sábado, 22 de março de 2008

CHE GUEVARA FEZ A BARBA NO ACRE

Elson Martins



Ouvi essa história na semana passada, da boca da menininha que aparece no colo da mãe na foto acima, de 1933. Ela está hoje com 74 anos, chama-se Maria Ferreira Martins e é advogada aposentada. O pai, João Martins Xavier, veio do Ceará para o Acre em 1946 com toda a família. No Quixadá (CE), trabalhava como marceneiro e chegou a ser preso e torturado como comunista.

No Acre, João Xavier trocou de profissão e montou uma barbearia no bairro Seis de Agosto, no Segundo Distrito de Rio Branco. Era um estabelecimento humilde, com apenas uma porta e uma janela de frente, mas muito freqüentado. O dono não trocou de ideologia: foi um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro (PCB) do Acre e quando irrompeu o golpe militar de 1964 teve que se esconder num seringal para não ser preso.

João Barbeiro, como ficou conhecido, estimado e temido, em meados dos anos sessenta (65 ou 66), recebeu a visita de um integrante do PCB, à noite, que lhe pediu para fazer a barba de um estranho. Achou esquisito quando ele, sem pedir autorização, fechou a porta e a janela do pequeno estabelecimento. E também por terem – o amigo e o estranho - permanecido calados o tempo todo. Não era essa a rotina da barbearia.

Barba feita, o cliente agradeceu com um sorriso e gestos e desceu a escadinha de três degraus, de madeira, desaparecendo na escuridão da rua da frente. O amigo (que está vivo, mas não autorizou a citação de seu nome) então voltou e cochichou ao ouvido de João Barbeiro:

- Você acabou de fazer a barba do comandante Che Guevara.

Maria Ferreira Martins comenta que o pai, com idade avançada na época, poderia ter morrido de emoção porque admirava o comandante Che Guevara e falava o tempo todo de sua luta como exemplo. Ao saber a identidade do cliente, tremeu todo e quase desmaiou.

João era um crítico impiedoso dos governos, dos ricos, dos reacionários e corruptos, até das pessoas comuns que não reagiam contra as injustiças sociais. Com os filhos, era intolerante e ríspido:

- Se a gente mentisse, ele adivinhava!

Maria afirma, entretanto, que o pai nunca conseguiu politizá-la nem seus sete irmãos, que permaneceram anticomunistas. Até por que todos sofreram de alguma forma, discriminação por serem filhos do “comunista radical” João Barbeiro.

O velho e honrado comunista faleceu em 1984, aos 85 anos, ironicamente, atropelado por uma bicicleta.

Coincidência histórica
O líder seringueiro Chico Mendes também teria cruzado com Che Guevara na mesma época que João Barbeiro. Numa entrevista que concedeu ao sociólogo Pedro Vicente, ex-delegado do Sesc no Acre, professor da UFAC e autor do livro “Exercícios Circunstanciais”, publicado em 1997 pela editora “Coivara”, de Natal (RN), ele narra o encontro ocasional:

"Eu nunca tinha visto seu retrato (do Che) nos jornais, porque não circulavam revistas ou jornais no seringal. Tinha ouvido seu nome através da Rádio Central de Moscou. Não me recordo bem o ano, creio ter sido em meados de 65 ou 66, eu estava caminhando do seringal para a cidade (de Xapuri). As pessoas costumavam fazer longas caminhadas pela BR-317, na estrada velha, em direção a Brasiléia ou Xapuri.. Eu estava cansado e parei no bar, no entroncamento, a 12 quilômetros de Xapuri. Naquele instante chegou um cidadão vindo das bandas de Rio Branco. Demonstrava ser uma pessoa muito educada, encostou-se no bar e puxou conversa comigo e com outros que estavam próximos. Falou que tinha interesse em conhecer a selva amazônica, principalmente, os seringais e a selva boliviana. Indagou se eu era seringueiro, respondi que sim e há muitos anos. Perguntou se eu não gostaria de acompanhá-lo até os seringais da Bolívia, pois não tinha costume de caminhar na selva. Precisava de uma pessoa que conhecesse os varadouros e o levasse na direção da fronteira. Dava para identificar que não era brasileiro, misturava um pouco de português com espanhol.

Ele conduzia uma mochila, falou que possuía jóias que aproveitava para vendê-las e sobreviver durante o percurso. Não dispunha de muito dinheiro, mas perguntou quanto eu queria por dia para ir com ele até onde pudesse. Não aceitei o convite. Alguém me disse que era perigoso, podia ser um bandido. Não acreditei, mas não podia ir. Alguns meses depois, em Xapuri, passei diante da delegacia e um retrato me chamou atenção. Dizia que Che se encontrava em território boliviano para organizar o terror na região. Fiquei abalado. Lembrei-me que havia visto e conversado com aquela pessoa no entroncamento. Nunca pude imaginar, pensei comigo mesmo, que aquela pessoa fosse um terrorista. Olhei várias vezes a fotografia. Não tive a curiosidade de pegar uma propaganda, um cartaz e guardar comigo. Tempos depois, ao ler o livro sobre a guerrilha do Che na Bolívia, reafirmei a convicção de que cruzei com ele. Posso afirmar com certeza, era o Che!”

Essa história exige a intervenção de um historiador ou pesquisador para confirmá-la. O norte-americano Jon Lee Anderson escreveu uma completa biografia de Che Guevara, publicada em português pela editora Objetiva, em 1997. Trata-se de um calhamaço de 920 páginas que encerra com a trágica aventura do grande revolucionário na Bolívia: Che foi assassinado por militares bolivianos a 9 de outubro de 1967, aos 39 anos de idade, na região do Beni, portanto não muito distante de Xapuri.

Elson Martins é jornalista acreano. A foto de 1933 mostra o cearense João Xavier Martins que se transformou no João Barbeiro acreano, de pé ao lado da mulher Francisca Teixeira Martins com os filhos Juarez, Maria (a entrevistada, ainda no colo) e Chico.

6 comentários:

morenocris disse...

Que informação interessante, Altino. Parabéns.

Beijos.
Bom final de semana.

ALTINO MACHADO disse...

Do professor Alceu Ranzi:
"Caros Altino & Elson:

Muito bom o "post" e o tema sobre a barba do Che. Tenho prazer de conhecer a Advogada Maria Tereza Martins.
Um detalhe no texto me chamou a atenção:
"Che foi assassinado......na região do Beni, portanto não muito distante de Xapuri."
Beni é um dos Departamentos da Bolivia, cuja capital é Trinidad.
Nos meus arquivos mentais a morte do Che estava associada ao Vallegrande e Santa Cruz (de la Sierra). Há alguns anos estive naquela região para conhecer as ruinas Incas da Fortaleza de Samaipata.
Em seguida procurei mais informações na fantástica ferramenta Google Earth.
Eis o resultado: O Che foi assassinado em La Higuera, pequeno povoado do Departamento de Santa Cruz, próximo da divisa de Chuquisaca.
Usando ainda o Google, tomei a distância entre La Higuera e algumas localidades:
Xapuri: Aproximadamente 1000 km
Trinidad (Beni): 450 km
Santa Cruz de la Sierra: 150 km
Fortaleza de Samaipata: 80 km
Vallegrande: 35 km

Coordenadas geográficas de La Higuera (Ver no Google Earth):
18º 47' 41" S
64º 12' 05" W

Conclusão: O Che não foi morto no Beni como afirma o texto.

Um abraço"

Saudades do Acre disse...

Altino, em 1967 eu estava no Acre, e ouví do Padre José, pároco de Xapuri, em conversa de família, que havia detectado a presença (passagem) do Che por lá. Na época, demonstrou preocupação, ultra consevador que era, com a possibilidade de formação de guerrilhas em território acreano ou a cooptação de seringueiros e indígenas brasileiros como mercenários para a empreitada na Bolívia.

MARCOS VENÍCIOS disse...

Isso sim que é um furo histórico.
Che fez a barba na de agosto. esse bairro precisa ser tombado como patrimônio histórico. Afinal de contas, o Acre nasceu lá

Unknown disse...

Coisa boa Altino,

Essas histórias são muito interessantes de serem ouvidas.

Se tiver mais aí no baú, coloca aqui.

Parabéns,

Jurandir Paulo disse...

òtimo relato, parabéns.