sexta-feira, 20 de abril de 2007

PENUMBRA DE UM PALCO



Elder Andrade de Paula

Até o momento ainda não havia me pronunciado publicamente a respeito da iniciativa do senador Tião Viana (PT-AC) no sentido de incluir o território acreano nas pesquisas da Petrobrás para possível prospecção de petróleo. Não o fiz por imaginar – equivocadamente, reconheço agora – que dada a extemporaneidade de tal absurdo no contexto regional, tratar-se-ia tão somente da produção de um “factóide” político, naquele estilo difundido pelo prefeito do Rio de Janeiro, César Maia.

Fui ao que denominaram “seminário” na quinta-feira 12 na condição de observador. Dado que a composição da mesa não indicava intenções de estimular um debate franco e aberto, permaneci calado. Contudo, com a evolução dos acontecimentos nos últimos dias, particularmente a divulgação do “Acordão do TCU”, de 11/04/2007 (irei me referir a ele mais adiante), tomei a liberdade de enviar para o Blog do Altino uma reflexão sobre o problema com o intuito de contribuir com o debate que ele tem estimulado sobre essa questão.

Devo preliminarmente desfazer um mal entendido:
Foi noticiado pelos meios de comunicação chapa-branca que a realização do “seminário” teria expressado uma postura “democrática” do senador Tão Viana, uma vez que convidou a “sociedade civil organizada” para o debate. Os fatos revelam o contrário: a iniciativa para apresentar a generosa emenda em favor da Petrobrás foi tomada sem qualquer consulta prévia à “sociedade organizada” e o dito seminário só foi realizado porque o senador foi desmentido publicamente por representantes do movimento indígena, quanto ao suposto apoio destes à sua emenda. Tratou-se, portanto, mais de uma tentativa de “limpar a sua imagem” diante da opinião pública local e nacional do que propriamente uma “recaída democrática”.

Tomarei como ponto de partida o que me pareceu essencial nas argumentações dos componentes da mesa e em seguida qual o seu significado para uma reflexão que vá além do “petróleo deles”. Logo na abertura, o senador Tião, talvez irritado pelas falhas técnicas nos equipamentos que seriam usados para projeção de imagens de Urucu, apresentou um cálculo hipotético das arrecadações provenientes de “royalties”, não me lembro das cifras, mas sim da destinação: segundo o senador, seria viabilizado com ela, por exemplo, o reflorestamento de 250 mil hectares por ano de terras degradadas. Diga-se de passagem, não parece uma lógica brilhante incentivar a devastação e depois gastar para tentar minimizar os seus estragos. A tragédia é que a emenda acaba sendo pior do que o soneto, por que depois trazem a Aracruz Celulose para plantar eucalipto.

Nos argumentos de Newton Reis, diretor da Agência Nacional do Petróleo, ficou evidente as intenções de incrementar as pesquisas para prospecção de petróleo e gás nessa porção do território amazônico (Acre e Madre Dios). Mais ainda: desqualificou outras alternativas energéticas, como a do uso do etanol, afirmando que existem muitas reservas de petróleo no planeta ainda não descobertas, não havendo, portanto, razões para temer escassez nas próximas décadas. O expositor esbanjou ilustrações gráficas e quantitativas para reforçar seus argumentos, embora nem sempre o que pronunciava correspondesse ao que estava indicado no painel.

Nomeado pelo senador como “porta voz” dos “ambientalistas e movimentos sociais” do Acre, Miguel Scarcello, da entidade SOS Amazônia, fez uma demorada apresentação que, mesmo interrompida pelo apagão, foi retomada depois sem cortes. Atitude compreensível, dado que precisou da maior parte do tempo para justificar por que repentinamente mudou de opinião e passou a apoiar a exploração de petróleo no Acre. Pareceu sincero ao revelar que foi chamado pelo senador Tião no seu gabinete para uma conversa e logo a seguir aceitou o convite para visitar a unidade de exploração de Urucu (AM), juntamente com outros “representantes dos movimentos sociais” do Acre - Julia Feitosa e Manoel da CUT (sic). Dois detalhes me despertaram mais atenção na fala de Scarcello:

a. Depois de passar longo tempo fazendo especulações sobre o uso potencial da biodiversidade como alternativa “limpa” para o desenvolvimento na região, faz um malabarismo para demonstrar que uma coisa não exclui outra. Ou seja, a exploração de petróleo, desde que tomadas as “devidas precauções com o meio ambiente” não colocaria em risco a biodiversidade. O “ambientalista” aprendiz de feiticeiro acabou vitimado pelo feitiço: ao apoiar novos campos de exploração de petróleo aceita placidamente essa matriz energética e todos efeitos socioambientais perversos produzidos a jusante, inclusive o aumento do aquecimento global, o que o desqualifica, portanto, como “porta voz” do ambientalismo;

b. Sobre a viagem a Urucu, se deteve mais no questionamento do uso dos “royalties” repassados pela Petrobrás ao Estado e municípios e teria ficado com ‘dúvidas” sobre a destinação desses recursos por parte dos governantes (sic). A respeito dos impactos sociais, suas “dúvidas” teriam sido sanadas no retorno, quando leu, numa tese de autoria de um alemão, uma citação do Prof. Benchimol, onde apontava os efeitos sociais negativos. Por fim, leu um longo documento assinado por ONGs e “ representações dos movimentos sociais” de apoio a iniciativa do senador Tião, desde que asseguradas um conjunto de ressalvas. Se a intenção do “seminário” era abrir o debate com a “sociedade civil organizada” como se explica na sua abertura a existência de um documento expressando uma tomada de posição prévia ao debate? Novamente, o “aprendiz” parece ter sido “traído” pela sua cumplicidade no feitiço.

O conteúdo do documento − não a intenção, dado que seu objetivo era tão somente “respaldar” o senador Tião − parece ter sido absolutamente desnecessário, uma vez que toda a apresentação de Lúcia Gaudêncio, coordenadora de meio ambiente da ANP, pautou-se na descrição da legislação que regulamenta a atividade. Todas as ditas restrições legais à prospecção em unidades de conservação já haviam sido “rasgadas” no dia anterior pelo “Acórdão 560/2007 do TCU”, que libera geral o saque de minérios e florestas em terras indígenas, conforme denúncia feita no Blog do Altino pelos movimentos indígenas do Acre.

O terceiro palestrante foi o senador Eduardo Suplicy ( PT-SP). Sua performance o revelou como verdadeiro “showman”: cantou e fez piadinhas, a maior de todas, contudo, foi reportar-se aos EUA, como modelo de referência para distribuição de renda. Que tristeza, ver um senador do PT reproduzindo com tamanha desenvoltura o culto do colonizado ao imperialismo estadunidense.

Deveria pelo menos ter mencionado, que as migalhas distribuídas aos pobres de lá são resultado da super exploração dos pobres de cá e dos demais de outros países periféricos e semi-periféricos, do saque das riquezas que pratica em todo o globo terrestre. Com seu surrado discurso da “renda mínima”, acaba escondendo a obscenidade da renda máxima e os privilégios das classes dominantes, tão combatidas outrora por seu partido, agora cúmplice e defensor. Saem de cena os trabalhadores, entram os usineiros como “heróis nacionais”, como afirmou em discurso recente o presidente Lula. O senador Suplicy teria respeitado um pouquinho nosso senso crítico – deve imaginar que não há “vida inteligente” nessas matas - se tivesse se preocupado em comentar, ainda que rapidamente (o que não é o seu forte), as denúncias comprovadas da atuação da Petrobrás nos países fronteiriços. Não acredito que ele ignore os estragos ambientais e sociais que estão no rastro da exploração da Petrobrás no Equador, Peru e Bolívia, logo, a omissão pode ter sido intencional.

Diante do exposto, gostaria de concluir pontuando três questões que me parecem fundamentais para o debate:

1. A iniciativa do senador Tião Viana ficou bem explicitada no conteúdo geral das argumentações dos palestrantes. Não é meramente uma “adesão” a esse modelo perverso de desenvolvimento capitalista predatório, trata-se sobretudo, de uma rendição incondicional ao colonialismo e a insustentabilidade estrutural que o consubstancia. A música de uma nota só entoada pelos palestrantes expressa de forma bastante elucidativa os esforços de “adaptar-se” as contingências desse domínio colonial. Desse modo, o pior que podemos fazer agora é cair na armadilha dessa agenda pautada no debate sobre exploração do petróleo. As divergências temporárias entre os grupos de Binho/Marina X irmãos Viana é só na forma, no essencial estão afinados com a mercantilização da natureza, vide a aprovação da lei 11284/2006 que entrega as florestas públicas para os cartéis madeireiros. É a isso e não ao apagão no Teatro que denomino como penumbra de um palco.

2. Parece-me portanto, que não basta dizer um não a exploração de petróleo. Um bom ponto de partida seria mudar a agenda, colocando como centralidade uma avaliação dos oito anos do governo que a floresta para a exploração predatória do capital e agravou no seu rastro a pobreza e a degradação ambiental no Acre, como revelam os dados do Imazon (2007). Portanto, temos que retomar o debate sobre desenvolvimento na sua integralidade.

3. Como terceira questão, faço a seguinte pergunta: quem no momento atual (2007) portaria autoridade moral para deslanchar o debate com o necessário nível de aprofundamento supracitado? Não creio que as autoridades governamentais (do município ao governo federal) e sua base de sustentação (intelectuais orgânicos, parlamentares, “movimentos sociais” cooptados e ONGs ) estejam interessados ou habilitados a cumprir tal papel. Dito de outro modo, quem sabe devêssemos prestar mais atenção na “sociedade civil desorganizada” como potencial protagonista desse desafio? Denomino “sociedade civil desorganizada” um complexo conjunto formado por homens e mulheres de formações e informações diversas que podem articular-se informalmente ou não, e têm como traço comum a recusa consciente à adesão voluntária às organizações que formam a chamada “sociedade civil”, provavelmente por considerá-las cúmplices do poder instituído, encenando tão somente uma “participação de fachada”. Aos que apressadamente julgarem essa possibilidade como “devaneio intelectual”, recomendo olhar com maior atenção experiências como a dos “Piqueteros” (Argentina), Zapatistas (México), Fejuvre (Bolívia) e mais aqui por perto: Movimentos dos Sem Terra e dos Sem Teto no Brasil... Que tal combatermos as penumbras desse palco, a indiferença e o conformismo vigentes nessas terras e florestas, recorrendo à ousadia imaginativa e a rebeldia militante, como o fez de forma excepcional Chico Mendes e seus companheiros de luta?

Elder Andrade de Paula é professor da Universidade Federal do Acre

2 comentários:

Anônimo disse...

Caros Altino e Elder,

Gostaria de dizer que o texto do rpofessor Elder é muito oportuno e bem qualificado em seus argumentos. O movimento indígena e o Cimi há muito vem afirmando que precisaríamos ter maior atenção para o aspecto jurídico da prospecção de petróleo. Denunciávamos, como agora, a existência de pelo menos 100 projetos em trâmite no congresso que visam a abertura das terras indígena para a exploração mineral (pesquisa, lavra e prospecção). Por essa razão eu disse várias vezes, até neste blog, que era preciso um acompanhamento mais de perto do Ministério Público desse debate pelo fato de impactar as comunidades indígenas, ainda que indiretamente.
O acórdão 560/2007 é uma tentativa de criar precedentes para a formação de um arcaboço legal que possa abrir as terras indígenas para esse tipo de exploração. Isso torna a questão de interesse para além do Estado do Acre. Alterar a legislação, especialmente a constituição, para servir aos interesses de grandes grupos econômicos torna a questão ainda mais grave e merecedora de uma grande mobilização e reflexão para intervir nesse processo.
As comunidades indígenas e outras tradicionais, têm muito a nos ensinar neste momento. Precisamos abrir mais nossos olhos e mentes para entendermos o que essas comunidades estão nos dizendo. Não acredito no espontaneísmo mas acredito em formas diferentes de organização. Diferentes e com fôlego que tem resistido à tentativas e pressões sobre seus territórios por séculos. Insisto que eles Têm muito a nos ensinar.
Por fim, o que temos visto é um grande número de entrevistas com os defensores do projeto e não um debate. O pior é que os entrevistados apenas dizem que são a favor sem apresentar nenhum argumento concreto. Portanto, não podemos falar em democracia no caso.

Bom trabalho

Lindomar Padilha

Jozafá Batista disse...

Elder,
As questões referentes a esse debate já existem. E não são recentes. O crash da economia extrativista encarregou-se de criar, em toda a Amazônia e de maneira dramática no Acre, uma demanda crescente por um certo "desenvolvimento" prometido e jurado por todos os governos que se sucederam desde a década de 40. A sociedade acreana foi preparada, historicamente, para esse modelo. Ao contrário do que se pensa, Chico Mendes e sua trupe ajudaram a fortalecê-lo e o fizeram ao propor um modelo de organização socioeconômica a partir de reservas rurais, sem abordar o inevitável intercâmbio futuro dessas áreas com a zona urbana e a lógica inerente a estas. Aliás, a própria divisão entre zonas rurais e urbanas dentro de cidades amazônicas já deixa entrever que também aqui se reproduz, geograficamente, a contradição econômica necessária ao modo de vida moderno - e é dessa fonte, a dependência com base na exclusão, que se alimenta toda a nossa organização sociopolítica, com suas trocas de favores, ostentações e rapapés. Veja, há um intercâmbio envolvendo todas essas questões, e é esse intercâmbio que permite não apenas a criação de consensos em prol do já conhecido "empreendedorismo verde" (que encanta madames e fidalgos do Sudeste-maravilha), mas também em prol do "desenvolvimentismo amazônico". Aliás, já vimos esse filme (no Brasil e nos EUA). A diferença é que, na Amazônia, gerações que viveram sob promessas não-cumpridas geraram uma demanda reprimida por tais modelos, repito. Veja Rio Branco: já viu contradição maior? Saindo do centro, o que temos? Outra cidade! E quanto mais se penetra no âmago desta cidade, mais descobrimos sobre a sua verdadeira história.
Não me assombra, por isso, a facilidade dos tais "consensos" da "sociedade civil". Pudera! Ele não só é possível, como é a nossa marca registrada. De um lado, o elitismo, o emproamento e a ostentação das elites desde a belle-époque do látex, que sempre tiveram facilidades de se fazer representar não apenas a sua própria classe, mas a sociedade acreana inteira! De outro, a máquina dos sub-salários, da miséria, da exclusão e da violência, inclusive simbólica, contra todos os "arigós" e seus descendentes, que ao mesmo tempo que os explora, os acusa de inapetência e incapacidade mental exatamente para impedir a sua participação nos processos de formação da política democrática. É assim que se mantém, com poucas roupagens novas, os velhos mecanismos de troca de votos por qualquer mercadoria - agora a moda é o dinheiro vivo. Por tudo isso, creio que a questão petrolífera atual é apenas uma das manifestações do velho processo doentio de empoderamento da representatividade acreana. E sou pessimista: não vejo como isso pode mudar, principalmente enquanto a máquina da promessa de inclusão tiver como combustível exatamente a exclusão, com base no seguinte esquema: a exclusão cria uma demanda pela inclusão que, por sua vez, é falsamente inclusiva: é mais um novo pacote de exclusões, maquiado exatamente para manter o velho jogo de poder.