais do Exército em faixa de fronteira. Já houve proposta de criação de embaixadas indígenas em Brasília, para que as tribos se relacionassem em posição de igualdade com o governo. Incute-se nos índios, enfim, a idéia de que, em relação aos brasileiros, são estrangeiros.

Como presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, visitei toda a fronteira amazônica. Fiquei ainda mais convencido de que temos o dever de resgatar a dívida histórica com os índios e protegê-los da forma mais generosa de que formos capazes. Mas a generosidade de um país continental deve ser ampla e isonômica, ou seja, estende-se a todos os seus nacionais. É tão brasileiro o índio macuxi quanto o colono gaúcho.

Eles integram uma só Nação diversificada. O Brasil destaca-se mais pelo produto do que pelos fatores, não importa a grandeza que encerrem nem a ordem em que sejam agrupados. O brasileiro de hoje é índio, branco, negro e, sobretudo, o resultado do caldeirão que nos fez uma civilização única no mundo. Um filho de italianos, Victor Brecheret, usou o poder de síntese da arte para traduzir esta riqueza étnica no Monumento às Bandeiras, em que esculpiu no granito bruto a epopéia conjunta de brancos, índios e mamelucos na construção deste grande país.

Aldo Rebelo, deputado federal pelo PCdoB-SP, foi presidente da Câmara dos Deputados e ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

VEJA A REPERCUSSÃO DO ARTIGO NAS CARTAS DOS LEITORES
Fórum do Estadão, Dia 11 de abril de 2008

Em seu artigo A Nação é uma só (10/4, A2), o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) faz uma análise sensata do problema criado pela lei que está obrigando aqueles que trabalham e produzem na Raposa Serra do Sol a deixarem a reserva só para os índios que vivem naquela imensidão de terras. A posição do deputado, tenho certeza, é também a da maioria dos cidadãos de boa-fé deste país, que sempre busca viver e conviver em paz, num processo de integração harmoniosa que deve ser inerente à natureza humana. Parabéns ao deputado Rebelo, que soube se posicionar de maneira sensata e equilibrada para a solução desse problema nacional. Como vemos, nem tudo está perdido. A “reserva de Aldo Rebelo” deve ser a de todos os que lá vivem e trabalham.
RUBENS MUNIZ FERRAZ
rferraz4@uol.com.br
São Paulo

O artigo do sr. Aldo Rebelo sobre o problema da reserva Raposa Serra do Sol nos dá uma visão “estadista” num assunto que tem sido tratado como tratado como “regional” pelo governo. Os fatos relacionados, a abordagem, as ressalvas do articulista conduzem à conclusão de que o Estado deveria rever sua política de mauvaise conscience em relação aos índios. Questões de Estado se tratam sob a égide dos interesses nacionais, e estes passam fora do enfoque adotado pelo governo e pelas ONGs que, embora bem-intencionadas, vêem árvores, mas não a floresta.
GILBERTO MENOCHI
gilmenochi@yahoo.com.br
São Paulo