sábado, 18 de agosto de 2007

PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO AMBIENTAL

É necessário EIA-RIMA complementar no Acre por causa das usinas do rio Madeira

Kenzo Jucá

Quais indícios existem, que justifiquem a realização de estudos de impactos ambientais adicionais pelo consórcio Furnas-Odebrecht e fiscalizado pelo Ibama, englobando territórios não cobertos na primeira fase dos estudos ambientais das usinas do rio Madeira? O que motivaria tais estudos adicionais?

O que motiva, são incertezas científicas quanto a risco de impactos na faixa de fronteira internacional do Acre. É área de segurança nacional e os rios sofrem alta irregularidade de nível, promovendo secas. Rios e os recursos hídricos da bacia do Purus possuem forte relação ecológica com a bacia do Madeira, que se estende até o Acre.

Existe interdependência entre ecossistemas que habitam rios do Acre e rios afetados pela barragem, como o rio Abuña. É uma interdependência ecológica sistêmica, princípio da análise ambiental, envolvendo migração de espécies de peixes, vegetação e mecanismos de fertilização de terras de várzea para a agricultura familiar – esta dimensão não foi estudada cientificamente como deveria no estágio atual do licenciamento ambiental dos empreendimentos, ou seja, não há certeza sobre risco a estoques pesqueiros acreanos, abastecimento alimentar e impacto a pescadores artesanais e agricultores de várzea não identificados. O Acre poderia ser incluído nas audiências púbicas e no EIA complementar.

A região do Acre em risco de ser afetada pertence à sub-bacia do Madeira até o limite da sub-bacia do Purus e compreende faixa territorial que vai da estreita divisa do Acre com Rondônia, área da rodovia, se estendendo até a área compreendida entre a confluência dos rios Xapuri e Acre e a fronteira com a Bolívia, quando o rio Acre deixa de ser brasileiro.

O território em risco abrange parcelas dos municípios de Acrelândia, Plácido de Castro, Xapuri e Brasiléia, todos com porções territoriais pertencentes à sub-Bacia hidrográfica do Madeira, que sofrerá vários impactos diretos já identificados. Serão impactos nos recursos hídricos, afetando peixes e qualidade da água. Estudos existentes demonstram que as hidrelétricas trarão impactos à migração de peixes na região, bastante intensa entre os rios da bacia do Madeira e do Purus e da bacia amazônica em geral. Isto pode vir a afetar a produção pesqueira do Estado do Acre, a qualidade e o nível da água de seus rios, que já se encontram em situação hídrica preocupante.

Elementos concretos para que o Ibama solicite ao consórcio estes estudos adicionais no Acre existem demais: a extensão da bacia do Madeira até o Acre e sua relação intrínseca com a bacia do Purus; a alteração do traçado da BR-364 (que pode inclusive gerar uma instabilidade de preços ao consumidor no comércio do Acre, o que é um impacto econômico forte); a explosão demográfica e o surgimento de novos pólos econômicos como Jaci-Paraná, que pode esvaziar economicamente Rio Branco e o Acre perante os empreendimentos. Existem incertezas científicas suficientes para que haja precaução e aprofundamento dos dados.

Qual a base legal para a complementação do EIA? O EIA-RIMA complementar está respaldado juridicamente pelo princípio da precaução ambiental. Trata-se de um princípio jurídico, que vem sendo construído internacionalmente enquanto doutrina por juristas, magistrados e tribunais do mundo e do Brasil e que hoje é um dos pilares do direito ambiental internacionalista.

O Brasil forneceu ao mundo importante exemplo da aplicação do princípio da precaução ambiental, no caso dos organismos geneticamente modificados, quando o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná impediu o plantio de soja transgênica em seu território, como precaução ao dano que ela poderia causar, apesar da incerteza científica, que impossibilitava a comprovação dos prováveis danos – este foi um belo exemplo de aplicação do princípio da precaução no Brasil.

O princípio da precaução ambiental tem sido adotado quando existem incertezas científicas dos riscos de determinada ação humana sobre o meio ambiente e sociedade. A adoção dele é fruto de pressões da sociedade civil e demonstra o dinamismo do direito ambiental internacional. Inúmeros tratados internacionais ambientalistas adotaram este princípio, seja de forma mais objetiva ou implicitamente nos documentos.

Diversos tratados deram contribuição decisiva para a evolução das normas jurídicas ambientais no mundo ao adotarem o princípio da precaução, como o Protocolo de Montreal, sobre substâncias que destroem a camada de ozônio; a Convenção sobre Diversidade Biológica; a Convenção de Helsinque, sobre proteção da área do Mar Báltico e outras. O princípio foi endossado em praticamente todos os fóruns internacionais do período e incluído no Relatório da ONU sobre Direitos do Mar de 1990. Após ser incluído como Princípio Nº 15 da Declaração do Rio, na Conferência Rio-92, o princípio da precaução tornou-se parte intrínseca da doutrina jurídica ambiental internacionalista e brasileira, conforme expresso por vários autores e juristas.

Este princípio, a precaução ambiental, está implícito na estrutura normativa brasileira, através do Artigo 225 da Constituição Federal do Brasil de 1988. O princípio já é consagrado de maneira explícita e efetiva no ordenamento jurídico do Direito na Alemanha e na França.

Kenzo Jucá é sociólogo, pós-graduando em desenvolvimento sustentável e direito ambiental pela Universidade de Brasília.

2 comentários:

Anônimo disse...

Vale refletir sobre as assertivas acima. Para ser mais claro, é necessário dizer que os Rios Xipamanu, Ina, Rapirrã e o Igarapé Visionário e outros cursos dágua menores são afluentes do Abunã. E o Abunã, como sabemos, é afluente do Madeira. Uma porção das terras do Acre, pertencem à Bacia do Madeira, e isto pouca vezes é citado ou levado em consideração.

Anônimo disse...

O Acre tem políticos importantes na área ambiental do governo, no senado, até a ministra, o governo estadual tem atuação ambiental forte, a florestania, será que mesmo assim o Acre ainda sofre essa ameaça?