sábado, 16 de dezembro de 2006

CARTA ABERTA A SANTIAGO

Juarez Nogueira

Santiago, não perturbe a sua juventude a indignação porque a resposta, moço, como na velha canção, está no ar. O silêncio que se segue a sua carta se encarrega de dizer o que você já sabe.


Mesmo assim e por isso mesmo, tomei a liberdade de responder, afligido que fui um dia pelas mesmas incertezas com que, percebo, você expõe a esperança de compreender, com dignidade e justiça.

Sou professor, Santiago, e muitas vezes tento explicar aos meus alunos um monte de coisas. E não raras vezes faltam-me palavras, falta-me um discurso convincente para dar sentido e coerência a umas tantas atitudes que fazem a cara queimar de vergonha nesse país que vive curvado pela própria grandeza.

Fico sem saber o que dizer-lhes para que, apesar de tudo, insistam nas artes da lealdade e da gentileza, sejam cavalheiros honestos, combatam o bom combate. Então eu olho para os meus alunos, assim como olho agora para a sua foto, e penso: dizer o quê?

Eu penso que o senador Tião Viana, talvez, se ele ou um de seus assessores leu sua carta, esteja tomado pela mesma dúvida: dizer o quê? Porque, afinal, tudo o que se disser, parecerá - e é - a defesa do indefensável.

O que sei é que uma voz ou outra, a sua, protestam aqui e ali, demandam um esforço em compreender e explicar os lances, as jogadas políticas nas quais o povo - ora, o povo - é useiro e vezeiro perdedor ludibriado.

Depois se calam as vozes, os protestos. Calam e esquecem. Até que de novo outras negligências, outros desmandos, outros acintes nos venham devolver a nossa condição de gente envergonhada. Envergonhada, mas mansa. Mansa demais, Santiago.

Agora mesmo, no momento em que lhe escrevo nesta madrugada de sábado, leio na página da UOL que quatro adolescentes atearam fogo num morador de rua, em Tangará da Serra, no Mato Grosso. A juventude me comove e surpreende, Santiago.

Note: enquanto você questiona o aumento - segundo suas próprias palavras, imoral e descabido - do salário das Excelências, outros resolvem fazer do semelhante uma tocha humana. Por isso é que sua carta tanto me tocou, Santiago, e resolvi respondê-la, antes mesmo do destinatário senador.

Eu não sei o motivo, mas imagino que aqueles quatro jovens devessem estar muito, muito indignados com o morador de rua no qual atearam fogo, assim como você me parece tão indignado com o reajuste salarial dos nossos - sim, nossos - laboriosos representantes.

O meu alento, Santiago, é que há mais, muitos mais jovens mansos ou questionadores que incendiários, não estamos em França. Já imaginou, se fosse o contrário? É bom nem pensar.

Por isso, uma vez mais, não perturbe a indignação a sua juventude nem alegue seus 17 anos de ignorância como incapacidade de entender. Porque você sabe, Santiago, você sabe e entende. A resposta está no ar. Mas tenha fé, Santiago, tenha fé. Porque entender exige.

Um abraço,


P.S.: Vou reler algum trecho do Eclesiastes, minha leitura preferida, na falta de alento ou de conduta.

O professor e escritor mineiro Juarez Nogueira mora em Divinópolis (MG). É autor dos livros Manual de Sobrevivência na Redação e O Menino Alquimista.

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