quarta-feira, 13 de junho de 2007

VAI FALTAR SORTE E ARTE

Elson Martins

Podem acreditar: a morte do repórter Zé Alencar (José Roberto de Alencar) deixa a imprensa brasileira muito mais pobre do que temos constatado nos últimos tempos. Era um repórter instigante em tempo integral, sempre interessado na primeira página. Possuía texto atraente mesmo quando escrevia sobre economia.

Mineiro de nascimento, ele somente se tornou jornalista (autodidata) aos 27 anos. Mas teve a sorte de trabalhar com Mino Carta, Claudio Abramo e outros “cobras” do jornalismo dos anos 70 e 80. Passou por quase todas as grandes redações parecendo maior que elas.

Quando o conheci, no fim do século passado, já com mais de setenta de idade, revelava-se enfadado da grande imprensa. Ele se ofereceu para trabalhar como repórter do jornal Folha do Amapá, que eu editava em Macapá. Queria se embrenhar no baixo Amazonas (rio) para descobrir novas histórias.

Não tive condições de garantir nem o piso salarial da categoria, que não chegava a mil reais. E também desconfiava de que não estivesse falando sério. Mas estava: quando retornei ao Acre, em 2003, ele continuou me ligando de São Paulo, querendo saber se não podíamos fazer um jornalzinho alternativo por aqui.

Zé Alencar ficava encantado com algumas histórias de seringal que eu contava. E me encorajava:

- Rapaz, coloca isso em livro. Tu podes não vender muita coisa aqui no Brasil, mas na Europa tu vais arrebentar. No mundo inteiro as pessoas andam de saco cheio das histórias requentadas, publicadas de montão.

No livro de sua autoria “Arte e Sorte” (publicada em 1999 pela Editora Alfa Omega), do qual me deu um exemplar, ele escreveu uma dedicatória me tratando de “amigo e guru”. Quanta honra para mim!

O jornalista Sérgio Buarque de Gusmão, que escreveu a introdução dessa obra, faz a seguinte descrição do Zé Alencar:

- Da linhagem de repórteres que não se assustam com o tamanho da notícia, tem pela reportagem uma paixão carnal. Se vai contar a história de um radiestesista procurado há anos pelo SNI, acha o homem no mesmo dia. Se for destacado para coordenar o noticiário acerca da visita do papa, pede uma ligação para o Vaticano com a intenção de trazer o Santo Padre ao telefone. Se elefantes voam à sua volta, Alencar sai à procura do ninho.

A impressão que tenho é que não existem mais repórteres fazendo isso na imprensa, pelo menos no Brasil, com a mesma sorte e arte do Zé.

Elson Martins é jornalista acreano.

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