sexta-feira, 10 de novembro de 2006

PÁGINA POLICIAL

Bruno Ribeiro

Nesta semana, uma mulher de 25 anos matou os dois filhos com uma esmerilhadeira e foi parar atrás das grades. Na cadeia, foi linchada pelas outras presas e só não morreu porque a polícia chegou a tempo de evitar o massacre. E aí você tem dois crimes bárbaros divulgados com todas as cores nas páginas policiais num intervalo de 48 horas. E abre-se espaço para o retorno do debate acerca da pena de morte, que nada mais é do que o retorno do olho por olho, dente por dente. E eu me pergunto: para que existe a página de polícia nos jornais?

O argumento da imprensa perante a opinião pública é de que a cobertura dos crimes serve para pressionar as autoridades a solucionar alguns casos. A manchete sangrenta seria, pois, de grande valia à sociedade civil que, refém dos bandidos, só poderia contar com a vigilância da imprensa. Nos bastidores, porém, sabemos que a foto do morto só serve para vender jornal. Existe entre nós uma mórbida atração pelo crime. É fato que violência puxa audiência. Basta um morto no meio da rua para, em qualquer lugar do mundo, haver uma aglomeração. É natural que noticias de assassinato sejam usadas para ampliar as vendas do produto.

É natural?

Não, não é natural – esta é a minha opinião. Algo não deve ser considerado natural só pelo fato de haver demanda para ele. O jornal teria de prezar pelo bem comum. Por mais que seja um produto, não podemos tratá-lo como caixa de sabão em pó. Tem de haver uma contrapartida social, porque de outra maneira não há razão para manter em vigor o código de ética do jornalismo. Notícias de crime não tem qualquer serventia. Raramente um crime foi solucionado pelo fato de ter saído no jornal e a publicação da notícia é ruim para todos os envolvidos.

É ruim para o repórter, que tem de conviver com o dilema moral de depender da morte alheia para ganhar seu salário; é ruim para a família da vítima, que tem seu drama exposto independente de sua vontade; é ruim para a família do criminoso, na maioria das vezes formada por gente íntegra e honesta que só ganha mais humilhação; é ruim para os leitores, que acreditam piamente que os criminosos estão em toda parte, criando assim uma cultura do medo difícil de ser extirpada. Enfim, é ruim para todo mundo, menos para o dono do jornal.

O que importa saber quem matou e quem morreu, quantos tiros levou o infeliz e que a moça foi estuprada na saída do colégio? A notícia irá mudar a realidade? O fato de a foto do morto ser divulgada na capa fará com que ele volte à vida? O relato de seu assassinato trará alívio aos seus familiares? Ou trará justamente o contrário?

Trabalhei como repórter de polícia durante um ano, em Sumaré e Hortolândia, duas das cidades mais violentas do Estado de São Paulo. Crime hediondo ali é mato. O tempo em que escrevi sobre essas barbaridades só serviu para que eu tivesse ciência de minha inutilidade. Nada do que escrevi serviu para coisa alguma, a não ser para disseminar o terror. Conheci bandidos que me pediam para ter sua foto publicada na capa, mesmo tendo cometido crimes horrendos. O reconhecimento de seus feitos era uma espécie de atestado de maldade que incrementava seu currículo. Acho que se os jornais quiserem realmente lutar por uma sociedade menos violenta deveriam acabar com a página policial.

Bruno Ribeiro é jornalista em Campinas (SP) e editor de um blog muito bom - o Pátria Livre Futebol Clube - onde o artigo continua. Encontrei o blog dele hoje por acaso e constatei que o meu consta lá, na inusitada seção "Concorrência desleal". Vida longa ao Bruno e ao seu Pátria Livre Futebol Clube.

8 comentários:

Anônimo disse...

Penso que o jornalismo policial de hoje se tornou muito sensacionalista, criaram muitos progrsmss-lixo-sensacionalista (inclusive aqui no Acre) que retraram os crimes como shows pirotécnicos.
O jornalismo policial tem que ser repensado, deveria tomar forma no intuito de incitar a população a pressaionar o poder público e por outro lado mostrar quao incompentetes são as autoridades no quesito segurança.
A matéria do blog é muito boa, li na integra. Só não concordo que a página policial tem que acabar, ela tem que continuar sim na minha ipinião, apenas mudar a forma de atuação.

Anônimo disse...

Altino parabens pelo seu trabalho construtivo. Parabens pela observacao da questao midia e seguranca. Como Secretario de Justica e Seguranca e tambem como como parlamentar, sempre procurei discutir esse tema que e importante e afeta a todos(seguranca). Midia e Seguranca deve entrar na pauta dos jornalistas atraves das universidade e da sociedade organizada. Tentei fazer e nao deu muito certo. Topo insistir.
Um forte abraco
Fernando Melo

Anônimo disse...

Altino, bom dia.
O jornalista tem razão, claro. E é muito bom ver que existem profissionais com esta mentalidade humanista. Ele merece nossos respeitos.
Quanto às páginas policiais e sua importância, por enquanto só vi duas:
Em primeiro lugar, elas educam os criminosos, ensinando-os a cometer crimes e os mantendo informados sobre o "mercado". O exemplo mais claro disso está na maré alta provocada pela divulgação de certos crimes que levam à sua multiplicação entre os "educados" por meio do jornalismo, um dos seus divulgadores.
Em segundo lugar, segundo creio, as matérias jornalísticas da área criminal tendem a normalizar as práticas criminososas entre a população, massificando as práticas delituosas.
Esse último efeito é especialmente sádico e eficaz entre as camadas mais frágeis, justamente aquelas que também são as maiores vítimas da criminalidade.
Creio que os próprios editores de jormais estão percebendo isso porque gradativamente o espaço dedicado a tais matérias vem sendo reduzido.
Eu disse duas utilidades, mas claramente outras existem, e se fosse descrevê-las, aumentaria consideravelmente este excelente post. Por isso, citei apenas as mais comuns.

Beijos

Anônimo disse...

Altino, meu camarada: obrigado pela visita, pelo link e pela citação da matéria. Faz tempo que seu blog tem sido um de meus preferidos. Parabéns pelo trabalho honesto e vigilante que você realiza no Acre.

Um putabraço!

Anônimo disse...

Concordo em gênero, número e grau com o jornalista Bruno Ribeiro. Infelizmente, no meu trabalho, muitas vezes sou obrigada a acompanhar enterro, entrevistar família de assassinado, ladrão, mas também acho que tudo isso de nada ajuda a resolver o verdadeiro problema da violência. Não penso no fim das páginas policiais, mas penso que seria necessário um trabalho menos superficial sobre a situação da criminalidade, sem transformar a notícia num espetáculo!

Anônimo disse...

Assisti esta semana a um episódio do programa Linha Direta. Ver crimes tão bárbaros tratados como entretenimento me chocou muito. A função social do programa, a de ajudar a polícia e família das vítimas a divulgar imagens dos assassinos é indiscutível, o que questiono é a violência sendo usada como distração no horário nobre. Com enredo, dramatização, efeitos especiais...A transmissão, ao vivo, de crimes pela televisão se assemelha a isto. Qual será o próximo passo do jornalismo? Claro que a violência aumentou como cresceu também a cobertura jornalística destes fatos.
Bruno, não é em todos os lugares que um corpo no meio da rua gera aglomeração. Vi no Rio de Janeiro, em frente ao Norte Shopping no subúrbio carioca, um corpo estendido no chão sem que causasse comoção ou curiosidade. Banalização? Pode apostar.

Unknown disse...

Qui otimo qui deus abençoe esses profissionas e bom pra nossa segurança confiamos mas

Unknown disse...

Boa noite altino parabens pelo seu trabalho muito legal,