segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

AYAHUASCA

Arnaldo Bloch

Em visita de trabalho à nação Arara, às margens do Juruá, no fundo da mata amazônica, bebi, em noite de pajelança, sábado passado, um pote inteiro de ayahuasca, o lúquido milenar, antigo conhecido dos povos da América pré-colombiana, e vi que o gosto era forte e bom, vegetal adstringente, profundo. Não vieram as tais náuseas de que muitos falam(e pelas quais outros anseiam). Ao contrário. A náusea, aquela de Sartre, o spleen civilizatório, é que se aplicava ali, cercado que estava eu de gente de paz, jovens pajés, aprendizes, suas mulheres e irmã, etnia outrora flagrada nos seringais e hoje sedenta de reativar os canais do tempo.

Um dos homens puxava, do fundo dum vaso, ressonâncias em idioma pano, ora palavras, ora impulsos vocais, interjeoções de júbilo ou dor, suspiros e sopros de poderosa acústica contra maus ventos em contraponto com as vozes femininas, suspensas, dissonantes, sensuais no limite do divino.

Demorou menos de hora para o rastro de luz percorrrer o breu dos meus olhos cerrados.

"Bateu", pensei, os sentidos se ampliando na direção da cantoria e dos ruídos florestais em noite estrelada. E do breu emergiram, com extrema leveza, ramos entreleçados, sementes, frutos paradigmáticos transmutando-se em outros padrões, arquetípicos, enciclopédia da alma da Terra, elã de sincronia.

Abri os olhos então e olhei para minhas mãos, as pontas dos dedos tocando-se entre si, e vi, com moderado assombro, que eram mãos de menino, subtraídas e frágeis. Aproximei-as dos olhos e conferi a superfície rosada dos dedos pequeninos, de criança. Pressionei o indicador e percebi que sua estrutura era mais energia que matéria (o que faz sentido, posto que não há diferença fundamental entre uma e outra). E se não cehgava a poder transpô-la, era clara, às antenas do tato, dua dinâmica molecular, quase científica.

Olhei em torno para verioficar se as demais estruturas estavam distorcidas, e verifiquei que não: as proporções do outros objetos e as relações entre eles mantinham-se atadas aos parâmetros conhecidos.

Eram só as mãos, e por um instante, veio-me um pensamento perturbador: "Será que vão voltar ao seu estado normal?" Mas era tão aprazível e natural a sensção de tê-la naquela forma e naquela consistência, e era tão bela e singular a música, e era tamanha a paz, e tão grande a floresta, que súbito tornou-se indiferente. Confortei-me: "E se forem mesmo pequenas as mãos? Por que é que têm que ser grandes? Será que estavam grandes demais antes, quando as apontava para o nariz dos outros? Será esta, sim, a sua dimensão real, seu justo tamanho?" Juntei-as novamente naquela configuração, os dedos tocando as pontas dos corimãos, e as mãos eram oráculos que, a custa de leves toques, me enviavam ao caminho do conhecimento.

Fechei novamente os olhos, interessado em investigar o que o breu oferecia ainda aos sentidos e à razão, a emoção sob controle, protegida das armadilhas do ilusório.

Veio-me então à presença o rosto longo, de sacerdote, a pele parda, sorriso oculto, implícito, benfazejo e protetor, que logo solidificou-se e, ao ganhar um caráter totêmico, verteu-se na minha própria carcaça: o rosoto totemizado, de pedra ou madeira, eu "eu", corpo, representado ali, aqui, em imagem que se encerrava, ao mesmo tempo eterna e transitória, e sobre ela (sobre mim) pairava, enfim, algo maior: espírito. Não no sentido da divindidade proverbial, mas da pura essência, também dos cânticos, dos ruídos da selva, do universo todo, dos velhos medos e das novas terapias, convergindo num só estado.

Abri novamente os olhos. As mãos, ali.

- Tenho mãos de criança - precisei confessar.

- Você está renascendo - replicou o pajé, sem sorri.

Estava. Creiam-me ou não, entenda-se da forma que se quiser. Verdadeiramente renascendo.

Num estado de profunda expansão da mente e, em parelelo, da mais absoluta instrospeção, tudo dentro dos limites do racional e sem perda de sentimento. De unidade entre percepções passadas e visões futuras num mesmo presente, em mim e no todo, em cada ruído da noite, em cada harmônico musical, em cada onda de pensamento, no respiro do aroma do chá que perfuma a pequena maloca, templo efêmero.

Um estado paradoxal mas perfeitamente lógico que, simultaneamente, clamava por consciência dos limites, por humildade, por aceitação, das pequenas e frágeis mãos, da irrelevância do corpo; mas também clamava por grandeza sem orgulho, pertencimento a uma corrente que remonta ao início dos tempos, colméia que não necessita de guerra ou proselitismo para triunfar.

Pouco antes da alvorada despedi-me e voltei à casinha de palafita. Para adormecer na rede, abracei meus próprios ombros em ato de amor, com as mãos de criança. Quando, poucas horas depois, acordei ao som das buzinas de cerâmica (as aldeias comunicando-se enter si), constatei, com uma tranquilidade que era também resignada decepção, que as mãos haviam voltado às dimensões usuais.

Porém, desde então, sempre fecho os olhos e junto os dedos, posso voltar a senti-las dentro da pele, pequenas, eternas, etéreas, protetoras da floresta que há em mim.

Arnaldo Bloch é colunista do Segundo Caderno do jornal O Globo.

3 comentários:

Anônimo disse...

Que viagem maravilhosa! Maravilhosa forma de narrar.
Me lembrou da primeira vez que tomei o daime, sem fé alguma, sem nenhuma intenção de mirar, sem medo. Limpa de cabeça e de coração. Foi num noite de julho, de lua cheíssima e céu estrelado.
Também não tive enjôos, nem saí por um único segundo do controle do racional. Apenas fechava os olhos e as imagens passavam, como se revelando meu "cineminha" da vida.
Me chamou atenção essa imagem comum que apareceu para o Arnaldo e para mim. O meu totem era imenso, uns 4 metros de altura. Ia e vinha, alternando-se aos meus momentos particulares.
No mais, posso dizer que tive uma excelente viagem. Tomei o daime por duas vezes apenas em toda a minha vida. Valeram.

Anônimo disse...

Em minha primeira experiência com ayahuasca me vi novamente em posição de criança, ao qual eu trazia um problema emocional que eu não tinha percepção e graças a esta "regressão" pude me libertar .......

A ayahuasca liberta, a ayahuasca modifica, a ayahuasca é mágica ..... basta aceitar !

Viva as boas experiências ... viva a liberdade de expressão ...

Leonardo Alves
www.ceuluzdoamanhecer.com.br

Anônimo disse...

a muito tempo vivia nun mndo fechado apenas pra mim. nota que minha vida era minha casa e minha familia . sim era o correto mas porem isso ja estava deixando as demais coisa importantes em segundo plan po .
uma das coisa que me deixa viva era meu esposo , ele er o centro de tudo via pra ele so pra ele , deixei ate deme lembrar que eu existia meus filhos existia , e qdo qdopercebi que meu casamento estava se acanabndo entrei em desespero e veio a desilusão.. meu marido meu traiu ,meu mundo aquele em q eu me apoiva em todos os s entidos da vida , caiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
depois de uma no pra ca minha vida tem sido sempre triste com lembrança do passado de q to ainda tinha sido feliz
.. e minha vida acabou ............
foi qdo conheci esse maravilhoso vinho da alma.......
desde minha primeira vez cmecei a ver que a vida não era somente ele ,,q eexistia algopmas pra ter e se apegar
eu tinha meus filhos ,, eu descobri que e u existia tive sentido da vida
..traumas em mim foram curados
medos foram tirado
os mas simples ate o mas aterrador ,, hj sempre que posso vou a reunião e me sint otima com tudo isso ,,não da pra descrever a paz q sinto qdo estou daimada .......asss eunice