sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

POPULAÇÕES TRADICIONAIS

Decreto reconhece a existência formal

Ruben Junior


Com o decreto nº 6.040, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, publicado na edição de quarta-feira do Diário Oficial da União, o governo reconhece formalmente, pela primeira vez na história do País, a existência de todas as chamadas populações "tradicionais" do Brasil. Ao longo dos seis artigos do decreto, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), o governo estende um reconhecimento feito parcialmente, na Constituição de 1988, apenas aos indígenas e aos quilombolas. As negociações que culminaram no decreto tiveram participação direta da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e do ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias.

Daqui em diante, todas as políticas públicas, decorrentes da PNPCT, beneficiarão oficialmente o conjunto das populações tradicionais, incluindo ainda faxinenses (que plantam mate e criam porcos), comunidade de "fundo de pasto", geraizeiros (habitantes do sertão), pantaneiros, caiçaras (pescadores do mar), ribeirinhos, seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco de babaçu, ciganos, dentre outras.

Tais políticas serão desenvolvidas pela Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT). "Elas terão como objetivo central promover o desenvolvimento sustentável, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, além de respeito à valorização de identidade daquelas populações, às suas formas de organização e às suas instituições", sublinhou o diretor de Agroextrativismo do Ministério do Meio Ambiente, Jorge Zimmermann.

Definição - Segundo o artigo 3 º do decreto, povos e comunidades tradicionais "são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas pela tradição.

Tais populações - a maior parte sem documentos de identidade, totalmente à margem dos direitos civis - habitam sobre um quarto do território brasileiro, em todas as regiões do País, formando um contingente de cerca de 5 milhões de pessoas, equivalente à população de muitos países europeus. "De forma inédita, o governo brasileiro reconhece o Brasil como um estado pluriétnico; assim, abre possibilidades de gestão mais enriquecedora para o conjunto da sua população", disse Zimmermann.

Ações - Com base na Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), as várias instâncias do governo federal, de forma integrada entre si e com as lideranças das comunidades tradicionais, poderão, juntas, desenvolver planos, projetos e ações destinados a promover a inclusão daquelas populações.

Muitas ações nesse sentido já são desenvolvidas hoje, como, por exemplo, as Reservas Extrativistas (Resex), criadas e geridas pelo Ibama. "Mas, de agora para a frente, aquelas ações poderão ser realizadas de forma ainda mais articulada dentro do governo e, por isso mesmo, ter seus efeitos potencializados. O trabalho buscará sempre o desenvolvimento sustentável, ou seja, o uso equilibrado dos recursos naturais", enfatiza o diretor.

Eixos - Segundo Zimmermann, são três as diretrizes centrais da PNPCT. A primeira delas pretende assegurar todos os direitos civis, por meio do reconhecimento legal dos habitantes daqueles habitantes, inclusive com fornecimento de documentos de identificação; a segunda diretriz diz respeito ao reconhecimento explícito do respeito à diversidade étnica, ao direito à educação diferenciada e à prática religiosa específica. A terceira perna do tripé pretende equacionar a regularização fundiária, já que muitas das comunidades tradicionais sofrem com o desrespeito à sua referência geográfica, como é o caso dos quilombolas, que, em muitos casos, foram incorporados pelas cidades, sofrendo achaques da especulação imobiliária.

"Havia uma ausência de marcos legais que garantissem direitos às populações tradicionais. Agora, porém, com o decreto, temos uma situação em que, com amparo da PNPCT, podemos transformar a realidade daqueles povos positivamente", diz Zimmermann. Até porque, insiste ele, o País vive um momento em que a especificação profissional e as novas tecnologias roubaram praticamente todos os espaços para a migração das populações tradicionais da zona rural para as cidades. Com o PNPCT, o governo pretende criar condições para que aquelas pessoas encontrem maneira de viver digna em seu próprio meio ambiente.

Uma das primeiras providências, segundo o diretor, será tentar incluir as ações integradas (governo/populações) no Plano Plurianual (PPA), o que possibilitaria estruturar melhor atividades voltadas àquela população, inclusive pela vinculação de dotação orçamentária.

Até a redação do texto do decreto, foi um longo processo de discussão. Numa comissão democrática, que juntou 15 representantes de vários setores do governo e 15 representantes das comunidades tradicionais, as sugestões e críticas de todos foram colhidas no período de um ano. Foram cinco grandes reuniões regionais, realizadas no Acre, no Pará, em Pernambuco, no Paraná e na Bahia. "No decorrer dos encontros, a sensação foi de que aos poucos, juntos, aquelas comunidades foram sendo retiradas da invisibilidade", diz Zimmermann.

Ruben Junior é da Assessoria de Comunicação do Ministério do Meio Ambiente. Clique aqui para ver decreto completo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Prezado Altino:

Esta notícia vem com, no mínimo, 17 anos de atraso!!! A primeira Reserva Extrativista (RESEX) habitada por uma "população tradicional" (no caso, os seringueiros), que é a do Alto Juruá (onde trabalhei desde 94 sob orientação do bravo acreano Prof. Mauro Almeida - hoje professor de Antropologia da UNICAMP), foi criada em 1989!!!

Como pode o Estado criar algo destinado à um segmento da população se ele não a reconhece com seu status sócio-antropológico peculiar?!

Isso evidencia duas coisas: que o EStado brasileiro tem enorme dificuldade de reconhecer nossa tao aclamada sociodiversidade, e que a casta estatal ambientalista se comporta como a guarda vitoriana inglesa, com seus controles & comandos, denunciando (para além de seu suposto iluminismo fundiário) o viés autoritário que deita raízes no antigo IBDF (de triste memória, cria da Ditadura Militar) - Cf.: "Senhores e Escravos" do historiados inglês E.Thompson.

Pergunto: quando seringueiros vão (voltar a) ter voz ativa na definição de seus Planos de Vida, e deixarem de ser tutelados por estes parasitas da ação ecológica libertária?

Abraços,

Alexandre Goulart de Andrade