sexta-feira, 6 de abril de 2007

MEDO DA MORTE


Elson Martins

Isabela, uma menininha de 4 anos que mora em Niterói, no Rio de Janeiro, foi escolhida pela produção da minissérie "Amazônia" para interpretar Elenira, a filha xodó de Chico Mendes com Ilzamar. Ela não é uma atriz mirim, mas sonha com isso, segundo a mãe e o avô, que a acompanhavam até o Projac (centro de produção da TV Globo) para as gravações.

A escolha não foi errada, pois Isabela parece mesmo uma acreaninha nascida em seringal, como Elenira. Tem a cor da pele mais escura, mas isso não é problema para os maquiadores e figurinistas da Globo.

O ator Leonardo Medeiros, que interpretou Wilson Pinheiro, possui baixa estatura e é branco que dói, contrastando em quase tudo com a figura do presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Brasiléia assassinado em 1980. Acontece que é um bom ator e, como se viu, incorporou o espírito do Wilsão (quase negro, 1,90m de altura) dando ao personagem a força que a história real registrou. Vitória da dramaturgia.

Com Isabela foi diferente. Ela não reagiu bem aos afagos de Cássio Gabus (Chico Mendes) em Elenira. Encabulou, se encolheu e, o tempo todo, reagiu aos apelos para que sorrisse demonstrando alegria em estar com o pai de mentirinha.

O menino de dois anos que a produção selecionou para fazer Sandino, caçula de Chico Mendes, também causou dificuldades em cena. Ele não sossegava na marcação e não dava a menor bola para a palavra de ordem “gravando!”, do diretor Marcos Schechtman.

A solução foi colocá-lo no abraço do avô de mentirinha (o ator Francisco Carvalho), budista na vida real, comprovado “domador” de crianças rebeldes.
Nos Estados Unidos, segundo Carvalho, os atores ganham 30% a mais quando gravam com crianças, por conta desses atropelos.

À medida que se aproximava a hora de gravar a cena da morte de Chico Mendes, os cuidados da produção com Isabela dobravam. Elenira tinha uma forte ligação afetiva com o pai, que morreu tentando pronunciar seu nome, pela última vez, enquanto ela chorava sobre o corpo gritando “papai”. A diretora Íris Gomes da Costa passou muitas horas com Isabela tentando prepará-la para esta cena.

As gravações se estendiam pela madrugada do dia 3, uma segunda- feira de céu aberto com lua cheia. Isabela dormia quando foi chamada, por volta das duas horas, para encenar. Não deu. Ela ficou assustada ao ver Cássio estendido no chão, na agonia final, com o peito coberto de sangue, tentando falar, pela última vez, o nome Elenira.

A menininha de Niterói misturou ficção e realidade, ficando com esta última, para afastar-se do corpo estendido no chão, coberto de sangue (tinta). A paciência e toda delicadeza do diretor Marcos Schechtman não foram suficientes para convencê-la a ser atriz por alguns segundos.

- Gravando! Gravando! Gravando! - Nada. Isabela mostrou ao diretor Schechtman que a realidade, naquele instante, venceria a ficção. E ele aceitou gravar do jeito que ela conseguia suportar.

Observem no capítulo final da minissérie, a ser exibido nesta Sexta-feira da Paixão: no primeiro plano tem o Chico Mendes (Cássio) agonizando. E, no fundo, a menina Isabela com seu choro real, de medo e dor diante da morte.


Elson Martins é jornalista acreano

2 comentários:

Anônimo disse...

So pode ser encomenda: a menininha nao conseguiu construir a ficcao diante da avassaladora realidade da morte. O menininho (JV) nao conseguiu manter sua ficcional construcao da realidade.Uma floresta em chamas tentando falar em nome da sua propria presevacao.(!) Mentir eh coisa pra profissional. A mentira tem pernas muito curtas, embora, longa vida. Olha que eu nao sou tao pessimista assim. Nao tanto quanto o espirito da coisa.Sabe como eh o nome desse "game"? Esse de jogo de espelhos e reflexos, realidade e ficcao? DEMOCRACIA. Imagina se a gente nao estivesse "playing this fucking game..."

Anônimo disse...

" A história só se repete como mentira". Todo historiador tem que lidar com a frustração dessa impossibilidade de recriar a história tal e qual aconteceu. O importante é sermos éticos e não criarmos situações ficcionais que só favoreçam a imagem de um personagem da históra e satanizem a imagem de outro.