segunda-feira, 18 de junho de 2007

GEOGLIFOS DO ACRE

Museu Goeldi e universidades do Pará, Acre e Helsinque iniciam pesquisas dos sítios arqueológicos

Flamínio Araripe

Será iniciada este mês em Rio Branco, a pesquisa de campo do "Projeto Geoglifos: Natureza e Sociedade na História da Amazônia Ocidental", do Museu Paraense Emílio Goeldi e das Universidades do Acre, do Pará e de Helsinque, financiada pela Academia de Ciências da Finlândia/Instituto Renvall. Liderado pela pesquisadora Denise Pahl Schaan, do Museu Goeldi, o trabalho visa o estudo da ocupação pré-colonial na região ocidental do Acre, onde foram identificadas gigantescas estruturas de terra que vêm sendo chamadas de "geoglifos".

Até a segunda quinzena de agosto, cinco geoglifos próximos a Rio Branco vão ser estudados pela equipe, que esperou mais de um ano pelas autorizações do CNPq e Iphan para iniciar o trabalho de campo. Conforme Denise Schaan, as estruturas de terra foram identificadas primeiramente pela equipe do professor Ondemar Dias e, mais tarde, registradas em diversas localidades através de fotografias aéreas pelo paleontólogo Alceu Ranzi.

"Os geoglifos constituem-se, sem dúvida, em um dos mais espetaculares achados da arqueologia Amazônica dos últimos tempos", afirma a coordenadora do projeto. Denise Schaan lembra que Ranzi descreveu os geoglifos em entrevista dada para o jornal "A Tribuna", de 2002.

"Alguns são em forma quadrada com 215 metros em cada lado, e circundados por um fosso que tem 15 metros de largura e quatro metros de profundidade. Para construí-los era necessário movimentar nada menos 51.600 metros cúbicos de terra. O detalhe é que o material retirado do fosso era cuidadosamente amontoado pelo lado de dentro ou de fora dos desenhos, formando assim uma borda de dois e meio a três metros acima do nível do solo".

Google Earth
A edição de maio da revista EOS, da União Geofísica Americana (AGU) publica artigo de Alceu Ranzi, Roberto Feres e Foster Brown, da UFAC, que usaram a base de dados do Google Earth para identificar geoglifos no sudoeste da Amazônia. Intitulado "Software de busca na Internet ajuda na localização de geoglifos amazônicos", o trabalho define estas estruturas de terra como "expressões paisagísticas de civilizações passadas".

Desde 2000, relatam os autores, cerca de 60 geoglifos foram observados em vôos acima de regiões de paisagens recentes deflorestadas no sudoeste da Amazônia, leste do Acre. São estruturas circulares ou retangulares na escala de 100 metros ou mais de diâmetro escavadas no solo com borda de trincheira com 1 a 3 metros de profundidade. Datação de um fragmento de carvão vegetal realizada com Carbono 14 proveniente de um geoglifo indicou que possuem 2.500 anos a 1.000 anos.

Os autores do artigo no EOS levantam questões sobre a distribuição dos geoglifos – se estes foram construídos em savanas extensas ou florestas tropicais, qual a densidade populacional humana à época, e quanto da floresta atual pode ter sido influenciada pela atividade humana.

"As respostas têm implicações importantes para entender as ramificações das mudanças climáticas atuais e as perspectivas para uso da floresta em longo prazo, e a densidade sustentável de população humana na região Amazônica. A análise sistemática da distribuição de geoglifos poderia ajudar a responder essas perguntas", afirmam os autores.

O relato dos três autores destaca a importância da incorporação das imagens pelo Google Earth no leste do Acre, e compara que em apenas poucas horas de estudo com uso da ferramenta na Internet "o número de geoglifos mais do que quadruplicou".

O artigo cita o pesquisador Charles Mann, autor do livro "1491- Novas revelações das Américas antes de Colombo", na afirmação de que os estudos na linha dos geoglifos podem ajudar a resolver problemas de como o clima mudou nesta parte da Amazônia. Os autores identificam áreas de maior densidade e distribuição espacial de geoglifos no Acre.

A edição do livro de Mann, em português, da editora Objetiva, traz na página 13 foto dos geoglifos do Acre, o da "Fazenda Colorado", observa Alceu Ranzi. O pesquisador disse ter falado com Charles Mann, que informou a intenção de visita ao Acre para lançamento do livro, que já teria autorização da National Geographic.

Proteção
Denise Schaan informa que em 1999, Alceu Ranzi, paleontólogo da Universidade Federal do Acre, ao viajar de avião de Porto Velho para Rio Branco, observou estruturas de terra com dimensões gigantescas numa área de pasto. Em sobrevôos, cerca de 25 destes sítios arqueológicos (com mais de um geoglifo cada um) foram identificados do ar em áreas recentemente desmatadas da vegetação original de floresta para a plantação de pastagens para o gado, em uma grande área localizada na parte oriental do Estado do Acre.

"Foi realizada uma visita preliminar em vários destes sítios, sendo tomadas medidas e feitas observações. Em um dos sítios, localizado na Fazenda Colorado, uma estrada vicinal havia cortado uma destas estruturas, deixando à mostra o interior de uma parede, de onde foi retirada uma amostra de carvão para datação. Graças a esta análise, sabe-se agora que o sítio foi ocupado durante o século XIII da nossa era, três séculos antes da chegada dos europeus às Américas", afirma a coordenadora geral do Projeto Geoglifos.

De acordo com Denise Schaan, estas estruturas, que depois foram descobertas em vários lugares ao longo da BR-317, estão sendo chamadas pelos pesquisadores de geoglifos, sendo comparadas às linhas de Nazca, no Peru. "Considera-se que o volume de terra removido para a construção das trincheiras tenha sido fenomenal, o que corrobora a hipótese de que tenham sido realizadas por uma sociedade avançada sociopoliticamente", avalia.

Denise Schaan informa que a pesquisa tem com objetivos principais reconstruir a história cultural da Amazônia Ocidental, os processos culturais, econômicos, étnicos e demográficos antes, durante e depois da chegada dos europeus. Destaca que o estudo irá fornecer informações e recomendará medidas às autoridades locais para a proteção de sítios e seu entorno, visando subsidiar iniciativas turísticas sustentáveis e cooperar com a Ufac, ao ensinar e treinar estudantes em arqueologia.

A coordenadora cita ainda como intuito informar os habitantes locais sobre os sítios e seu valor como herança cultural. "Exibições de longa duração e exibições itinerantes em museus e escolas podem ser um dos produtos da pesquisa".

A pesquisa será realizada na região ocidental do Acre, na Fazenda Colorado, na BR-317, km 4; Chácara Quinauá, na BR-364, km 22; Colônia Santo Antônio, lote 86, BR-317, km 30; Colônia Bom Começo, BR-317, km 40; Chácara Dois Irmãos, BR-364, km 26. Já foi obtida autorização dos proprietários para realização da pesquisa e coleta de material, conforme solicitação do CNPq para concessão de licença para coleta e remessa de material científico por equipe estrangeira.

De acordo com Denise Schaan, a pesquisa visa entender os processos de construção dos sítios – avaliar se os fossos e muros seriam relacionados à defesa ou se seriam somente construídos para a produção de alimentos para as comunidades. "Uma idéia é de que os fossos fossem micro-ambientes aquáticos para recursos tais como peixes, tartarugas ou moluscos para consumo doméstico", observa.

A pesquisa visa investigar modos de produção de alimentos e a intensidade e extensão desta produção em torno dos sítios, de maneira a avaliar possíveis mudanças, processos de adaptação e práticas de uso da terra entre as comunidades. O estudo pretende ainda datar os sítios individualmente através do método radiocarbônico de maneira a obter uma seqüência cronológica e verificar se houve uma evolução da área dos sítios em forma e/ou extensão, informa a coordenadora.

Para atingir as metas propostas, a metodologia inclui técnicas de pesquisa de campo arqueológicas, cartográficas e paleoecológicas, informa Denise Schaan. Serão feitas prospecções arqueológicas para ampliar o conhecimento que existe sobre a dispersão geográfica dos
geoglifos, principalmente a partir de imagens de satélite, fotos aéreas e cartografia. Os dados obtidos através do sensoriamento remoto serão checados em campo.

A pesquisa envolve ainda mapeamento detalhado nos sítios a serem escavados. Estão previstas escavações arqueológicas mais intensas em sítios com maior potencial informativo; amostras paleoecológicas (coletadas através de flotação) de estratos culturais dos sítios e, se
possível, sondagens em bacias sedimentares (se encontradas) para análise polínica. Além, de análise botânica do entorno dos sítios.

O projeto está pensado para durar três anos, disse a coordenadora. Segundo ela, as escavações e mapeamentos se iniciam no final de junho. A equipe faz prospecções para identificar mais sítios e prepara um cadastro dos sítios e um livro com as informações já existentes, disse ela ao informar que no dia 23 vai ao Acre para fechar a edição. No Congresso da Sociedade de Arqueologia Americana em Austin, Texas, no final de abril, Denise e Alceu apresentam o trabalho intitulado "Geoglifos do Acre: Estruturas de terra monumentais da Amazônia ocidental".

"Estamos preparando também uma campanha para sensibilização das pessoas sobre a necessidade de preservação. Muitas estradas e outras obras já danificaram os geoglifos. Precisamos de apoio dos setores do governo e da sociedade em geral para evitarmos esse tipo de coisa e fazermos cumprir a legislação que proíbe a mutilação de sítios arqueológicos", disse Denise Schaan.

Sítios arqueológicos atraem cientistas
Os geoglifos já atraíram a atenção de diversos pesquisadores que vieram visitá-los no Acre, tais como o Michael Heckenberger, arqueólogo; Giuseppe Orefici, de Nazca Peru; Dr. Rossano Bastos, arqueólogo do IPHAN; Sanna Saunaluoma, da Finlândia, arqueóloga Maura Imazio (Goeldi), arqueóloga Niéde Guidon (Fumdham); a "turismóloga" Adalgisa Araújo e o arqueólogo Dr. Rodrigo Aguiar, co-autor com Alceu Ranzi do livro Geoglifos da Amazônia - Perspectiva Aérea.

Alceu Ranzi ressalta que os aspectos jurídicos de proteção dos geoglifos foram objeto de dissertação do biólogo Tiago Juruá Damo Ranzi na graduação em Direito pela Univali em Santa Catarina. Segundo Alceu, Ondemar Dias da UFRJ pesquisou no Acre e notou as primeiras estruturas circulares em 1977. A seguir, os integrantes da equipe de finlandeses e brasileiros que irá trabalhar este mês no Acre:

A coordenadora geral é Denise Pahl Schaan, Ph.D., do departamento de Antropologia da UFPA, pesquisadora associada do Museu Goeldi, curadora do Museu do Marajó, que trabalha com arqueologia amazônica desde 1994. É a responsável brasileira no projeto perante o CNPq, IPHAN e demais
instituições, participa das atividades em campo e coordena as análises de artefatos, assim como participa da análise de dados, elaboração de relatórios e produção de artigos científicos.

Martti Pärssinen, Ph.D. coordenador científico, é professor de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Helsinque, com experiência em arqueologia sul-americana, história e antropologia, trabalhando nesta área desde 1987. Também consultor no projeto, participadas atividades
em campo, análise de dados, elaboração de relatórios e produção de artigos científicos.

Alceu Ranzi, Ph.D. – Geólogo, paleontólogo e consultor, estuda paleoambientes. "Tem sido a pessoa que realmente fez este projeto acontecer, por sua capacidade de colocar todos em contato. Colocou os geoglifos na mídia e chamou a atenção para sua importância, a necessidade de seu estudo e preservação", assinala Denise Schaan. Vinculado ao Laboratório de Pesquisas Paleontológicas da UFAC e Prefeitura de Rio Branco.

Sanna Saunaluoma, M.A. – Estudante de Doutorado na Universidade de Helsinque e curadora do "National Board of Antiquities"; participou de diversas escavações arqueológicas e prospecções na América do Sul desde 1995. Tem trabalhado em sítios arqueológicos pré-contato na vizinha Bolívia. Coordenará os trabalhos de campo, participando da análise de dados, elaboração de relatórios e produção de artigos científicos.

Jacó Piccoli - Antropólogo, professor da UFAC, já desenvolveu pesquisa em geoglifos na década de 1990.

Flamínio Araripe escreve para o Jornal da Ciência.

3 comentários:

Anônimo disse...

Altino, escreva um post sobre o papelao do senador Sibá Machado no RENANGATE que agita Brasília. Como jornalista que já trabalhou em Brasília vc deve ter subsídios para explicar o ridículo papel do nosso representante lá. É triste, lamentável, decepcionante. Dá até vergonha de ser acreano numa hora dessas.

ALTINO MACHADO disse...

Bravo anônimo, leia o blog.

Anônimo disse...

Altino, só para esclarecer: você ainda irá escrever um post sobre o caso, confere? Há tempos não acompanhava o blog e procurei nos últimos posts alguma menção ao caso Sibá e não encontrei.

A todos os leitores: peço desculpas pelo anonimato, mas todos sabemos como se dão as perseguições em Rio Branco. Cautela nunca é demais.

Abraços indignados com a empáfia do Senado.