domingo, 31 de dezembro de 2006

FELIZ ANO NOVO

Juarez Nogueira

Faz um ano que, dito em bom mineirês, apeei do ônibus na rodoviária de Rio Branco, a.C.RE. Era o Dia Mundial da Paz. Primeiro dia do ano. Já no hotel, telefonei para o Altino e de repente estava eu em casa de D.Heloísa, na Vila Irineu Serra. Comemorava-se o aniversário dela. Esse fato torna a data ainda mais especial e inesquecível porque eu, um forasteiro, daqueles que aparecem em ocasiões de feira, fui admitido sem reservas num lauto (delícia!) almoço em família.

Onde há gente, há gentileza. E, ali, me vi rodeado de gentilezas cuja descrição apenas empanaria a imagem que me importa, grato, guardar. Altino, Kátia, D.Mariquinha, D.Peregrina, Sr. Manoel Queiroz e esposa D.Maria, D.Altina, Antônio Alves, a professora Julieta, a Gilda – essa eu nunca vi com tanto pulmão para puxar, alto e espevitado, um Parabéns Pra Você que era em absoluto para a aniversariante, mas que tomei um tanto para mim, para todos: tudo era um, o presente.

Havia outras pessoas, tantas que tantos nomes não me ocorrem, a quem fui apresentado ou não, e que olhavam desconfiadas ou curiosas para mim, o estranho, mas no olhar concorria o esforço de reconhecimento do caráter da amizade. Outros, que nem conheci pessoalmente, vieram depois, por via deste blog de que o Altino faz rede de estar.

Veio o poeta César Garcia Lima, que me fez a gentileza de enviar o seu livro que não é um objeto – é palavra objetivada, existida de poesia. Veio a Leila Jalul que escreve como quem vive ou vive como quem escreve. Veio uma mensagem linda da Elenira Mendes. Veio a verve do Sérgio Souto, que rima como quem bota a vida pra ferver. Gente gentil a quem fui conhecer virtualmente. E junto veio, vem a saudade de tudo e de todos.

Da saudade, sei que não é ausência, falta de. Saudade é constância, permanência. A distância então faz re-criar a imanente esperança, memória que impõe conservar, flor que cheira de longe. Ainda assim, vezoutra insisto na materialidade das coisas, cioso de que tocar é re-ter. Por isso faço encomendas esdrúxulas ao Altino: sabão de cravo, farinha de Cruzeiro do Sul, óleo de copaíba, bombom de cupuaçu...

Por isso também, trouxe comigo uma muda de jambu, que cobriu viçoso a latada e depois foi definhando por causa do clima, atacado por necroses e cochonilhas pragas. Movimentei uma força-tarefa da Secretaria de Agricultura para salvar meu jambu. Foram dias e dias de cuidado, aparentemente em vão. Quando o último galhinho secou, ô dó, apesar da heróica resistência, eu já me dava por vencido, veio minha mãe anunciar: ‘Olha aí, brotou uma mudinha no vaso das orquídeas.’ Que a esperança é a salvação e a alegria é seu alimento eu sempre soube.

Esse jambu (ou agrião ou craveiro-do-campo), ordinário, compõe típicos pratos acreanos. Quem ajeitou a muda para eu trazer e me ensinou que a planta gosta de umidade e sombra foi D.Rosa, lá de Cruzeiro do Sul. Trouxe a plantinha abraçada comigo no avião, passou impávida nas alfândegas. Devem ter entendido que não era caso de biopirataria, talvez um complicado caso de amor. Aqui, faço o jambu com caldo de frango desfiado, engrossado com fubá, aipo e cheiro verde. Fica bom também no caldo de mandioca com bacon e pimenta.

Mas o meu jambu rende mais que isso, é muito mais que isso. É um pedacinho do a.C.RE que me chama a cativar eternuras. É planta humílima, rastejante, cujas florezinhas amarelas imitam sóis miosóticos, pendor de ouro vegetal. Meu jambu é um pretexto a sempre me lembrar um movimento ascendente, de tudo que fende de escura raiz, do chão para o alto, e num caminhar progressivo, lento, evolui na certeza de que tudo tende, pende para o céu.

Ontem, grata surpresa, descobri que o jambu brotou no cimento da calçada, floriu, vai deitar sementes. Fiquei lá, olhando bobo feito menino com brinquedo novo. Deixa alastrar. A esperança é a primeira que surde. Há, sei, quem não se importe com jambus, árvores, nem com a floresta inteira – primordial morada dos homens. Sei: as coisas só têm sentido com o sentimento de quem sente, sem sentido não há memória, sem memória não há senso, sem senso tudo é vão.

Fundamente desejo que essa alegria íntima, tão trivial e particular, assome pública, ora confessada: que no primeiro dia do ano, no Dia Mundial da Paz, não seja vã a esperança de toda brotação e vicejante permaneça, acolhendo a cada um seu cuidado, seu cultivo.

Feliz Ano Novo, Altino.Para você e todos.
Um abraço.

(Por favor, abrace por mim a D.Heloisa, com votos de felicidades).

O professor e escritor Juarez Nogueira mora em Divinópolis (MG).

3 comentários:

Anônimo disse...

Professor,
Escute: vamos fazer um contrato? Vc deixa o seu jambu verdejante e brotando entre los musguitos e vem para cá. Aqui já não vc só terá o Altino. Terei eu, encantadíssima, preparadíssima e arrojadíssima para fazer uma cambuquira. Um arroz com pequi e uma galinha com quiabo que nem o diabo deixa sobrar. Não vale não aceitar. Vc marca o dia, a hora e vamos ensaiar a recepção. Vou pro aeroporto vestida de sedas de damasco e tiaras do Marrocos. O que vc acha?
Altino vai vestido com sua habitual fantasia de sonhador . Fantasia de Pierrot apaixonado pela Colombina das notícias. Toda feita de jornais e revistas. Tomando a cachaça da informação.
Quero combinar com algumas pessoas uma oficina de redação. Quem sabe ,depois de frequentá-la, eu deixo de escrever bobeiras sobre minha vida sem sal, sem doce e sem graça. Não vejo razões para vc não aceitar. Se não aceitar, me restará chorar o choro dos desvalidos.
Estarei na fila dos sem recursos criativos. Estarei mendingando letras,
(não vale sopinha). Vamos? Topa?
Basta me dizer o tempo que permeia seu dolce far niente com o seu ocupadérrimo! Posso providenciar?
Estou encantada com o seu palavreado intocável e rico em saudades.
Saudade a gente mata, principalmente quando nos maltrata!
Posso?
Um beso!
Leila

Anônimo disse...

Leila, isso é mais que um convite, é uma ameaça. Fico até coagido por não aceitar. Vou sim, voltar ao a.C.RE e vamos falar muito de escreviver. E olha, Leila, você já tem brevê, alvará, salvo-conduto, direito adquirido, não precisa pedir licença. Simplesmente escreva, Leila, escreva que a vida do seu texto por si a autoriza e justifica. O Altino tem meu e-mail. Um abraço, Juarez

Anônimo disse...

Juarez, você só não é dez
Porquê dez é pouco. És giz.
Tens o olhar e a tez das Minas
No coração, mil Brasis.

Feliz tudo procê !!!!!!!!!

Dê um grande abraço nos meus caros amigos dai
da cidade do divino. Lemão,Jairo lara e toda turma do "Ad canto", no Tulio Mourão, cacete, esqueci de uma porrada de gente, mas tudo bem.