Luciana Sgarbi
Enquanto governantes assinam protocolos e ensaiam leis que prometem conter o desmatamento na Amazônia, são ainda os trabalhadores e a população local que defendem, como podem, cada árvore da maior floresta do planeta. Esses trabalhadores e seus novos líderes são seringueiros que herdaram o legado do ativista ambiental Chico Mendes, assassinado em 1988 porque se opunha abertamente àqueles que tratam a Floresta Amazônica como uma fonte de lucros desenfreados – os relatórios ambientais alertam que, até 2080, a mata pode virar uma grande savana. Para mudar esse quadro, o engenheiro florestal Pedro Bruzzi desponta como o atual Chico Mendes, menos radical no discurso, mas nem por isso menos combativo em suas ações. Ele coordena os projetos do Centro dos Trabalhadores da Amazônia, uma espécie de escola para formar novos Chico Mendes. Já foram formados 300 líderes comunitários que atuam como guardiães da floresta para defender o berço mundial da biodiversidade.
ISTOÉ – Quais as dificuldades que os seringueiros enfrentam atualmente?
Pedro Bruzzi – As principais carências estão relacionadas aos serviços básicos de saúde, educação e habitação que ainda não chegam aos seringais. A produção extrativista centrada em dois produtos básicos, borracha e castanha, não vem oferecendo as condições mínimas de qualidade de vida. Por isso a opção pela pecuária ganha espaço.
ISTOÉ – O modelo de reservas extrativistas não era um dos centros de luta do líder Chico Mendes?
Bruzzi – Sim. E foi uma grande vitória do movimento seringueiro liderado por Chico Mendes. Pena que hoje essas reservas estejam em colapso. A reprodução socio econômica desses modelos de assentamento e de reserva extrativista não está sendo assegurada. O desmatamento, a pecuária e a lavoura de grãos vêm substituindo a floresta e o extrativismo, os seringueiros estão sendo substituídos pelos agricultores.
ISTOÉ – Quais os principais problemas gerados por isso?
Bruzzi – Na verdade existe uma cascata de problemas. Os mais graves são a venda das propriedades rurais dos seringueiros, o que chamamos de colocações, a conversão da floresta em pasto, a corrupção, a migração para favelas nas periferias urbanas e a perda da cultura extrativista.
ISTOÉ – A luta travada por Chico Mendes continua? Os problemas ainda são os mesmos?
Bruzzi – Diria que sim. Apesar da vitória da conquista da terra com a criação das reservas extrativistas e dos assentamentos agroextrativistas, observamos que essas áreas estão sofrendo desmatamentos desenfreados, êxodo das populações e, em contrapartida, há a chegada de agricultores do sul do País para aumentar esse desflorestamento. A terra foi conquistada, mas a territorialidade, o domínio sobre ela e a capacidade de produção em equilíbrio com a floresta, gerando qualidade de vida digna às populações tradicionais, isso ainda não se conquistou.
ISTOÉ – Existe apoio do governo?
Bruzzi – Os governos do Amazonas e do Acre realizaram, nos últimos anos, um grande esforço para trazer ao âmbito das políticas públicas grande parte das propostas defendidas por Chico Mendes, desde o investimento na valorização do extrativismo, através de incentivos econômicos e do fortalecimento das cooperativas seringueiras, até a busca por novas alternativas de valorização do recurso florestal. Nesse momento o grande desafio é de como a sociedade se apodera dessas políticas, como ela, em vez do Estado, pode ser a grande força motriz dessa mudança. É necessário ir além da floresta e realizar investimentos na base social. Realizar mudanças consistentes nos indicadores educacionais que permitam a seringueiros, índios e colonos assumirem a autogestão de seus recursos e, em última análise, de seus destinos.
ISTOÉ – Mesmo com denúncias sobre a extração ilegal pelas indústrias madeireiras, a devastação da Amazônia continua. Por quê?
Bruzzi – Há uma tendência global de hegemonia e proliferação do capital que o neoliberalismo acolhe com carinho. Caímos naquela questão levantada por Frei Beto: se o mundo é uma grande espaçonave, por que alguns viajam de primeira classe e outros não? Para que toda a população da Terra possa ter o nível de consumo de Nova York, de Paris ou das elites de nossas grandes capitais seriam necessárias mais umas quatro ou cinco Terras que suportassem essa sede estabelecida pelas elites, que, diga-se de passagem, são menos de 1% dos seis bilhões de habitantes do planeta.
ISTOÉ – E o Brasil nisso?
Bruzzi – O Brasil adota medidas eficientes e eficazes para um real aprofundamento no problema do desmatamento, mas não adota uma abordagem do problema ambiental do desmatamento em conjunto com as questões socioeconômicas.
ISTOÉ – Existe fiscalização?
Bruzzi – Sim. Mas não é a melhor alternativa para se preservar e conservar os recursos naturais, que devido a sua extensão praticamente inviabiliza ações de comando e controle ambiental do ponto de vista orçamentário e da infra-estrutura necessária. Vale ressaltar que é fundamental a fiscalização, que devem ser investidos cada vez mais esforços nesse sentido, fortalecendo e ampliando a capacidade do Ibama e das secretarias estaduais de meio ambiente. Existem esforços do atual governo em implantar uma política de valorização da floresta, como é o caso do projeto de lei de Gestão de Florestas Públicas e da estratégia dos Distritos Florestais.
ISTOÉ – Fala-se muito na valorização da floresta. O que é isso?
Bruzzi – Para que possamos entender a valorização da floresta devemos pensá-la como um ativo qualquer. A pecuária extensiva na Amazônia rende anualmente, em média, segundo informações do Instituto Socioambiental, de R$ 150 a R$ 200 líquidos por hectare. Um hectare de pasto vale bem mais do que um hectare de floresta, logo se torna mais interessante desmatar. A lógica predominante é: o capital migra para onde ele se reproduz com mais eficiência. Se for mais eficiente na soja, ele vai para a soja, se for no mercado de valores, é para lá que ele vai, se for no boi, vai para o boi, e, se for mais eficiente na floresta, ele migra para a atividade florestal.
◙ Luciana Sgarbi, da revista IstoÉ, infelizmente não perguntou ao Pedro Bruzzi sobre a prospecção de petróleo e gás no Acre.
4 comentários:
E qual é a opinião do Pedro Bruzzi sobre a prospecção de petróleo?
Desde que a morte de Chico Mendes o transformou em mártir da causa ambiental, embora eu sempre tenha afirmado que sua causa era agrária, não foram poucos os que se candidataram a sucedê-lo. Alguém precisa simbolizar essa luta. Mas como gerar um novo se o velho ainda está quente nas páginas de todo dia? Essa é uma pergunta importante para qualquer cidadão que se meta a compreender o mito.
É como perguntar: como surgir um novo Cristo, um novo Ghandi, um novo Buda... ou, se quisermos ser menos ambiciosos, um novo Mozart, um novo Michelângelo, um novo Neruda, um novo Soljenítsen... quem sabe, mais humildemente, como reconhecer um novo Churchil, um novo Rui Barbosa, um novo Pelé?
Pois então... não dá. Mas há quem pense que dá. Aí repórteres apressadinhos ficam tentando projetar uns aqui e outros acolá pondo em risco inclusive a idoneidade de pessoas e organizações. O processo de mitificação de Chico Mendes ainda está em curso. Não dá pra substituí-lo ou criar um clone. Se desse, Marina Silva já estaria à postos – esforço e vontade é o que não faltam.
Agora vem a Revista Isto É e em suas páginas vermelhas sacramenta o engenheiro florestal Pedro Bruzzi como sendo O NOVO CHICO MENDES. Sinceramente. Em seu lugar eu daria entrada na Justiça com um processo contra a Editora por danos morais. Só pode ser gozação!
Provavelmente o dito cujo nem sabia que seria chamado de Novo Chico, mas vi a entrevista que deu à revista. Considero-a sofrível. O “Novo Chico” foi superficial em algumas, obvio em outras e inepto na maioria das respostas. Disso é que trataremos.
Como é uma entrevista longa, comento apenas alguns trechos. Os dele vão em vermelho. Os meus em azul.
(www.opodrepoder.blogs.sapo.pt)
Que isso companheiro!!??
Jamais minha intensão foi a de me comparar com o Chico Mendes, inclusive divulguei nota de esclarecimento publicada nesse blog ontem.
Entendi a entrevista como oportunidade de divulgar as calamidades que passamos em função do desmatamento e da desigualdade social. A fim de mobilizar forças para defendermos uma proposta de desenvolvimento equilibrado para Amazônia, com equidade social e uso racional dos recursos naturais, protagonizada por nós brasileiros e amazonidas. A entrevista foi feita por escrito e enviada por imeio, sem dúvida que foi editada pela repórter. O texto original também divulguei na segunda feira.
Vejo que a sociedade de uma forma geral acaba perdendo o foco nas causas por posturas radicais, achar que somos os donos da verdade e temos que ser sempre geniais e sábios, para em certos momentos se perder em colocações reacionárias. Na verdade o que se lê em suas palavras é uma vontade firme em achincalhar aquilo que foi construído com tanto esforço, com ajuda de parte tão pequena da sociedade, como a causa pela qual defendemos. Um desenvolvimento equilibrado, a partir da sabedoria e participação efetiva das comunidades extrativistas, com equidade social e uso racional dos recursos naturais. Caro companheiro sou um trabalhador comum e o que desejo a todos nós é a Paz. Sem ela é impossível viver com saúde e alegria.
Desejo-te muita Paz no coração.
Abr
Pedro
Acho que esse tal de Raimundo, não está interessado em saber o que realmente se passa na nossa Amazônia, e sim, críticar uma pessoa tão bacana, que dedica sua vida a sua profissão, que suponho não ser nada fácil, de cara para os problemas reais da nossa Amazônia, gostaria de parabenizar o Pedro Bruzzy, por estar lá,comprando pra si uma luta! Acho que deveriamos bater palmas pra ele. Obrigada Pedro ! E lembrarmos sempre de Chico Mendes, quando vemos pessoas de boa vontade como ele!
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